Sir Edward Elgar |
ENTRE O URSINHO PADDINGTON E O AFFAIRE BORIS JOHNSON
Sir Edward Elgar, compositor inglês, escreveu quatro marchas militares entre 1901 e 1907, e outra em 1933, um ano antes de falecer; uma sexta foi criada postumamente a partir de rascunhos do autor. Na partitura da primeira, Elgar cita A Marcha da Glória, um poema de Lord De Tabley, que o inspirou: “Como uma música plena de orgulho que arrasta os homens para a morte / loucamente, sobre as lanças em êxtase marcial / Na medida em que traz o céu em suas veias / e ferro em suas mãos / Eu ouço a marcha da Nação...” Deu-lhes o título Pompa e Circunstância, para serem executadas em ocasiões solenes, na exaltação ao povo britânico, ao seu destemor, e, claro, à grande pompa da realeza, e costuma ser tocada em concertos pelo mundo todo.
Salva da Torre de Londres |
De 2 a 5 de junho, com pompa e circunstância, a Grã-Bretanha celebrou o Jubileu de Platina, 70 anos da consagração de Elizabeth Alexandra Mary Windsor, entronizada Rainha Elizabeth II em 1952, o mais longo reinado da história. Mais do que os tradicionais 42 disparos de quando a família real é saudada oficialmente na sacada do Palácio de Buckingham, há salvas para ocasiões especiais - como o aniversário da Rainha, por exemplo. Na festa do Jubileu foram 20 disparos a partir do Hyde Park, porque é um parque nacional, e 62 da Torre de Londres, já que é uma fortaleza do reino, totalizando 82 tiros! (Tudo é tradição, tudo são símbolos no país). O povo entusiasmou-se, mesmo que a Rainha tenha fraquejado no segundo dos quatro dias de celebração e alegria – ela tem 96 anos! Mas a despeito das anedotas sobre a longevidade da monarca, não foi à toa a presença incólume do príncipe Charles sobressaindo-se na sacada do Palácio. Herdeiro do Trono, postou-se com o garbo e a seriedade que o momento exigia. Incontáveis tambores, sobrevoos de jatos da RAF ora enfaixando o céu com fumaças das cores da bandeira inglesa – azul, branca e vermelha -, ora formando um perfeito número 70 entre as nuvens, acima dos fogos de artifício, perfeita ocasião para júbilo.
O chá com Paddington Bear |
O tabloide sensacionalista The Sun, cujo tema predileto são mexericos e fofocas sobre a família real, autoridades e artistas famosos, dedicou à ocasião uma cândida filmagem em vídeo, urdida e feita em segredo com a própria Rainha. O Paddington Bear (um ursinho de filmes infantis criado em 1958), tendo à frente a anfitriã, Sua Majestade, aparece tomando chá em um aposento real. Entre gestos desastrosos e desequilibrados com o bule de chá, o ursinho bebeu pelo bico e ouviu da Rainha um suave “never mind” (“não importa”). Ela abriu sua bolsa e retirou um sanduíche para compensar a malograda cerimônia do chá, o mesmo fazendo o ursinho com seu lanche. As portas que davam para a sacada se abriram e viu-se um contingente enorme de soldados em gala vermelha rufando tambores, para encerrar o vídeo galantemente oferecido pelo The Sun e Sua Majestade.
O Partygate |
Houve, no entanto, quem superasse o ursinho Paddington em atitudes desastradas. Boris Johnson, ungido primeiro ministro pela Rainha em julho de 2019, resolveu dar uma animada festinha (depois apelidada Partygate) no dia 16 de abril de 2021 em sua residência oficial, 10 Downing Street, durante o severo lockdown contra a Covid e, pecado dos pecados, na véspera do funeral do príncipe Philip, duque de Edinburgh, esposo da Rainha. Vazaram fotos e vídeos, e o que era para ser um íntimo e secreto convescote transformou-se em escândalo. O jornal Daily Telegraph, que deu o “furo”, disse que a turma de Downing Street bebeu, dançou, “fez o social”, e que, pelas altas horas, um serviçal foi despachado com uma maleta para um supermercado próximo a fim de comprar mais booze (“manguaça”, em gíria nossa).
The House of Lords |
A imprensa só falou – e ainda fala – em PM (Prime Minister), nº 10, BJ, Tory (Conservadores, partido do PM), vocabulário que logo se tornou bastante popular. A pressão geral pela renúncia de Johnson, partindo inclusive de segmentos do Tory, foi grande a tal ponto que o Parlamento evocou o chamado “voto de desconfiança” na pauta da House of Lords (o nosso Senado) e a House of Commons (Câmara dos deputados), além das dissidências contra o PM em seu próprio partido. Johnson não renunciou, mas, tal qual sua antecessora, Theresa May, “passou raspando” na votação, tornando-se instável no cenário. Como ela, vai sentir-se um verdadeiro peão de rodeio, e, talvez, deixará o cargo, como a antecessora.
A desobediência às duras regras do lockdown, o despautério de uma festa adolescente na véspera do enterro do Príncipe e as galhofadas de Johnson expuseram-no ridículo e vexaminoso ao país e ao mundo, algo como um “o PM está nu”. Só que o Trono segue impávido e forte, a inflação aumentou devido à guerra da Rússia contra a Ucrânia, mas não se falou em corrupção; foi tudo uma escorregadela inaceitável em um país extremamente sério que tem seu estilo próprio de humor, que não é o da galhofada do PM, e outras maneiras de festejar que não aquela patuscada extraoficial. A monarquia? Vai muito bem, obrigado, mas o PM chamuscou-se e pode terminar substituído longe de abalos sísmicos que possam atingir o Palácio de Buckingham. Há até indícios de que segmentos conservadores devem se aliar à oposição exigindo a renúncia de Johnson pelo desrespeito às regras que o próprio governo impôs ao restante do país. No affaire, além dos erros mais graves estão os da descompostura, do desrespeito ao país e da conduta imprópria para um primeiro-ministro de nação poderosa e admirada.
Verdadeiro exemplo para o nosso país.
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