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quinta-feira, 18 de julho de 2013

SAPATILHAS EM PONTA SOBRE PARTITURAS


Balé, do francês ballet, é uma forma consagrada de arte que combina dança, música e cena (podendo prescindir aqui e ali de uma ou das duas últimas) que tomou forma na Europa do período barroco, tendo se originado na Itália renascentista. Naquela época, o balé era dançado com pesadas roupas e adereços, e no final do período passou gradativamente a extrapolar os muros palacianos para proporcionar a todos espetáculos completos de rara beleza. A dança palaciana já era mesclada com as tradições mais populares, chegando a versões instrumentais e orquestrais – sem balé -  pelas mãos de autores como Bach, com suas suítes, agregando sempre um prelúdio (introdução) a danças da época, como a allemande, a courante, a sarabande e a giga. (Veja e ouça abaixo a sarabande dançada, em estilo de época, com música do grupo Il Giardino Armonico, de Milão)



No início dos anos 1800, na França, Marie Taglione empreendeu novos rumos à arte do balé, introduzindo a técnica da ponta dos dedos e movimentos leves, graciosos e elaborados. A partir daí, já esboçado o perfil do bailarino moderno, roupas colantes passaram a expor os contornos do corpo, para melhor realçar a pureza e harmonia dos movimentos. Entre os balés mais apresentados, figuram Giselle, de Adam, e os imortais Lago dos Cisnes e Suíte Quebra-Nozes, de Tchaikovsky. Debussy compôs seu belo Prelúdio à Tarde de um Fauno, e Igor Stravinsky (1882-1971) os balés O Pássaro de Fogo, Pulcinella e Petrouchka. Finalmente, com coreografia original de Vaclav Nijinsky (1889-1950), e produção de Diaghilev (1872-1929), Stravinsky criou um balé polêmico e vanguardista, que dividiu plateia e críticos, mas que terminou por consolidar-se como uma das obras musicais mais importantes de todo o século 20: A Sagração da Primavera (1912).


Igor Stravinsky

Stravinsky fez a revolução do gênero. Com a enorme difusão do balé pela Europa, alguns dos mais proeminentes compositores do século também abraçaram a músicas para dança: Ravel, com La Valse e Bolero, e Béla Bartók, com O Mandarim Maravilhoso, foram outros dois expoentes do gênero. Ao longo do século 20, tivemos os balés de coreógrafos como Merce Cunningham, Balanchine, Maurice Béjart, Alwin Nikolais e Alvin Ailey, entre outros, abrindo espaço para novas concepções.

Em julho deste ano, o Conservatório de Tatuí recebeu, em parceria com sua Orquestra Sinfônica, sob a regência do maestro João Maurício Galindo e participação especial da pianista Cristiane Blóes, a São Paulo Companhia de Dança (SPCD), grupo oficial do Estado de São Paulo dirigido por Inês Bogéa.  Não bastasse ser a primeira apresentação de um balé totalmente profissional com orquestra no Conservatório, constituiu também o mesmo marco para a cidade. Casa cheia os dois dias, o público pode desfrutar de três momentos distintos da música universal, começando pelo mais recente: com o piano preciso de Cristiane Blóes, o espetáculo iniciou-se com a coreografia Utopia ou O Lugar que não Existe, de Luiz Fernando Bongiovanni, sobre cinco ponteios do tieteense Camargo Guarnieri (1907-1993: 20 anos de falecimento, em 2013).

Maestro Camargo Guarnieri: 20 anos sem ele
Foi uma demonstração de técnica e visão moderna do texto musical bastante além da realidade artística brasileira da época. Os bailarinos fizeram uma composição perfeita, em sintonia com a modernidade única da obra, trazendo como ilustração à música (e ela vice-versa) vestes de traços geométricos, passeando ao mesmo tempo em cenas modernas à sombra da “pop-art” e algo retrô, como um retrato em branco e preto.

Balanchine em ação
Em seguida, voltando atrás no tempo, Theme and Variations, coreografia do grande Balanchini (1904-1983), evoca a época majestosa do balé clássico em sua plenitude: variações sobre o final da Suíte nº 3 de Tchaikovsky (1840-1893), montado com o consentimento do Balanchine’s Trust, trazem uma dança sobre uma obra não composta especificamente para balé, mas uma das ideias do coreógrafo russo, criando uma dança não-descritiva, que não contasse uma história. A cara do balé russo, do Lago dos Cisnes e outras obras de Tchaikovsky estavam ali estampados, mostrando uma época generosa para a dança clássica de palco. A chamada sapatilha em ponta, que para o leigo parece simplesmente torturante, exige técnica extrema, além da leveza necessária aos saltos e rodopios, ou, mais precisamente, os “ronds de jambe”, movimentos circulares da perna, os “changements”, salto com troca de pés, e tantos outros passos, sempre com a característica da perfeita leveza, como se a natureza, encantada, nos brindasse com a música de fadas e ninfas. Tudo no melhor estilo!


SPCD em Sechs Tänze, sobre música de Mozart
Por fim, Sechs Tänze, com coreografia de Jirí Kylián sobre a música homônima de Mozart (1756-1791), volta ainda mais atrás no tempo e, com sapatilhas em meia ponta, nos ofereceu momentos de brincadeiras, alguns até anedóticos, para gáudio, regozijo e boas gargalhadas da plateia. O tom divertido da coreografia, construída sobre uma obra do grande compositor austríaco pareceu traduzir o próprio comportamento e caráter do autor: piadista, brincalhão, lembrando suas peripécias de vida e especialmente as anedotas cênicas divertidas (embora sérias críticas à conjuntura da época) da ópera A Flauta Mágica.


Teatro Procópio Ferreira, do Conservatório de Tatuí
Duas noites de casa lotada e um casamento feliz entre a SPCD e o Conservatório prometem reservar mais parcerias para o futuro, a partir desta primeira experiência tão agradável e confortante. Mais um desafio para a orquestra, oculta no fosso do Teatro, tocando com satisfação apenas com seus ouvidos e os gestos do maestro - impecavelmente precisos, é necessário dizer. Um aprendizado diferente, uma comunhão de duas formas de expressão perfeitas que se conjugam desde o início dos tempos: os movimentos corporais e os sons (dos quais também fazem parte os silêncios, claro). A São Paulo Companhia de Dança, fundada em 2008, portanto um grupo ainda ensaiando os passos da juventude, já é modelo e paradigma para os demais balés de todo o país, e desde já é possível antevermos um grande futuro rumo a uma bela carreira que já começou a ser empreendida também no exterior. A SP Companhia de Dança é a OSESP de sapatilhas! (Veja e ouça abaixo a SPCD em Theme and Variations, coreografia de Balanchine sobre obra de Mozart, com entrevista com a diretora Inês Bogéa, no Teatro Guaíra, de Curitiba)

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