Nós
já falamos aqui de Richard Wagner (1813-1883). Polêmico, fazia propaganda
aberta do antissemitismo, do racismo, do vegetarianismo, do budismo e outros
tantos ‘ismos’ ocidentais e orientais. Foi endeusado por muitos e execrado por
outros. Ligou-se a alguns revolucionários, como o anarquista Bakunin, mas acima
de sua posição ideológica complicada, ninguém pode negar que
Tristão
e Isolda foi um verdadeiro estopim para quase tudo o que aconteceu na música do
século 20. Wagner chacoalhou e subverteu o conceito de tonalidade, que já fraquejava,
fora do tempo, verdadeira revolução que tomara conta da filosofia, da política,
dos costumes e de todas as manifestações artísticas.
Zubin Mehta |
A
comunidade judaica já amargava, há um bom tempo, o abraço do compositor às
ideias antissemitas, a um ponto em que Hitler, nascido seis anos após a morte
de Wagner, logo viria a escancarar sua admiração pelo compositor e outros
antissemitas. Mas nem todos compactuam com esses pontos de vista beligerantes.
Há uns bons anos, o maestro indiano Zubin Mehta, convidado a reger a
Filarmônica de Israel, resolveu preparar com sua orquestra algumas obras
wagnerianas, causando uma controvérsia que agitou o mundo judaico. A polêmica
tomou páginas de todos os jornais do mundo. Após a Segunda Guerra, Yehudi
Menuhin apresentou-se várias vezes pela Cruz Vermelha em Jerusalém. Repertório:
compositores germânicos. Depois de Zubin Mehta, em 1989, e logo após a queda do
Muro de Berlim, Menuhin apresentou-se com a Staatskapelle do antigo lado
oriental.
Retornando
a Wagner, ainda em vida o compositor já havia reacendido a polêmica, não se
sabe se por capricho ou penitência, convidando o regente judeu Hermann Levi
para conduzir a estreia de sua ópera Parsifal. Bastante menos flexível do que
seu compositor predileto, mais adiante Hitler ordenou ao temido Goebbles que
evitasse que Erich Kleiber, diretor da Ópera de Viena – ‘aquele judeu’, como
dizia – regesse Wagner. Entusiasta da ‘obra de arte total’, em 1933 Hitler
contratou o jovem arquiteto Albert Speer para que concebesse a cenografia
impecável de flâmulas, refletores, e bandeiras que haveriam de se tornar símbolos
do grande poderio nazista. Speer foi um dos pioneiros do marketing cenográfico político,
cedendo aos caprichos do ditador, que vislumbrava aquela coisa suntuosa,
monumental, digna do Império Romano e palco de sua ópera wagneriana pessoal.
Hans Von Büllow |
Wagner
foi um gênio especialmente complicado. Embebido no ódio antissemita, foi um crítico
impiedoso de Mendelssohn. Wagner separou-se para se unir à jovem Cosima Liszt, que
era casada com o grande regente Hans Von Büllow, que ironicamente havia regido
algumas de suas óperas. A arte segue a vida: em O Navio Fantasma, Senta busca
fugir com o holandês; em Tannhäuser, Isabel passa por drama semelhante; com Marcos, Isolda e Tristão , acontecem loucuras parecidas. Essas loucuras estão por todo lado, a perder de vista. Os céus devem ter
estremecido diante da traição e promiscuidade entre deuses, heróis, amantes e mitos.
Preconceitos
persistem no presente: nos anos 1980, Vanessa Redgrave foi impedida pelo board of trustees do Symphony Hall de
Boston – algo como os antigos ‘Patronos’ do Teatro Municipal de São Paulo – de
ser narradora em um evento com a orquestra. Motivo: a atriz havia concedido
entrevista declarando-se simpática à causa palestina.
Giuseppe Verdi |
Deixando
de lado os conflitos de ordem racial ou religiosa dos tempos recentes, voltemos
a 1813, do nascimento de Wagner. Naquele mesmo ano, veio ao mundo o italiano
Giuseppe Verdi, nascido em uma família de comerciantes. Cedo, aprendeu a
manobrar o órgão, e, não muito tempo depois, já substituía o velho organista da
Igreja de Roncole. No início, compunha, mas não teve orientação de um
professor. Mandado a Milão, ironias da vida, não conseguiu entrar no famoso
conservatório. Estudioso e com muito talento, logo Verdi passou a colecionar
elogios do meio musical. Um empresário do La Scala, vendo nele um investimento,
encomendou-lhe uma ópera. Verdi debruçou-se sobre a partitura de Um Dia de
Reinado: sonhava largar a provinciana Parma com a mulher, Margherita, e duas
crianças. A estreia redundou em um tremendo desastre.
Merelli, empresário do La
Scala, convenceu seu protegido a escrever mais um título, nascendo assim Nabucco,
que compensou com estrondoso sucesso o fracasso anterior. O coro dos hebreus
escravizados va pensiero, sull’alle
dorate (vá, pensamento, sobre asas douradas) é quase um hino da Itália, e significou
também sua libertação. Na época, a Áustria dominava o país e a disputa, além
daquela musical, era a ferro e fogo.
Os
italianos se identificaram com o povo Hebreu de que falava Nabucco, e Verdi se
aproveitou daquele momento político para impor-se como trunfo e glória
italianos. O nome do compositor chegou a virar uma espécie de acróstico, ‘Viva V.E.R.D.I’
(Vittorio Emmanuel, Re D’Italia).
Famoso, lançou-se na política, conseguiu eleger-se deputado e logo depois
senador! A música seduz e envolve, mas o poder inebria e, como disse Henry Kissinger
muitos anos depois, é afrodisíaco. (Abaixo, o emocionante coro va pensiero, em um inusitado protesto contra os desmandos de Berlusconi, por Ricardo Muti e o coro da Ópera de Roma)