“Liberdade, ainda que
tarde, ouve-se ao redor da mesa. E a bandeira já está viva, e sobre, na noite
imensa. E os seus tristes inventores já são réus – pois se atreveram a falar em
liberdade (que ninguém sabe o que seja)”. Esses lindos versos (Romance XXIV ou
da Bandeira da Inconfidência), candentes, plangentes, cortados com a pena mais profunda
na obra de Cecília Meireles (1901-1964), o seu Romanceiro da Inconfidência, revela
a utopia de idealistas brasileiros e alguns d’além-mar, contumazes nas reuniões
nas casas de intelectuais como o poeta do arcadismo Claudio Manuel da Costa
(1729-1789), o
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Tomás Antonio Gonzaga |
também poeta nascido
português, Tomás Antonio Gonzaga (1744-1810) e o letrado Inácio de Alvarenga
Peixoto (1744-1793), nascido no Rio e falecido em Angola.
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O Tiradentes |
Joaquim José da Silva
Xavier, militar de menor escalão – um alferes,
que poderia ser um simples porta-estandarte real -, juntamente com os
poetas e outros militares mais ou menos graduados, tornou-se símbolo da chamada
Conjuração Mineira. Lançado o dístico de Virgilio Libertas quae sera tamen –
Liberdade, ainda que tardia -, talvez fosse o sonho de Xavier alçá-lo ao céu nas
laterais do triângulo da bandeira, parte de seu ofício militar. Em 1776, já havia
acontecido a Independência da América, sem falar nas brumas da Revolução
Francesa e do iluminismo. Os conjurados, embriagados em seus sonhos libertários,
já vislumbravam de uma só vez a abolição da escravatura, a Independência e a
República – uma revolução imensa a ser detonada pela cobrança (“derrama”) da insuportável
carga de impostos exigida pela Coroa portuguesa, que chegara a 20 %; com essas
taxas (o chamado 1/5, ou o “Quinto dos Infernos”) e a queda crescente na
produção de ouro, o povo estava desesperado. (Cabe lembrar que hoje tem se
falado muito que houve uma Conjuração por 20%, quando atualmente o brasileiro
carrega uma carga tributária de 38%, quase o sobro. São duas realidades, mas comparar
esses simples números é assustador).
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Tiradentes esquartejado, de Cândido Portinari |
Tiradentes não foi um
líder, um típico grande revolucionário. De todos os condenados à morte, ele foi
o único que não recebeu o indulto da Dª. Maria I, de Portugal. Foi o único
condenado à forca e o único executado, exposto ao público, para depois ser esquartejado,
a fim de que partes de seus restos assombrassem o que poderia ter sobrevivido das
cinzas da Inconfidência, em Villa Rica, hoje Ouro Preto.
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Villa Rica, por Arnaud Paulière (1820) |
Era o mais pobre de todo o grupo, o de mais baixa instrução e o de menor poder.
Contudo, devido à falta de um bode expiatório de menor risco, a Coroa
portuguesa criou, involuntariamente, um mártir, um ícone, o homem-símbolo dos
nossos livros de história escolares (e acaso seria este o único dos pedaços de
história mal contada, já que crescemos decorando relatos escritos por linhas
tortas? Sem falar nas linhas que nunca foram escritas – presumivelmente, as mais
verdadeiras). A Inconfidência foi debelada no mesmo ano da Revolução Francesa
(1789), que, vitoriosa, esta sim veio refrescar as ideias de todo o ocidente.
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Jair Borin (de branco), com Antonio Cândido (dir.) |
Mas voltemos ao nosso
assunto, que é canto e poesia, e não história, que aqui é mero pano de fundo
para cantarmos nossas canções e romanceiros. Dou um salto para 10 anos atrás, quando
estava doente meu amigo Jair Borin, Chefe do Departamento de Jornalismo da USP.
Borin havia sido escolhido Reitor da Universidade com larga folga, no pleito
geral. Porém, a chamada democracia universitária não funciona do jeito que se imagina:
o que vale é a eleição do colegiado que faz a lista tríplice que é entregue ao
Governador, que escolhe o nome do eleito, seja o mais votado ou não. A amizade
com Borin ajudou-me a me desvencilhar de alguns espinhos da disputa docente interna
pouco conhecida do público – à qual não reservarei espaço.
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Núcleo Hespérides, em plena performance |
Com Borin doente, comecei
a escrever uma peça para um excelente grupo de música contemporânea, o Núcleo
Hespérides, do qual fazem parte, entre outros, o compositor Antonio Ribeiro e
as admiráveis sopranos Andrea Kaiser e Heloísa Petri, o barítono José Antonio
Soares e mais um quarteto formado por piano, violão, flauta e percussão. A obra
estreou em 3 de maio de 2003, no SESC Ipiranga (Jair havia falecido no dia 22
de abril, um dia depois do feriado de Tiradentes!). Foi também apresentada, a
convite, na Bienal de Música Contemporânea do Rio de Janeiro. Título da obra:
Opus Dez, com trechos do Romanceiro da Cecília Meireles (coincidências?). A
família do homenageado compareceu à estreia, e foram momentos emocionantes.
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Vladimir Herzog, "suicidado" no DOI-CODI |
Borin fora preso na mesma época de seu colega Vladimir Herzog, só agora declarado oficialmente morto por tortura no
DOI-CODI; Vlado foi pessoa sem participação em qualquer grupo armado que pudesse
ameaçar o regime. De certa forma, Vlado tornou-se um símbolo – não tão incensado
como Tiradentes, mas o símbolo de uma outra época de triste memória. Em meu
Opus Dez, citei Cecília: “Não posso mover meus braços / por este atroz labirinto
/ de esquecimento e cegueira / em que amores e ódios vão”. No contracanto desses
versos, o barítono repetia Tiradentes, antes de morrer: “dez vidas eu tivesse /
dez vidas eu daria”. Mais adiante,
Tiradentes antecipa seu fim: “pois sinto bater os sinos / percebo o roçar das
rezas / vejo o arrepio da morte / à voz da condenação. / Avisto a negra
masmorra / e a sombra do carcereiro / que transita sobre angústias / com chaves
no coração; / descubro as altas madeiras / do excessivo cadafalso / e, por
muros e janelas / o pasmo da multidão”. Em contracanto, sempre, o barítono repetindo
o mártir: “dez vidas eu tivesse / dez vidas eu daria...”.
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O Martírio de Tiradentes, por Francisco Aurélio de Melo |
Não, não se trata de desinventar
o herói, mas de falar de um homem simples elevado a mártir, como tantos na história:
“...choram Marias e Clarices / no solo do Brasil / mas sei que uma dor assim
pungente / não há de ser inutilmente / a esperança...”, belíssima letra de
Aldir Blanc, em O Bêbado e o Equilibrista. (N. do A.: Marias, mulheres de
tantas vítimas, e Clarice, a de Vladimir
Herzog). Os regimes de força criam mitos, que por sua vez alimentam novos sonhos
libertários. Se Tiradentes é um mártir sem ter sido um líder guerreiro, aqui pouco
interessa. Os historiadores que recontem a história. Eu entendo mais da poesia,
como a de Tomás Antonio Gonzaga, também conjurado, em seus versos a Marília de
Dirceu: “Enquanto revolver os meus consultos / tu me farás gostosa companhia /
lendo fatos da sábia mestra história / e os cantos da poesia”.
Meus amigos fiquei a conhecer a historia de Tiradentes e depois também que D. Maria tinha tido muito remorsos por essa condenação à morte mas toda a conspiração era punida muito severamente mesmo em Portugal
ResponderExcluirpor outro lado a Revolução Francesa originou milhares de torturas e de mortes
milhares de pessoas martirizadas, não foi uma festa mas é festejada
aprecio muito a cultura do povo brasileiro!
um abraço
Angela
Amamos nossos irmãos, Ângela. E os admitamos, mensagem "qua e sera tamen"
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