James Tissot: A fuga dos prisioneiros judeus da Babilônia |
“Os anjos e os arcanjos, querubins e serafins, não O
cessam de louvar, dizendo em uma só voz: Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus
do universo. O Céu e A Terra estão cheios de Vossa glória. Hosana nas alturas”.
Muitos devem conhecer ou ter recitado o texto acima, mesmo sem entender quem são
alguns dos nomes. Pois anjos, arcanjos, querubins e serafins são todos
entidades divinas, e a louvação que encima este parágrafo dispõe diversas
ordens hierárquicas (sim, os anjos também têm hierarquia!). Os nomes dessas
ordens de anjos teriam sido trazidos pelos judeus que ficaram cativos na
Babilônia (598 a 538 a.C.), sendo que no mais alto grau dessa hierarquia ficam
os arcanjos. Os serafins seriam os espíritos celestiais da primeira ordem,
enquanto os querubins estariam na segunda.
Anjos do Aleijadinho |
As imagens
de anjos como criancinhas – às vezes, tocando liras ou trombetas - surgem com o
grande pintor do Renascimento Rafael Sanzio (1483-1520) e chegam ao nosso Aleijadinho (1730 ou 1738 a 1814),
ouro-pretense que decorou com suas figuras angelicais infantis muitas igrejas
da Minas barroca.
Arcanjo Gabriel e Maria, em óleo de Fra Angelico (séc. 15) |
Os arcanjos
(do grego arkhos, principal, e aggelos, mensageiro) são a oitava e mais
alta hierarquia celestial. Do judaísmo ao protestantismo, passando pelos
católicos e ortodoxos, os arcanjos estão presentes, com diferenças pontuais. Os
arcanjos seriam Gabriel, o mensageiro que anunciou a Maria a vinda de Cristo
pelo seu bendito ventre (Lucas, 1:26); Rafael, do poder da cura divina (Tobias,
3:17); Uriel (Esdras II), o instrutor do profeta Ezra que porta espada e chama,
a luz divina; Miguel (do hebraico ‘tal qual Deus’), que atacou Satã e os anjos
do mal (Livro de Daniel e Apocalipse, 12:7-9, e entre os islamitas) e Salatiel,
o arcanjo da intercessão divina (Esdras III, 5:16). Por fim, Jegudiel (apenas
entre os ortodoxos) representa a glória divina e Jeremiel (Esdras II ou IV) é o
que exalta Deus e sua bênção.
Drummond, o "gauche de Itabira" (estátua em Ipanema, Rio) |
Carlos
Drummond, em seu ‘Poema de Sete Faces’ (1964), descreveu sua desventura com um
anjo: “Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra / disse: vai,
Carlos, ser gauche na vida” (N. do A.: pronuncia-se ‘gôch’). Gauche é uma
pessoa tímida, retraída, talvez destinada a ser ‘errada’, atrapalhada como o
querubim do Chico Buarque, em ‘Até o Fim’ (1978): “Quando eu nasci veio um anjo
safado / o chato do querubim / e decretou que eu estava predestinado / a ser
errado assim ...” . Oito anos depois de Chico e vinte e dois depois de Drummond (1986),
em ‘Bagagem’, a poetisa Adélia Prado contou a versão de seu anjo com um toque
feminista: “Quando nasci um anjo esbelto / desses que tocam trombeta, anunciou:
/ vai carregar bandeira. / Cargo muito pesado pra mulher / essa espécie ainda
envergonhada”.
Os temíveis Hells Angels |
Os Hells
Angels (nome do clube de motociclistas Hells Angels Motorcicle Club, HAMC)
começaram a se organizar no final dos anos 1940, na Califórnia, e até hoje são
considerados uma organização perigosa pela Justiça americana por sua associação
a crimes como roubos, pancadarias, assassinatos, tráfico e exploração do lenocínio.
Distinguem-se por andarem sempre em bandos, com suas jaquetas de couro com o
dístico ‘Hells Angels’ ornando em semicírculo suas costas.
Armamentos de gangue de Hells Angels apreendidos pela polícia de Los Angeles |
Roncam suas
supermotos, as possantes Harley Davidson, símbolos de seu poder, sempre em alta
velocidade. A chegada de um grupo de ‘Hells’ a qualquer lugar dos EUA é motivo
para preocupação da polícia, do comércio e população locais, porque os bandos estão
sempre associados ao que há de pior. Mas o charme (gauche!) de suas jaquetas de
couro tornou-se grife entre os motociclistas das classes média e rica de todos
os países, incluindo o Brasil. Uma jaqueta dos Hells é luxo só, e atinge preços
altíssimos, se original mesmo surrada (uma cópia barata custa na faixa de 100
dólares). O nome Hells Angels evoca os anjos do Inferno, seguidores de Lúcifer, bem
distantes dos benditos arcanjos.
Guardian Angels de Londres |
Já os
Guardian Angels (Anjos da Guarda) são uma organização voluntária internacional
que tem mais de 130 grupos pelo mundo. Criada em 1979, em Nova Iorque, por
Curtis Sliwa, ao contrário dos Hells Angels, são pela paz, e partiram de um
movimento de jovens para combater a violência, assaltos e depredação dos metrôs
nova-iorquinos por perigosas gangues. Apesar de realizarem apreensões e prisões
sem terem poder de polícia, os Guardian Angels tiveram apoio - se não oficial,
ao menos dos discretos olhos fechados - dos dois últimos prefeitos da metrópole
americana, o inovador Rudolph Giuliani e Michael Bloomberg, que capitalizaram os
resultados dessas milícias nas contabilidades da chamada ‘tolerância zero’
nova-iorquina contra o crime. Grupos de ‘Angels’ chegaram a receber treinamento
tático não oficial das polícias de NY e Chicago, e para passarem uma imagem de
bons meninos, passaram a promover ações sociais e culturais comunitárias.
Alban Berg
compôs um belíssimo Concerto para Violino, ‘À Memória de um Anjo’ (1935), em
homenagem a Manon Gropius (filha do grande arquiteto alemão Walter Gropius e
Alma, ex-esposa do compositor Gustav Mahler), adolescente vitimada pela
poliomielite. Pois anjos são as crianças que nascem com o coração mais puro,
castidade que começam a perder durante da vida cotidiana, à medida que crescem.
Anjos são também alguns poucos adultos e idosos, por sua bondade, amor ao
próximo, à justiça e à paz. E, antes de todos esses, anjos são os nascituros que
deixam a vida pouco antes ou logo após nascerem, mas plantam com seu curto
sopro de vida mais uma semente para os que ficam.
Rafaello Sanzio (Putti): querubins (1512-1513) |
SOMBRAS
ResponderExcluirNo alcantil das torrentes nebulosas,
Espelhadas nas sombras sepulcrais...
Estrugiam os tambores nas gerais,
Nas correntes de mentes pavorosas.
Nessa esgrima afiada e dolorosa...
Nas sangrentas batalhas infernais...
Espalhadas co'as brumas nesse cais,
Mergulhando nas ondas rebordosas.
No estertor da assombrosa madrugada,
A chibata enviesava nos grilhões...
Com vinagre e com água mui salgada.
No sinistro horizonte — nos porões...
Os barões mergulhavam na congada,
Pras volúpias e amargas solidões!
Pacco
Esdrúxula Fantasia
ResponderExcluirDevo estar louco na harmonia sinerética...
Co’a apogiatura breve em semibreves tratos,
Num fósmeo ardente arpejo e em longos pizzicatos,
Na arcada airosa... nu’a melisma mui poética.
No arroubo, enquanto escrevo u’a melodia sistética,
Nu’a flébil insensatez... num infindo inócuo ato...
Foi quando me enfronhei a perscrutar os fatos:
Tão parvo era um ignóbil a esculhambar a estética!
Deus meu: dai-me destreza ou um arioso canto,
Para qu’eu ponha Jazz na Esdrúxula Fantasia —
Que faz chorar minh’alma — esse loquaz d’espanto,
Tão mórbido e belicoso e sem nenhuma harmonia...
‘Stou pronto a improvisar para enlutar meu pranto,
Que outrora assim sonhei — voejar nu’a Sinfonia!
Pacco