Talvez você já tenha hesitado ao passar
sob uma escada no caminho. Se foi adiante, talvez de maneira desafiadora, provou
que não teme. Talvez possa ter desviado, relembrando o pero que las hay, las
hay dos mexicanos, sobre as bruxas (‘eu não creio, mas que elas existem,
existem’). Sei de dois casos de morte de pintores de paredes que caíram da
escada, um deles conhecido meu, e, por falta de capacete e cinto, e culpa do
dono do imóvel ou da empresa, foram vitimados por fratura no crânio e cervical.
Meu medo vem da lembrança de que a escada pode cair com pintor e tudo, mas se ela
for de boa qualidade com cinto de segurança – e sem o pintor - eu passo. O
grande historiador Câmara Cascudo (1898-1986) credita essa superstição à imagem
da ascensão social de quem está na escada, daí quem passar por baixo estará se
rebaixando sob quem vence na vida (Dicionário de Folclore Brasileiro). Mas e se
o homem da escada estiver descendo, pergunto? Evita-se, em todo caso, quem
sabe, pois ‘burro velho não perde a mania’, reza o ditado popular.
Gatuno ligeiro de passos suaves! |
Já a crendice de que gato preto traz
má sorte vem dos tempos medievais, pois ele seria uma espécie de reencarnação das
bruxas queimadas em praça pública, por isso o estigma do azar. Mas o bichano
é lindo, quem tem não larga. Olhos claros enormes, pelo negro reluzente, lindo
que ele só. E não me chame gato algum de sujo, só porque ele odeia água: lava-se
boa parte do tempo com sua língua áspera, deixando a pelugem lisa, brilhosa, livre
dos fios soltos e boa de se acariciar. A limpeza do bichano nada a ver com o
que os humanos chamam de ‘banho de gato’, meia-boca, para sair correndo ou por preguiça
mesmo.
O porco não tem a mesma fama de
limpo, apesar de por vezes não viver na lama, chafurdando-se na pocilga: uns dormem
dentro de casa e até na mesma cama de seu dono ou dona, nada tão raro nos EUA.
E quando a porca torce o rabo? Se há alguma briga na vara, o jeito de pará-los
é pegar o mais atrevido – dizem que a porca - pelo rabicó e torce-lo até que a contenda
chegue ao fim. Há quem fira a dignidade do bicho, menosprezando-o com a comparação:
‘homem é igual porco, só se descobre o valor depois de morto’.
Outra: a origem
do termo ‘chico’ para designar o animal vem dos portugueses, que por isso mesmo
deram ao lugar onde esses bichos vivem o nome de chiqueiro. Há os tipos criados
em ambientes limpíssimos para reprodução ou abate, mas tanto quanto anêmicos e róseos,
daí no caso não se dever chamar o criadouro de chiqueiro. Alojamento, talvez?
Já o cão, melhor amigo do homem, tem
lá seus poderes e magias particulares. Quando o animal uiva, deve-se dizer ‘todo
o agouro pro seu couro’, e o animal se calará. Ao cruzar com um cão na rua, se
você tiver medo de um ataque é infalível dizer ‘São Roque, São Roque, São
Roque’. (Nunca experimentei, e pelo sim, pelo não, evitaria fazê-lo com conhecidas
raças violentas). Quem deixou o cão em segundo lugar foi o ‘poetinha’, Vinícius
de Moraes. Certa vez, já meio embriagado, disse em uma roda de bar que ‘o
uísque é o melhor amigo do homem’, no que foi prontamente corrigido: ‘poeta, o
melhor amigo é o cão!’, aparte treplicado de imediato por Vinicius: ‘então o
uísque é o cão engarrafado!’.
Sobre elementos minerais, segundo Câmara
Cascudo, diz-se que, misturado à areia, sal com pedaços de unha, roupa ou cabelo é feitiço brabo se espalhado sobre
a pegada de uma pessoa - coisa que somente a água do mar, poderoso elemento
salgado, pode dissolver. O sal desfaz feitiços e pecados, ideia que vem de
muito longe e foi incorporada ao batismo da Igreja Católica, talvez devendo a costumes
orientais muito antigos, quando o empregavam para afastar coisa ruim.
O sal possui inúmeras virtudes, como
tempero, cicatrizante de feridas e conservante de carnes e peixes – que seriam da carne
seca e do bacalhau sem ele? E tem seu lado do bem muito preservado, pois que tira
mau agouro e olho grande se passado na cabeça durante o banho, e expulsa os
maus espíritos se colocado em uma tigela atrás da porta, fora inúmeras outras utilidades.
Escravos de engenho (Debret) |
Conhecida é a crença ‘manga com leite
mata’. Os senhores de engenho cultivavam mangueiras nas propriedades, pois os
frutos serviam de alimento para os escravos, não custavam nada e cresciam às
pencas. Já o leite era a conta certa da ordenha da manhã, tinha vida curta e destinava-se
ao desjejum exclusivo da família. Como os escravos, esfomeados, metiam seus canecos
nos baldes de leite, os capatazes foram incumbidos de comentar junto aos
cativos que havia gente que tomava leite e comia manga morrendo nos engenhos
das cercanias. Os negros ficavam com as mangas e a caça eventual, e para beber apenas
a água dos riachos. Mas a mentira pegou e é crendice de muitos até os dias de
hoje, tempos em que os mais espertos saboreiam deliciosos sorvetes, sucos, milkshakes ou batidas de manga – feitos
da fruta com leite ou seu creme. (Cont.)
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