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sexta-feira, 12 de agosto de 2022

O PRIMEIRO VOTO

 

Médici

Em 7/7/77
(para os numerólogos ou adeptos da Cabala) fui morar nos EUA, mal havia terminado a Fefierj (hoje UniRio). De lá, cabia apenas observar, com medo, o Brasil em plena ditadura, e o que se passava em nossa República. Era presidente o general Ernesto Geisel, que sucedeu Emílio Garrastazu Médici. O sobrenome Médici remetia à poderosa financeira e politicamente Casa dos Medici, com Cosimo à frente da dinastia e da República de Florença, Itália, na primeira metade do século 15. “Nosso” Médici era duro na queda, inflexível. Quando descobriu que um samba do Chico Buarque de 1970 não se referia a uma mulher, mas a ele mesmo – “apesar de você / amanhã há de ser / outro dia” -, mandou censurá-lo aos berros. Clara Nunes regravou a música (1971), e, obrigada, cantou na abertura das Olimpíadas do Exército daquele ano.  Já a filha do Médici deixou escapar em uma entrevista que gostava do Chico. Pronto, bastou para que o compositor, em um show no Teatro Casa Grande, no Rio, tocasse um “roquinho” bem fuleiro, dois acordes e só dois versos, para deleite da plateia: “Você não gosta de mim / mas sua filha gosta”.


Geisel
, sucessor de Médici, era um sujeito carrancudo, com os traços germânicos de estilo. Nada com cultura, na verdade sequer gostava de arte, da música dos “3 Bs” germânicos, Bach, Beethoven e Brahms, e nem de Wagner, que seduziu até Hitler. Menos cruel do que Médici, mas um tanto fechado, foi presidente por seis anos (1974-79). Desses, os últimos dois passei em Boston, onde acompanhei os mandatos de Jimmy Carter e Ronald Reagan. Seguia as eleições com o sentimento de estar participando do futuro do país que eu havia adotado.


De volta ao Brasil
, aquela ópera bufa montada com a eleição indireta disputada por Maluf e Tancredo da qual nós, eleitores brasileiros, fomos simples espectadores. Maluf, colocado na disputa pelo regime militar, viu seu cacife ruir diante de Tancredo, mineiro astuto e perspicaz que tentara emplacar como vice Antonio Ermírio de Morais, poderoso empresário de família tradicional na política. A estratégia vazou, foi acolhido na vice José Sarney - homem que ainda tinha certa simpatia do regime, já agonizante. Acompanhei a eleição pela TV e refestelei-me na emoção de ter um candidato civil eleito, mesmo que indiretamente, para o cargo de mandatário do país. Porém, com a inesperada morte de Tancredo, logo antes da posse, assume Sarney, em meio a uma crise econômica sem precedentes.


Eu havia retornado
ao Brasil com a esperança de ver meu país em plena democracia, com estabilidade econômica e paz. Quando perguntei sobre o futuro ao maestro Eleazar de Carvalho, que tinha sido fuzileiro naval, educado desde cedo na Marinha, ele me respondeu daquele jeito sério e irônico que lhe era característico: “Nunca vi um país fechar, mas sempre pode haver uma primeira vez”. Pouco depois, ingressei como professor na USP, e o grito de ordem era “Diretas, urgente, reitor e presidente”.  Demorou: em 1989, após 26 anos de jejum eleitoral, foi eleito Collor de Mello, justo quando cravei meu primeiro voto para presidente! Concorreram, além de Collor, sagrado vencedor com o epíteto “O caçador de marajás”, Leonel Brizola, Paulo Maluf, Lula, Mário Covas e mais 18 candidatos. Após o impeachment de Collor assumiu Itamar Franco, seu vice, que governou de 1992 a 1995, ano em que, para tomar posse, concorreram em 1994 oito candidatos – na frente, Fernando Henrique Cardoso obteve 54,28% dos votos, e o segundo colocado, Lula, 27,05%.


Nos tempos do voto escrito
, o Brasil passava por experiências surreais. Bom exemplo foi o imaginário candidato Cacareco - homenagem ao então novo rinoceronte do Zoológico do Rio – que em 1954 obteve 100 mil votos na eleição municipal, contra os 95% do partido mais votado e foi manchete até no NY Times. Mais de trinta anos depois, em 1988, o fenômeno ali se repetiu nas eleições para prefeito: puro deboche de protesto, Macaco Tião obteve fantásticos 400 mil votos! Escrevia-se de tudo nas cédulas, de rasuras a ofensas à senhora progenitora de algum candidato, entre outros desaforos mal-educados, constrangendo ou, às vezes, divertindo os mesários.


Exatamente dois anos
depois da posse de Fernando Henrique foi implantada a urna eletrônica, que além de deixar de fora os adeptos do chamado voto zoológico, também impediu o antigo “voto carneirinho”, com olheiros contabilizando os nomes indicados pelo patrão - e a compra de votos pelos “coronés” que arrastavam eleitores atrás de algum trocado ou mesmo um prato de comida, sertões afora, na caçamba de caminhões. Pois a nova urna, empregada primeiramente em 57 cidades nas eleições municipais de 1996, revelou-se um sucesso, tornando-se exemplo para o mundo.

MM. Carlos Prudêncio

(Em 1932, em plena ditadura Vargas, o Código Eleitoral Brasileiro, em seu Art. 57, já fazia menção a “máquinas de votar”, mas as tentativas naquela época se mostraram efêmeras por absoluta falta de tecnologia. Houve outras experiências, em 1978 e 1980, mas foi só em 1988 que a máquina de votar criada pelo juiz Carlos Prudêncio e seu irmão Roberto foi colocada à prova na eleição municipal de Brusque, em Santa Catarina.)



A urna eletrônica que usamos, desenvolvida pela Microbras, Omnitech e Unysis, com apoio do CTA, do INPE e de outras organizações, revelou-se ágil, absolutamente segura, e a adulteração dos votos impossível. No próximo 2 de outubro, mais uma vez, será nela que depositaremos todas esperanças na candidatura do melhor presidente para o nosso país.



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