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sexta-feira, 15 de abril de 2022

EM BUSCA DO DIALETO PERDIDO

 

"viuvinha"

Recentemente,
a Drª Lívia Carolina Baenas Barizon publicou um trabalho, objeto de matéria no Jornal da USP intitulada “Dialeto caipira do interior paulista está caindo em desuso, aponta pesquisa” (01/04/2022). Diz o artigo que “estudo mostrou convergência semântica” do modo de falar dos interioranos com o galego, e ressaltou que, especialmente entre os jovens e as mulheres, há uma tendência de queda no uso desses ‘dialetos’ típicos das cidades e campos do interior paulista (há um “Atlas linguístico galego”, disponível online). Na região do rio Tietê – antigo rio Anhembi -, há curiosidades semânticas saborosas, como “viuvinha”, para o terçol no olho, e “os quartos”, para os quadris femininos.

(turis.com.br)

Genericamente falando
, o aipim – em tupi, ‘o que brota do fundo’ -, como é conhecido em muitas regiões, também surge com os nomes de mandioca (às vezes acompanhada das palavras ‘doce’ ou mansa’), macaxeira, macaxera, macachera ou maquaxeira, desde a ‘descoberta’ do aipim tupi, em 1.576, até a consolidação das variantes, c. 1.777. A pesquisadora aponta as correspondências do vocabulário caipira com o léxico galego, oeste da península Ibérica (Portugal e Galiza). Lembra as catequeses e tropeiros, e ressalta que a água do rio Tietê corre para dentro do continente, o que colaborou para o estabelecimento do idioma português e, depois, do linguajar caipira, já no princípio do século 18. O Tietê deságua no rio Paraná, junto ao Mato Grosso, dando rumo aos bandeirantes que saíam da capital não apenas para desbravar, como dizem os livros de história, mas para levar consigo ouro e gemas preciosas.


Em algumas cidades
, preserva-se com carinho o dialeto local, e cada vez mais só entre os idosos. Uma divertida publicação de Cecílio Elias Netto, “Dicionário do dialeto caipiracicabano - Tarco, arco, verva” (‘talco, álcool, velva’, de ‘água velva’), já na sexta edição, lista quase 1.500 verbetes do rico vocabulário da região. Orgulham-se de sua cultura a ponto de o decreto municipal nº 16.766 declarar dialeto e sotaque locais “patrimônio histórico e cultural imaterial” da cidade. Foi o escritor Thales de Andrade quem criou o gentílico “caipiracicabano”, natural da terra do bom cururu (improviso cantado por duplas com viola). Falando na cidade, cabe lembrar que a atriz Luana Piovani, filha “pé vermeio” da terra, disse ter tomado aulas de “carioquês” para poder atuar em novelas da TV. Com um forte sotaque “paulistês”, não daria para representar uma carioca, 9 entre 10 personagens da telinha; as raras tramas com dialetos e sotaques nordestinos ficam por conta das poucas gravadas na Bahia ou no Nordeste, em geral, e soam geralmente forçados.


Sobre o dialeto caipiracicabano
, prefaciou o professor e ex-reitor da Unicamp, linguista e poeta Carlos Vogt: “O que parece simplesmente pitoresco, hílare ou até mesmo chulo, dependendo da óptica de quem o leia, na prática remete a um outro tempo, daqueles que povoaram esta região, a outra compreensão da vida, a uma outra forma de amar, de trabalhar, de explicar o que ocorria à sua volta”. Essa prática dos tempos de antanho de que fala Vogt pode ser ouvida em outras cidades da região, como Tatuí, Cesário, Cerquilho, Iperó, Salto, Tietê e várias outras. É essa fundamentalmente a cultura enraizada na região, abraçada a manifestações típicas como o cururu, a catira e a moda de viola.

Filme "Apertem os cintos"

Ricas diferenças
acontecem com palavras como mexerica, pixirica ou simplesmente tangerina. Variam conforme regiões e estados do país, e são parte do imenso vocabulário da língua portuguesa brasileira. Entre estados, só para falar em São Paulo e Rio, há o dialeto italiano do bairro do Bixiga, na capital paulista, e o frequente “adevogado”, sem o “d” mudo; há o jeito carioquês de falar “tisôra” e “sufá”, por exemplo, e em Minas há um dialeto mais taquigráfico, que encurta palavras: “as menin trusseros convits da fes?”


Não é prerrogativa brasileira
, claro. Meu netinho inglês aos 5 já corrigia o sotaque americano da mãe: “no, mum, it’s not uórer, it’s uôter”, carregando no modo britânico de falar water, água. Quando as treze colônias foram estabelecidas nos EUA pelos ingleses, tinham suas culturas próprias, que resistem até hoje: conversas em Manhattan (NY) ou no interior da Virginia, no sul, soam bastante diferentes. Há dialetos como o jive” da comunidade negra das grandes cidades, principalmente onde acontecem o jazz, o rap, o hip-hop, e muito pouco compreensível para quem vem de fora. (No filme “Apertem os cintos, o piloto sumiu”, de 1980, duas freirinhas passam entre as filas de poltronas em um voo quando, por alguma razão, uma delas tem de responder a um cidadão sentado, típico da contracultura negra nova-iorquina. Sem entender nada, uma pergunta à outra: você fala jive? A colega de batina passou a traduzir a conversa).

(Jornal Arte 3)

Há dialetos próprios
de quem quer camuflar uma conversa, como o do PCC, os das comunidades de drogados, os dos indígenas já meio aculturados, e há os dos ‘smartphones’, da taquigrafia digital do Telegram, Tik Tok, Zap e outros - por economia de tempo, preguiça ou ignorância. Mas é uma tristeza vermos expressões caipiras, entre outras, sucumbirem ao idioma “correto” da TV. Como constatou a Drª Barizon, os homens idosos são menos afetados pela mídia nessa homogeneização – ou pasteurização - idiomática. As diferenças revigoram a cultura brasileira, e é bom respeitá-las, pelo bem da riqueza nacional.

Deschaveia a boca, xé, dá pra assuntar pra mais de metro!

 

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