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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

BEETHOVEN E A REPÚBLICA

NAPOLEÃO BONAPARTE E BEETHOVEN:
DOIS GÊNIOS E DUAS MEDIDAS
(A ser publicado em ‘O Progresso’)

A imagem que restou do grande conquistador francês é romantizada e deturpada, fixando-se muito no período imperial. O grande líder, nascido na Córsega e apreciador de bons vinhos e boa música, aos 16 já era oficial da artilharia. Aos 24, chegou a General de Brigada e, aderindo à Revolução, aos 27 alcançou o posto de Comandante em chefe do Exército francês, como Generalíssimo. Napoleão acabou com a corrupção na França, cessando a indignação do povo contra os políticos; elevou o padrão de vida dos cidadãos e restaurou-lhes a autoconfiança; dotou o país de Códigos Civil e Penal. Chegou ao apogeu depois do chamado 18 Brumário, golpe militar analisado muitos anos depois por Karl Marx, em uma de suas inteligentes investidas no ramo da história (“O 18 Brumário de Luís Bonaparte” aborda o golpe que abriu caminho para Napoleão tornar-se ditador). Bonaparte também cultivava as letras, lançando-se a aventuras históricas em que mais distorcia os fatos a seu favor do que contribuía para o futuro, como é o caso de seus comentários sobre “O Príncipe”, de Machiavel, obra dedicada à arte do poder e da guerra. Napoleão baseava-se nos seus feitos e erros para comentar ou justificar-se aos escritos de Machiavel, e lançava suas reflexões à parte, mais do que à análise da obra do italiano.
No início, por suas ideias e atos, Napoleão foi idolatrado. Cativava a Europa com fama tal que dobrou Beethoven,  conhecido por não se curvar sequer perante príncipes e monarcas. O compositor dedicou-lhe sua 3ª Sinfonia (“Eroica”), concluída em 1804. Pairavam no ar os ideais da República, da ‘liberdade, igualdade e fraternidade’, mas a ambição napoleônica começou a invadir não apenas terras distantes do domínio francês quanto a perturbar sua própria mente - que, alçada em vôo por uma inteligência privilegiada, levou-o a atos insanos: em 1803, conseguiu que o Senado o sagrasse Imperador, destruindo assim as aspirações republicanas do povo. Por causa disso, Beethoven, irado, riscou a dedicatória que antes havia escrito em homenagem ao militar francês no frontispício da partitura de sua “Eroica”, no que fez um dos grandes protestos individuais da história. Pena: o brioso Imperador perdia assim uma homenagem monumental - seu próprio nome eternizado em plena incursão de Beethoven no romantismo, talvez a primeira em vulto. Beethoven estava encantado pelos ideais da Revolução Francesa, tendo sido tomado pelas ideias republicanas durante sua estada em Viena, onde também viviam Schiller e Goethe, dois literatos envolvidos com os novos ideais. 

Logo ele, Napoleão, que disse que “amava o poder como um músico ama seu violino, para dele poder extrair sons, acordes e harmonias!” O protesto de Beethoven deve ter sido um golpe bastante forte na egolatria que assaltara a cabeça do Imperador francês. Goethe classificou o gênio alemão como “uma criatura absolutamente indomável” – aliás, como o garboso Napoleão, o compositor se dizia tão perfeito em sua arte que se considerava acima de qualquer crítica. Igualava-se, em grandeza, ao Imperador que havia renegado. Mas quem saiu perdendo foi Napoleão. Que dedicatória memorável deixou de ter! Para a música de sua suntuosa coroação como Imperador, o francês teve de contratar o italiano Giovanni Païsiello (bom músico, mas pequeno, diante da sombra de Beethoven) para obras de grande envergadura: uma ‘Missa’ e um ‘Te Deum’ para nada menos que duas orquestras e dois coros, em festa coberta com ouro e pompa à altura das melhores coroações do longo Império inglês.
Vendo naufragar a economia e, com ela, seu poder na França, Napoleão foi forçado a se exilar na costa Toscana, na Ilha de Elba, em 1814, onde, em 1815, soube-se definitivamente destronado, após o desastre da histórica batalha de Waterloo. Foi para o desterro na ilha inglesa de Santa Helena, onde morreu 6 anos depois. Deixou o mundo admirando a arte dos sons, dizendo que “a música é a voz que nos diz que o ser humano é muito superior ao que ele se imagina”. Perdeu a chance de entrar para a história como um ícone de República, da libertação dos povos e dos ideais mais profundos da Civilização. Tivesse sido assim, talvez Beethoven não apenas teria mantido a dedicatória da “Eroica”.

Napoleão, se tivesse entrado para a história como libertador, e não como um ditador louco, poderia ter recebido a glória maior que um ser humano poderia obter na Terra como homenagem póstuma: a 9ª Sinfonia de Beethoven, com o belo poema de Schiller magistralmente musicado pelo gênio alemão: “Todos os seres bebem alegria / no seio da Natureza / Todos, os bons e os maus / seguem uma trilha de rosas / ela (N.A.: a natureza) nos deu beijos e vinho / e uma amizade leal até a morte / levou força aos humildes / e ao querubim que se levanta diante de Deus”.

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