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sexta-feira, 25 de setembro de 2020

AQUARELA DE CORES, SONS E FREQUÊNCIAS

 


“Quando eu morrer / não quero choro nem vela / quero uma fita amarela / gravada com o nome dela”. Noel Rosa, terrivelmente apaixonado, queria apenas uma homenagem da amada na sua partida: o amarelo, iluminado e mais vibrante do que o vermelho, que é a cor dos enamorados, do sangue, das rosas, da gala dos tapetes. (Mas é também a dos revolucionários, da “Bandiera rossa”, hino dos comunistas italianos, e a alcunha de Daniel Cohn-Bendit, Dany, le Rouge, o líder estudantil franco-alemão de 1968, além dos cravos portugueses de 1974. Foi a pecha que a ditadura brasileira atirou sobre Dom Hélder Câmara: o “Bispo Vermelho”, taxando-o de “comunista” e intervindo em uma indicação ao Nobel (pacifista, ele escrevera “Revolução dentro da paz”).


O verde é mistura do neutro azul com o vibrante amarelo, e tem o dom de ajudar a relaxar as pessoas. Isso o faz a cor preferida nas salas de cirurgia e nas vestimentas dos médicos, um descanso aos olhos que suportam horas seguidas de tensão sob fortes luzes. É cor do inseto chamado esperança, um gafanhoto do bem, e do poema de García Lorca, assassinado na Guerra Civil Espanhola durante a ditadura do generalíssimo Francisco Franco: Verde que te quiero verde, verde viento y verdes ramas


Aproveitando de ouvido os versos de Lorca, Cartola escreveu “Verde que te quero rosa”, homenagem à sua escola de samba, a Mangueira: “Verde como o céu azul, a esperança / Branco como a cor da paz ao te encontrar / Rubro como o rosto fica / junto à rosa mais querida” – linda síntese da química perfeita das cores do estandarte dos mangueirenses: o verde da esperança e o rosa, que é o branco da paz abraçando o vermelho do amor.

Obra de Lygia Clark: US$ 4 milhões

O branco é a cor da luz, da pomba da liberdade; da união, posto que mistura perfeita de todas as cores; da castidade, da purificação e dos que professam as religiões afro-brasileiras; é a que mais reflete a luz, sobressaindo ao lado de figuras de formas iguais de outras cores, ilusão de ótica em que uma figura branca parece  maior do que as outras (Gestalt). É a cor apaixonante do anjo de Jorge Ben: “Ela vem toda de branco / toda molhada e despenteada / que maravilha / que coisa linda / que é o meu amor”. Em amálgama, o branco clareia: faz do vermelho rosa, do azul escuro a água-marinha, e até do negro que a noite encobre ele faz o cinza. É o caldo de todos os matizes juntos, mas mesclando-se, a cada um ele clareia.

Amplitude e comprimento de onda

As cores despertam sentimentos e emoções, isto é certo, mas o que teriam elas a ver com os sons? Ora, tudo! (Recomendo Backus: The acoustical foundations of music). A medida de frequência das ondas sonoras em toda a faixa audível se lê de 20 Hz a 20 kHz - de Heinrich Hertz, que comprovou a existência das ondas eletromagnéticas. Abaixo da frequência menor temos o infrassom, e acima da maior o ultrassom - ambos inaudíveis mas de múltiplas utilidades, a exemplo do último, na medicina. O som do ‘Lá’ na afinação de instrumentos é um padrão fixado pelo acordo de Paris em 440 Hz (1936), pouco acima ou abaixo a depender da orquestra, do estilo e, antes disso, da época.


Ondas de rádio

As ondas de rádio vibram acima de nossa faixa audível, entre os 20 kHz (ou mil Hz) e 300 GHz (bilhões de Hz). Quanto mais curtas, mais longe elas vão, mas a frequência das rádios de melhor qualidade de som – e menor alcance - é a FM (modulada), aproximadamente entre 808 MHz a 108 MHz. A física nos ajuda a compreender sons e ondas de rádio, mas o que têm as cores a ver com isso?

Frequências das cores (coluna à direita)

É um capítulo à parte: o vermelho é a cor de frequência mais baixa, a partir de 480 THz (“tera”, do grego, ‘monstro’: um trilhão), e ao violeta, até 790 THz. Acima do violeta, as ondas ultravioletas, invisíveis, danosas aos humanos mas úteis especialmente na esterilização, ainda mais nesses tempos de pandemia. Abaixo da frequência-limite do vermelho, temos o invisível infravermelho, de valor incalculável tanto na medicina fisioterápica quanto nas medições submarinas e de engenharia. Resumindo, temos na natureza frequências de uma enorme gama de valores em Hertz e seus múltiplos: kHz (kilohertz, 1.000 Hz), MHz (megahertz, um milhão de Hertz), GHz (gigahertz, um bilhão), THz (terahertz, um trilhão). E mais: há ainda o petahertz, o exahertz e o zettahertz, mais três zeros cada, chegando a 18 dígitos (10
18)! 

Olavo Bilac

A nós, humanos, foi reservado um espectro bem limitado de sons e cores visíveis e audíveis, ou seja, tudo o que podemos ouvir está entre uma nota Si pouco abaixo de 20 Hz até um Ré sustenido agudo perto de 20 kHz, e as cores que podemos ver de 480 THz a 790 THz. Fora de nossas limitações, frequências nos ajudam a ligar a TV, abrir o portão da garagem, afastar insetos, esterilizar objetos, visualizar o feto, buscar frequências de rádio entre as estrelas e um mundão de coisas que não conhecemos e cujos limites nunca conheceremos (“Ora, direis, ouvir estrelas”, exclamou Bilac). Não somos máquinas, o homem é apenas um mero ex machina de ínfima dimensão. Gilberto Gil avisou, há décadas: “O cérebro eletrônico comanda / manda e desmanda / mas ele não anda / Só eu posso pensar se Deus existe / só eu / Só eu posso chorar quando estou triste / só eu”.

[O mínimo que a eternidade espera de nós é que nos recolhamos à nossa pequenez para que a natureza cumpra sua inexorável missão. Sem magoá-la, protegendo as lindas matas verdejantes, que são a esperança da vida na terra, o neutro e acariciante azul das águas e os infinitos matizes dos animais: invisíveis, camuflados ou berrantes] 

(walpaperflare.com)

 





sexta-feira, 18 de setembro de 2020

NOTAS MUSICAIS SOBRE O NOVO NORMAL

 


Nesses tempos ricos em neologismos, mesmo que alguns sejam verdadeiros ‘chutes’ não providos de conceito maior que os ampare, o ‘novo normal’ é um a ilustrar a nova vida que teremos de soerguer como kit de sobrevivência em tempos de pandemia. Nada tão definido quanto o ancien e o nouveau régime franceses, que têm como divisor de águas a Revolução de 1789; ou mesmo, entre nós, a “República Velha”, da proclamação a 1930 e a “Nova”, que a seguiu.


Refletindo sobre este ‘novo normal’, presumo que seja a vida que levamos hoje, uma existência provisória em isolamento, e, indo além dela, estando ciente de que haverá limitações por um bom tempo, concluí, sem precisar de maiores mergulhos teóricos, que a expressão sintetiza uma radical mudança de costumes, relacionamento e convivência social. Assim, é este o ‘novo normal’ que não nos impõe regras escritas, mas as que nós mesmos nos impomos em defesa da saúde de cada um e do povo como um todo. Desta forma, mudamos todos para esta espécie de nouveau régime sem revolução, transformando-nos para sobreviver – no caso de que tratarei adiante, culturalmente, e em particular, musicalmente.


Tantos músicos vêm buscando seu arroz de cada dia, aliás cada vez mais caro, na prática de aulas particulares on-line, um processo bastante simples que pode ser feito domesticamente por Skype ou via plataformas mais modernas, como o Google Team ou o Microsoft Teams. Em princípio, o investimento é praticamente zero, e assim ensaios e aulas presenciais de riscos bem previsíveis para a saúde pública são evitados.


Com inteligência e criatividade, há quem saiba driblar todas essas dificuldades e até a inevitável perda de qualidade sonora das bugigangas eletrônicas. Há que se inovar? Então em frente! O maestro Abel Rocha (foto), velho conhecido, abriu um flanco riquíssimo introduzindo algo realmente novo no cenário: convidados, oito compositores brasileiros criaram obras especialmente para músicos da Sinfônica de Santo André, uma ideia feliz que suaviza a ressalva perspicaz que fez o jornalista especializado João Marcos Coelho (Estadão, 9/09/20), e que segue adiante.


“Detalhe: não há nada mais constrangedor do que maestros e músicos agradecendo a uma sala totalmente vazia. Nada mais empobrecedor, tedioso mesmo, do que assistir a concertos e recitais com som vagabundo e ‘câmeras-estátuas’, inertes em frente aos músicos”. Realmente, para o instrumentista, é como tocar para ninguém, a frio, sabendo que não há quem o veja, quem o ouça, que sinta e interaja com a sua presença. “Microestreias da Quarentena, programa lançado em maio, é um ovo de Colombo, tamanha a simplicidade”, diz Coelho. À frente de músicos da OSSA, orquestra que faz um ótimo trabalho, Abel Rocha fez a “Microestreia” de obras de Alexandre Guerra, Alexandre Lunsqui, Chico Mello, João Cristal, João Guilherme Ripper, Leonardo Martinelli (foto), Mauricio de Bonis e Neymar Dias.

OSSA

Indo ainda mais longe, um outro projeto de Abel Rocha leva o título sugestivo de “Trilogia Trancafiada”, e consiste em três curtas-metragens de até 8 minutos cada que abordam o próprio fato que a motivou e lhe deu nome: o isolamento social. São três os pequenos blocos dessa trilogia, este tríptico da clausura: Ansiedade, Acolhimento e Adaptação - sendo o último, ainda segundo Coelho e não sem certa poesia, aquele “em que a incerteza quanto ao retorno à normalidade se cristaliza em espera serena”.


Tanto nas “Microestreias” quanto na “Trilogia”, a inevitável perda de qualidade sonora já tão mencionada por mim – e abordada com ênfase pelo jornalista – ficam relativizados em função da importância de novos ingredientes, como as estreias de obras de compositores brasileiros e a incorporação de filmes em vídeo que resultam em takes importantes dessa angústia por que os músicos da Sinfônica passam. A “Trilogia” caminha entre trechos já gravados anteriormente pela orquestra, como a Abertura Festiva, de Guarnieri, no segmento “Ansiedade”, enquanto “
Adaptação” passeia no belo “Episódio Sinfônico” de Ronaldo Miranda, e “Acolhimento” tem como fundo as “barroquices” da “Vivaldiana” de Denise Garcia.


Sim, as inovações do Abel Rocha com os músicos da Sinfônica de Santo André foram um avanço, um largo passo conceitualmente falando. Uma demonstração de criatividade e, especialmente, de vontade, muita vontade, sem a qual sequer haveria música de concerto no Brasil. Sem plateia vazia, sem decepções, a qualidade do som vestindo-se de  comprimária ao papel da música para o público fruir remotamente, da mesma forma que aprendeu a vê-la e compreendê-la  parte de uma nova estética como fosse música de um filme do cinema ou da TV. Mais do que nunca é preciso ousar, criar, fugir da estagnação. É fundamental a “vivacidade” a que o mestre Eleazar de Carvalho se referia, o enfrentar de novos desafios, e nunca nos deixarmos frágeis e inertes diante das ameaças de um vírus letal e uma economia dilacerada.

[Em nada favorece aos artistas a falta de tudo, o desprezo e a inércia em âmbito federal, desde um simples apoio até a oferta de renúncia fiscal para as empresas investirem em cultura, valores insignificantes se comparados com os “penduricalhos” dos três poderes. Aos titulares dos bons cargos públicos, o dolce far niente; talvez, aos olhos da confusa ótica econômica atual, esperem um liberalismo ancien style, para lembrar expressão do início deste texto, em que a cultura se resolva por si mesma. (E se nunca se resolver, ora, tanto faz, dirão)]

sábado, 12 de setembro de 2020

MÁSCARAS

 


Bela marcha carnavalesca com letra de Pereira Matos e música de Zé Keti, “Máscara Negra” alterna um andamento moderado lamentoso em tom menor com a alegria agitada em tom maior: “...a mesma máscara negra / que esconde teu rosto / eu quero matar a saudade” – e emendando, em tempo corrido,  “vou beijar-te agora / não me leve a mal...”.



Nada a ver com este sucesso de todos os carnavais, o “Máscara negra” (Black mask) é um dos vilões arqui-inimigos do Batman, o homem-morcego, que por sua vez é um mascarado que esconde o multimilionário Bruce Wayne nas suas missões como herói de Gotham City.


A máscara do Zorro pouco esconde, além do redor dos olhos, mas a do Homem Aranha é um modelo que encobre até as feições. O também americano Clark Kent é um tímido repórter que ao se transformar, em suas missões heroicas, dispensa o uso de máscara: basta vestir o uniforme azul e tirar os óculos para não ser reconhecido como Super-Homem. E, como todo super-herói quando à paisana, Stanley Ipkiss é um pacato rapaz que se transforma em “O máscara” ao cobrir seu rosto com a peça encontrada no oceano que teria sido de Loki, um deus escandinavo.


Do lado real, nos tempos de Luís XIV, na França, o “Máscara de ferro” foi um misterioso prisioneiro que terminou morto em 1703. Ninguém sabia a identidade daquele preso que usava uma máscara de ferro negro a encobrir-lhe o rosto, razão pela qual sua identidade ainda permanece um mistério - abrindo espaço para especulações, teorias, vários livros e filmes, como The Iron Mask, de 1929, com Douglas Fairbanks no papel principal. A fita é baseada em uma novela de 1850 de Alexandre Dumas, “O visconde de Bragelonne”, da saga de D’Artagnan.


Um ballo in maschera (1859) é o título de uma ópera de Giuseppe Verdi cuja trama alude ao assassinato do rei Gustav III, da Suécia, vítima de uma conspiração em 1792 - ano em que era proclamada a 1ª República Francesa, que já   alimentava movimentos sociais e políticos em todo o mundo. O baile de mascarados é a cena em que os papeis operísticos protagonizam traições, tramas, intrigas palacianas, vinganças, magias. E a morte do rei.      


Há tradições no mundo que certos regimes fundamentalistas muçulmanos impõem, como a burca, supostamente como sendo imposição divina às mulheres, apesar de a veste, que cobre até a abertura dos olhos com uma pequena tela, não estar prevista no livro sagrado, o Corão. Por motivos diversos, incluindo segurança, países como França, Bélgica, Holanda e Itália proibiram o uso até mesmo das que cobrem o corpo inteiro mas deixam os olhos livres.


As máscaras de oxigênio hospitalar foram criadas em 1917 para salvar vidas, ao passo que em 1944, perto do final da Segunda Guerra, Arthur Bulbulian inventou um modelo que levava um pequeno reservatório do gás preso a um tubo. Usadas pelos pilotos de caça americanos para conseguir voar a grandes altitudes, possibilitou ataques incisivos, cirúrgicos e mais eficientes.


Máscaras lindamente decoradas podem ser vistas no Carnaval de Veneza (foto), surgido no século 12 e similar ao que acontece anualmente no Brasil. Cores, prateados e dourados em profusão embelezam os participantes em um desfile riquíssimo de fantasias, com ao menos oito tipos principais de máscaras e seus personagens. Sem a alegria dessas, muito simples e tristes são as máscaras mortuárias, feitas em gesso, argila ou cera, um costume cuja origem remonta ao Egito dos faraós, quando era usada para lembrar as feições dos mortos que iam ser mumificados.


Vi a máscara fúnebre de Beethoven em um museu (foto), mas para minha decepção o gênio de Bonn não tinha aquela beleza que pintam nos quadros ou se vê frequentemente nos pequenos bustos do compositor sobre o piano: não era aquela beleza de galã. Já a chamada “máscara de olhos abertos”, para pessoas vivas, foi inventada em 1958 pelo cirurgião-dentista brasileiro Ernesto Ferreira de Morais como fôrma para modelar trabalhos artísticos. As máscaras de embelezamento (beauty masks), que deixam a pele feminina mais limpa e macia, vem a surgir como tratamento estético uma década depois.    


O ser humano convive com máscaras há pelo menos 5.000 anos. Seja por motivos religiosos, de festas e folguedos, guerra ou paz, de embelezamento e vaidade, seja como peça fundamental da indumentária dos heróis de ficção; outras servem à memória dos defuntos ou dos vivos, para salvar e até matar. Mas há as máscaras que preservam, protegem, servem de escudo contra ataques e males.


Hoje, mais do que nunca, a principal delas serve para evitar o contágio por vírus nesta pandemia avassaladora, que tem potencial para destruir e matar de forma, se não a pior, ao menos diferente de tudo o que já se viu. Usar máscara por completo, e não no queixo ou com o nariz a descoberto, não serve apenas, pensando egoisticamente, à proteção individual enquanto perdurar a contaminação maciça e suas nefastas consequências. Deve-se usar principalmente em nome da saúde do próximo, dos que com ele estão e estarão, e de todos os que com esses últimos tiverem contato e assim por diante, uma espécie de corrente que não gera um só centavo mas tem  custado muitas vidas ante um mal de tentáculos multiplicáveis.


É urgente que haja estímulo ao uso de máscaras por parte de todos os formadores de opinião, imbuídos do mais profundo sentimento humanitário. E os que não as usam e até, pelo contrário, estimulam, sendo autoridades, a abstenção do hábito, que ponham as mãos nas suas consciências para sentir o peso de suas atitudes.