Tendo sido diretor do Conservatório por dez anos, hoje observo alguns desentendimentos ou mal-entendidos sob ótica privilegiada. Achei por bem opinar pela primeira vez após três anos e meio, pois vejo um cenário ainda obscuro. Durante 30 anos dirigi três das melhores escolas de música do país: a Municipal de São Paulo, a Cantareira (superior) e o Conservatório de Tatuí. Considero-me apto a opinar.
Fala-se em certo contraponto a um ensino “antiquado” em Tatuí (pano de fundo para a cena financeira, como veremos), e exclusivamente da música, só ela. No meu artigo (Modernidade e Eternidade) da semana passada do jornal O Progresso abordei, entre diversas coisas, a ‘modernidade’ em arte, fechando o texto com Drummond: “E como ficou chato ser moderno, agora quero ser eterno”.
Lecionei em Tatuí entre 1984 e 1987, duas vezes por semana, daí conhecer o Conservatório razoavelmente bem antes de assumir a direção, em 2008. Em algumas das melhores orquestras do mundo alunos tocam junto com seus professores, a exemplo da Sinfônica de Praga e da Filarmônica de Berlim. Nas melhores daquelas escolas, dado o altíssimo nível dos alunos, há orquestras de estudantes que são ainda superiores a muitas profissionais. Prescindem do trabalho com os professores, sistema que encontrei no Conservatório, sua marca d’água.
Aqui, alunos ensaiam e se apresentam ao lado de professores, trabalham o repertório mais difícil, com solos e passagens intricadas, preparam repertório – por exemplo, sinfonias de Brahms, Beethoven e Mahler. Na capital há várias orquestras onde alunos adiantados podem ter essa prática, incluindo grupos já profissionais, do Centro à Grande São Paulo. Sendo Tatuí uma cidade cem vezes menor (apenas 1% da população da capital!), não há outra opção para esse aprendizado. Em certo momento, o aluno adiantado enfrentará as opções de mudar-se para São Paulo, permanecer amador ou desistir.
New England: Jordan Hall
(Minha formação se deu no Rio e nos EUA, um ano na
Berklee e, depois, com bolsa de uma das ‘três grandes’, New England, bacharelei-me.
Em 2009, convidado pelo “International Visitors Leadership Program” do US Dept.
of State, estive em 27 instituições de música americanas conhecendo seus diretores,
currículos, alunos e estruturas. Não me falta experiência para saber o que é
‘moderno’, senão os tradicionais sistemas de ensino do mundo.)
Reunião na Secec (divulgação)
Voltando a Tatuí, com entreveros políticos evitáveis
e pontos de vista divergentes – explícitos ou não – entre a Secretaria de
Cultura (Secec), a Sustenidos, OS que gere o Conservatório, professores, muito veladamente,
e alunos, nada contribui para um ambiente saudável – como bem ilustra a recente
entrevista do maestro da Sinfônica, Edson Beltrami, demitido no dia 1º. Em
reunião na Secec com o prefeito de Tatuí, Prof. Miguel, e o presidente da
Câmara Municipal, Antonio Marcos (O Progresso de 5/12, pág. 6), o titular da
Cultura, Sá Leitão, propôs que fosse criado um Conselho Curador local, mas a
diretora da OS mostrou-se refratária à ideia. Talvez a assista certa razão,
porque a Sustenidos já tem um Conselho Consultivo, um Conselho Fiscal e um Conselho
Administrativo, além da Assembleia Geral, esta última com plenos poderes para
até demitir diretores!
Direção e órgãos colegiados do Conservatório funcionam em São Paulo, e a lei das OS, 846/98, não menciona a modalidade ‘Conselho Curador’. Portanto, ausentes as prerrogativas, a que serviria em Tatuí esse novo órgão sem respaldo de qualquer diploma legal, se a Sustenidos já tem quatro colegiados em SP? E mais: o corpo diretivo da OS propõe 75% do tempo de trabalho para o Guri e 25% para Tatuí (pág. 105 da PTO). Não fosse só isso, a mesma OS ainda assumiu o Theatro Municipal de São Paulo, organismo enorme, complexo e turbulento que conhecemos bem.
Na reunião, a Secec informou que há 2.174 alunos em Tatuí (pág. 6 do jornal), mas a Proposta Técnica e Orçamentária da OS gestora prevê um número bastante inferior (pág. 23): 1.700 estudantes, incluindo os do Polo de São José do Rio Pardo; por conseguinte, a cota discente de Tatuí ficaria em cerca de 1.400. A proposta da OS é explícita (pág. 24 da PTO): “redução das 496 vagas”.
A Proposta também deixa claro o viés financeiro de tais reduções: “...percebemos que não há outra forma de equilibrar receitas e despesas a não ser realizar o ajuste sugerido”. Isto nos leva ao projeto do governo (663/21) para a Lei do Orçamento Anual (LOA) 2022, em tramitação na ALESP. O montante proposto pelo governador para o Conservatório, de R$ 26.599.037,00, será submetido à votação plenária após 23.810 (grifo) propostas genéricas de emendas parlamentares. Há outras formas de ‘engordar’ o orçamento, mesmo que seja aprovado o valor proposto, além de alguma emenda à LOA: o Crédito Suplementar - transferência entre secretarias por ato do governador -, ou internamente à Secec, este em valores diminutos haja vista o baixo orçamento da pasta. Mesmo aprovados os 26,6 mi propostos, o orçamento ainda ficará muito aquém da LOA de 2008, ano em que aqui cheguei: R$ 22,25 milhões nominais - que, corrigidos pelo IPCA até janeiro de 2021, equivaleriam hoje a R$ 45,40 mi; somando-se a inflação deste ano, acima de 10%, chega-se a 50 milhões, quase o dobro!
Ao leitor pode parecer um tanto confuso, e mesmo eu, com toda a minha experiência, ainda tenho dúvidas sobre as perspectivas que só o futuro poderá dirimir. Ah, um aviso: aposentado pelo INSS e pelo estado, não almejo cargo algum em órgão qualquer, nem sou candidato a nada.
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