Em minha primeira infância não tinha
havido ainda o golpe de 64. Veio com meus 11 anos. Na verdade, fora experiências do grêmio escolar, eu só vim a nascer aos 15 anos, como na música
“aos 15 anos eu nasci em Gotham City”, do Jards Macalé. Naquele mesmo ano,
morria assassinado no restaurante Calabouço o estudante Édson Luís, de 19. Disse
à minha mãe que eu iria ao cortejo, e ela até resolveu ir junto. Passando na
rua que leva ao cemitério São João Batista, a multidão impressionava. Veio do
centro, com o refrão “mataram uma criança, poderia ser seu filho”.
Artistas como Odete Lara, Eva Wilma, Norma Bengell e Ruth Escobar nos 100 mil |
No colégio, vi os padres paramentados
indo à passeata dos 100 mil, juntando-se a atores, intelectuais, estudantes, religiosos,
todos os que se sentiam amordaçados pela censura e pelas graves violações, como
prisões sem sentido, torturas e desaparecimentos. Havia muito medo. Meu pai,
por ter trabalhado como porta-voz de JK, mais ainda, porque os intelectuais do
gabinete estavam sendo presos. E vieram prisões de amigos e conhecidos como
Hélio Pellegrino, Ênio Silveira (preso oito vezes) a turma do Pasquim e muitos
outros. No colégio, resolvemos fazer um festival de MPB, e até lá enfiaram a
censura prévia. Não me cortaram a música, mas uma frase singela: “um grito vivo
de verdade”. Por quê? Meu pai, receoso de chegar a sua vez, eliminou livros de
casa e pediu que eu sumisse também com minhas leituras teóricas dos filósofos.
A 'Joaninha' e os policiais |
Entrando na faculdade, juntei-me ao
pessoal mais inteligente, do diretório, e logo vi serem presos Alexandre, que
voltou com o peito queimado de cigarros, minha amiga Mônica Tolipan e Luísa.
Por quê? Eu e meus irmãos, com meu tio, chegamos a ser parados e espremidos no
muro com fuzis, como fôssemos bandidos. Mudei de faculdade, fui para a
excelente FEFIERJ, embora sob a intervenção do gen. Jayme Ribeiro da Graça.
À frente do prédio, sempre um
fusquinha com um giroflex, as temíveis ‘Joaninhas’, paranoia do povo, com suas revistas
nos cabelos e nos livros. Foi recolhida até a Nova História da Música do Carpeaux,
de capa vermelha. E valia a instrução policial: dois, ok, prestar atenção, três,
podia ser plano, abordar! Nessa altura, meu pai teve a visita de um agente do
SNI, que viera em seu encalço. Lá embaixo, deram uma volta e ele ouviu que,
quando no Palácio, arrumara um emprego no IAPETEC para a filha do agente. O sujeito
disse que iria contornar e que subisse, pois minha mãe devia estar nervosíssima.
Meu pai convidou-me para um chopp a
dois. Desvendou quem era meu ídolo de então, Che Guevara, a quem ele havia
aturado durante horas fazendo sala para JK. Mais informações, a de que os chefões
da guerrilha estavam loucos para cooptar jovens quadros para servirem de bucha
de canhão, a exemplo do Gabeira, mais velho do que eu. Aí encerrei minha
“carreira”. Foi uma ducha de água fria. Naquela conversa, olhos nos olhos, decidi
me afastar da leitura política e me dedicar à minha arte, a música. Estudava
muito, tive a sorte de ter grandes professores, como Ladislav Bálek, solista da
Sinfônica de Praga. Consegui uma aprovação nos Estados Unidos, e lá fui eu em
1977 para Boston, onde estudei com o grande Edwin Barker e com o compositor
McKinley. Casado, já estava me acomodando nos EUA. Fui convidado para ajudar a reorganizar
uma antiga grande orquestra no Brasil. “Um belíssimo salário”, disse minha mãe.
Recebi, como sempre, uma revista enrolada depois de lida, para eu ficar a par
do que se passava no país. Na capa, à frente de uma multidão, como o pôster do
filme “Sacco e Vanzetti”, Lula comandava os manifestantes. Eu, ainda com as
costas lenhadas pela vida no Brasil, disse para mim mesmo: ‘esses caras estão
loucos, morrerão todos!’. Mas eram os novos tempos surgindo.
Em 1982, vim de mala e cuia para o
novo emprego. Chegando, nove baús no Cais do Porto, soube que o projeto inteiro
ruíra. Como eu estava preparado, não me preocupei muito. Inicialmente, fui para
Campinas, onde fiquei 2 anos. Depois, Osesp. Vi o começo do fim da ditadura,
com a eleição de Tancredo e a inevitável posse de Sarney. Farsa, mas logo chegaríamos
ao voto direto. Essa epopeia durou mais de 20 anos, e não meses como disse
Castelo Branco, disfarçando ou não. Sucederam-se, desde 1964, os Atos
Institucionais. Oito dias depois do golpe, o AI-1 simplesmente delegou ao ‘comando’ o
poder de alterar a Constituição, entre outros. Foram cortando os poderes, até
que aquele fatídico AI-5 acabou com o país.
Não havia mais nada.
Figueiredo e seu bom amigo Abi-Ackel, contrabandista de joias |
Os militares – e não as fardas, que
prezo muito – enriqueceram, a exemplo do próprio Castelo, cel. Andreazza, autor
da ponte Rio-Niterói e da Transamazônica, superfaturando aos montes todas as
compras (não havia a lei de licitação de hoje, 8.666 - aliás, como disse o Getúlio, 'a lei, ora, a lei'). Abi-Ackel, homem forte de
Figueiredo, tinha um comércio de esmeraldas em Miami. Um preposto, que levava mais uma
remessa de joias parta o escritório de Ackel em Miami, foi preso na alfândega
americana com o equivalente a 20 milhões de dólares em gemas na época.
O eng° José Jobim, que trabalhou na Itaipu, revelou que contaria tudo sobre os US 30 bi, superfaturadíssimos, da obra. Eram tempos de Figueiredo, e hoje se sabe que na verdade, como vários outros, Jobim foi 'suicidado' pendurado em uma árvore, fato recentemente confirmado. À dona de uma farmácia disse que estava sendo sequestrado, em um bilhete no balcão.
O eng° José Jobim, que trabalhou na Itaipu, revelou que contaria tudo sobre os US 30 bi, superfaturadíssimos, da obra. Eram tempos de Figueiredo, e hoje se sabe que na verdade, como vários outros, Jobim foi 'suicidado' pendurado em uma árvore, fato recentemente confirmado. À dona de uma farmácia disse que estava sendo sequestrado, em um bilhete no balcão.
Eliezer Batista, “dono” das
mineradoras, embora malvisto desde o Jango, teve Castelo que lhe afagou com a Cemig.
Eliezer deixou para seu filho Eike uma das maiores fortunas do mundo. Ao gen. Golbery
coube a fenomenal Dow Chemical. A corrupção grassava por todos os cantos, mas com Imprensa,
Judiciário e Legislativo manietados - quando existiam -, era benevolente com os
piores alcaguetes transformados em agentes, achacando, extorquindo, como aconteceu
comigo em um acidente de automóvel que teve o azar de ser protagonizado pela
filha de 19 anos de um “extra” do SNI. Meu pai, sob ameaça de extorsão, buscou
nos cartórios do Fórum, onde trabalhava, o nome do agente. 20 ações de roubo
dormindo em uma gaveta. Esse foi o contragolpe. A questão se
encerraria em juízo.