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sábado, 20 de abril de 2013

CANTOS E ROMANCES DA INCONFIDÊNCIA


Liberdade, ainda que tarde, ouve-se ao redor da mesa. E a bandeira já está viva, e sobre, na noite imensa. E os seus tristes inventores já são réus – pois se atreveram a falar em liberdade (que ninguém sabe o que seja)”. Esses lindos versos (Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência), candentes, plangentes, cortados com a pena mais profunda na obra de Cecília Meireles (1901-1964), o seu Romanceiro da Inconfidência, revela a utopia de idealistas brasileiros e alguns d’além-mar, contumazes nas reuniões nas casas de intelectuais como o poeta do arcadismo Claudio Manuel da Costa (1729-1789), o 
Tomás Antonio Gonzaga
também poeta nascido português, Tomás Antonio Gonzaga (1744-1810) e o letrado Inácio de Alvarenga Peixoto (1744-1793), nascido no Rio e falecido em Angola.


O Tiradentes
Joaquim José da Silva Xavier, militar de menor escalão – um alferes,  que poderia ser um simples porta-estandarte real -, juntamente com os poetas e outros militares mais ou menos graduados, tornou-se símbolo da chamada Conjuração Mineira. Lançado o dístico de Virgilio Libertas quae sera tamen  – Liberdade, ainda que tardia -, talvez fosse o sonho de Xavier alçá-lo ao céu nas laterais do triângulo da bandeira, parte de seu ofício militar. Em 1776, já havia acontecido a Independência da América, sem falar nas brumas da Revolução Francesa e do iluminismo. Os conjurados, embriagados em seus sonhos libertários, já vislumbravam de uma só vez a abolição da escravatura, a Independência e a República – uma revolução imensa a ser detonada pela cobrança (“derrama”) da insuportável carga de impostos exigida pela Coroa portuguesa, que chegara a 20 %; com essas taxas (o chamado 1/5, ou o “Quinto dos Infernos”) e a queda crescente na produção de ouro, o povo estava desesperado. (Cabe lembrar que hoje tem se falado muito que houve uma Conjuração por 20%, quando atualmente o brasileiro carrega uma carga tributária de 38%, quase o sobro. São duas realidades, mas comparar esses simples números é assustador).

Tiradentes esquartejado, de Cândido Portinari
Tiradentes não foi um líder, um típico grande revolucionário. De todos os condenados à morte, ele foi o único que não recebeu o indulto da Dª. Maria I, de Portugal. Foi o único condenado à forca e o único executado, exposto ao público, para depois ser esquartejado, a fim de que partes de seus restos assombrassem o que poderia ter sobrevivido  das cinzas da Inconfidência, em Villa Rica, hoje Ouro Preto.

Villa Rica, por Arnaud Paulière (1820)
Era o mais pobre de todo o grupo, o de mais baixa instrução e o de menor poder. Contudo, devido à falta de um bode expiatório de menor risco, a Coroa portuguesa criou, involuntariamente, um mártir, um ícone, o homem-símbolo dos nossos livros de história escolares (e acaso seria este o único dos pedaços de história mal contada, já que crescemos decorando relatos escritos por linhas tortas? Sem falar nas linhas que nunca foram escritas – presumivelmente, as mais verdadeiras). A Inconfidência foi debelada no mesmo ano da Revolução Francesa (1789), que, vitoriosa, esta sim veio refrescar as ideias de todo o ocidente.

Jair Borin (de branco), com Antonio Cândido (dir.)
Mas voltemos ao nosso assunto, que é canto e poesia, e não história, que aqui é mero pano de fundo para cantarmos nossas canções e romanceiros. Dou um salto para 10 anos atrás, quando estava doente meu amigo Jair Borin, Chefe do Departamento de Jornalismo da USP. Borin havia sido escolhido Reitor da Universidade com larga folga, no pleito geral. Porém, a chamada democracia universitária não funciona do jeito que se imagina: o que vale é a eleição do colegiado que faz a lista tríplice que é entregue ao Governador, que escolhe o nome do eleito, seja o mais votado ou não. A amizade com Borin ajudou-me a me desvencilhar de alguns espinhos da disputa docente interna pouco conhecida do público – à qual não reservarei espaço. 
Núcleo Hespérides, em plena performance
Com Borin doente, comecei a escrever uma peça para um excelente grupo de música contemporânea, o Núcleo Hespérides, do qual fazem parte, entre outros, o compositor Antonio Ribeiro e as admiráveis sopranos Andrea Kaiser e Heloísa Petri, o barítono José Antonio Soares e mais um quarteto formado por piano, violão, flauta e percussão. A obra estreou em 3 de maio de 2003, no SESC Ipiranga (Jair havia falecido no dia 22 de abril, um dia depois do feriado de Tiradentes!). Foi também apresentada, a convite, na Bienal de Música Contemporânea do Rio de Janeiro. Título da obra: Opus Dez, com trechos do Romanceiro da Cecília Meireles (coincidências?). A família do homenageado compareceu à estreia, e foram momentos emocionantes.

Vladimir Herzog, "suicidado" no DOI-CODI
Borin fora preso na mesma época de seu colega Vladimir Herzog, só agora declarado oficialmente morto por tortura no DOI-CODI; Vlado foi pessoa sem participação em qualquer grupo armado que pudesse ameaçar o regime. De certa forma, Vlado tornou-se um símbolo – não tão incensado como Tiradentes, mas o símbolo de uma outra época de triste memória. Em meu Opus Dez, citei Cecília: “Não posso mover meus braços / por este atroz labirinto / de esquecimento e cegueira / em que amores e ódios vão”. No contracanto desses versos, o barítono repetia Tiradentes, antes de morrer: “dez vidas eu tivesse / dez vidas eu daria”.  Mais adiante, Tiradentes antecipa seu fim: “pois sinto bater os sinos / percebo o roçar das rezas / vejo o arrepio da morte / à voz da condenação. / Avisto a negra masmorra / e a sombra do carcereiro / que transita sobre angústias / com chaves no coração; / descubro as altas madeiras / do excessivo cadafalso / e, por muros e janelas / o pasmo da multidão”. Em contracanto, sempre, o barítono repetindo o mártir: “dez vidas eu tivesse / dez vidas eu daria...”.

O Martírio de Tiradentes, por Francisco Aurélio de Melo
Não, não se trata de desinventar o herói, mas de falar de um homem simples elevado a mártir, como tantos na história: “...choram Marias e Clarices / no solo do Brasil / mas sei que uma dor assim pungente / não há de ser inutilmente / a esperança...”, belíssima letra de Aldir Blanc, em O Bêbado e o Equilibrista. (N. do A.: Marias, mulheres de tantas vítimas, e Clarice,  a de Vladimir Herzog). Os regimes de força criam mitos, que por sua vez alimentam novos sonhos libertários. Se Tiradentes é um mártir sem ter sido um líder guerreiro, aqui pouco interessa. Os historiadores que recontem a história. Eu entendo mais da poesia, como a de Tomás Antonio Gonzaga, também conjurado, em seus versos a Marília de Dirceu: “Enquanto revolver os meus consultos / tu me farás gostosa companhia / lendo fatos da sábia mestra história / e os cantos da poesia”.


2 comentários:

  1. Meus amigos fiquei a conhecer a historia de Tiradentes e depois também que D. Maria tinha tido muito remorsos por essa condenação à morte mas toda a conspiração era punida muito severamente mesmo em Portugal
    por outro lado a Revolução Francesa originou milhares de torturas e de mortes
    milhares de pessoas martirizadas, não foi uma festa mas é festejada
    aprecio muito a cultura do povo brasileiro!
    um abraço
    Angela

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  2. Amamos nossos irmãos, Ângela. E os admitamos, mensagem "qua e sera tamen"

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