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sábado, 27 de julho de 2013
TALENTO MUSICAL: NATO, HERANÇA FAMILIAR OU ADQUIRIDO?
O jovem Wolfgang Amadeus Mozart
Já li diversos estudos e ensaios sobre
o assunto, entre as mais diversas óticas e opiniões. É sempre interessante
repensá-lo, mesmo sabendo que não se chegará a algo definitivo, nem alguma tese
global. “Aquele menino nasceu com o dom da música”, é comum ouvirmos da criança
que demonstra um talento “nato”. Não creio muito apenas nisso. Também, conheço
filhos de grandes músicos que são nulidades musicais, sem chance alguma. Vale
entrar um pouco nessa suposta questão genética, para depois abordar a fundamental
convivência com a música, como faremos mais adiante.
Bach (à esquerda): música em família
Johann Sebastian Bach (1685-1750), ele
próprio vindo de gerações de músicos e pai de grande prole (duas dezenas de
filhos), seguiu a tradição luterana da época e educou a família na música.
Porém, aos pés dele, chegam praticamente apenas dois dos precursores do
classicismo: Johan Christian Bach (1735-1782), o mestre, e C. P. E. Bach
(1714-1788), da transição. Se não tivesse nascido filho do grande Bach, Johann
Christian teria talvez merecido um pedestal mais alto na história da música. Mozart
(1756-1791), um dos maiores gênios de todos os tempos, era filho de um grande
músico e teórico, Leopold, mas seu talento foi, desde sempre, algumas vezes
mais esplêndido do que o de seu pai. O grande Leopold se apequenou diante de
seu filho Wolfgang Amadeus, com orgulho.
Funkeiros no Capão Redondo
Imaginemos uma criança nascida em
Viena, filha de um grande músico, abandonada ainda bebê no Capão Redondo
paulistano, terra de MCs e “batidões”. Poderia até ter um talento despontado
(ou embotado), mas, com grande segurança, não teria “herdado” a origem do pai e
sim a cultura do Capão. Exceções ficam para os que se distanciaram de seus
pais, seguindo carreiras bem diversas, esquivando-se de comparações, como Dori Caymmi
e Dorival, Gonzaguinha e Luiz Gonzaga. Por terem concorrido em raias inteiramente
diferentes, o sofisticado Dori nunca competiu com Dorival, lenda baiana, nem
Gonzaguinha com o pernambucano Gonzagão. Já Maria Rita é uma belíssima cantora,
voz afinada, mas tanto ela quanto seu timbre de voz se esvanecem à sombra de Elis
Regina, a diva. Ótima e bela cantora, mas sempre a filha de Elis, revivida e
recidiva.
Acho que da parte genética estamos
mais ou menos conversados. Já o chamado gênio nato é uma conjunção de fatores
com que são brindados muito poucos, uma aliança entre um excelente ouvido
melódico e harmônico, senso de forma, percepção rítmica, sensibilidade e bom
gosto, tudo ao extremo. Mas espere, tem mais: faltou uma coisa de suma importância:
a convivência com a boa música e o estudo incessante e diuturno. Bach disse que
“música é 10% inspiração de 90% expiração (suor: trabalho). Pois então vamos avançar
sobre essa necessidade da convivência musical e do suor que terminamos de
mencionar.
O tieteense Camargo Guarnieri: o mito
A convivência, da forma que
proponho aqui, remete um pouco à psicologia ambiental (“environmentalism”), que
observa o ser humano em seu ambiente, seu redor, e, paralelamente, outra, a do comportamento
(“behaviourism”), dos indivíduos. Ou seja, com uma vivência musical doméstica
ou social as habilidades latentes tendem a emergir de forma espontânea. Grandes
músicos, a exemplo do nosso Villa-Lobos, filho de clarinetista amador, e
Camargo Guarnieri, cujo pai também tocava sua flauta, tiveram pouco ou nada além
disso. Mas ouviram música, música boa desde a mais tenra idade. Essa vivência acresce
a esse conjunto de fatores mais um viés de suma importância.
Ora, vejamos. Experiências
realizadas no Canadá (com a brasileira Beatriz Ilari entre os pesquisadores) três
“lotes” de recém-nascidos formaram evidência de que algo já acontece desde o
parto, ao menos, na cabeça dos bebês: um grupo ouviu Mozart, outro uma música
menos elaborada, renascentista, e um terceiro apenas o silêncio da sala, sem música.
Ao serem colocados no mesmo berçário, os bebês do grupo “placebo”, ou seja, que
não ouviram música, mostrou-se indiferente a Mozart ou à música do
Renascimento. Já os que ouviram Mozart reagiram à música do compositor
austríaco, e o terceiro, claro, à melodia mais simples! E há mais: crianças
educadas ouvindo Mozart até idade pré-adolescente obtiveram resultados de
exames de QI significativamente mais altos do que os das que não ouviram nada. Mais:
exames com técnicas laboratoriais sofisticadas mostram como certas regiões do
cérebro reagem ao estímulo da música, e enfaticamente à de Mozart. Se até aqui já
temos a questão das habilidades físicas e cognitivas, diante da fragilidade da tese
do “talento hereditário”, é preciso analisar o ambiente, o contexto social e familiar
em que a criança é cresce musicalmente. E aguarde, ainda há muito mais.
Pequena ballerina
Fatores de suma importância devem
ser levados em conta, como a obstinação, o treinamento (sangue, suor e lágrimas).
Já vi alunos extremamente “talentosos”, com vários dos ingredientes já citados acima,
que viram sua habilidade se esvair até desistirem da carreira – às vezes por
causa mesmo dessa facilidade muito acima da média. Outros, que às vezes foram
“condenados” a desistir da carreira, com obstinação e dedicação superaram
dificuldades eventuais nas outras condicionantes enumeradas neste brevíssimo artigo
- e venceram. E esta é uma parte essencial que deve ser compreendida junto com
outra, desconhecida da maioria leiga: o exercício musical é também um exercício
físico! Além do desenvolvimento auditivo na idade certa, o fator tempo é cruel para
com o aspirante à carreira musical: assim como o atleta e a bailarina, a
formação básica deve se dar preferencialmente ainda durante a formação muscular
e óssea, durante o crescimento, quando tudo se torna mais fácil para o jovem
aprendiz.
Jovem violista
Via de regra – veja, digo via de
regra -, uma criança de 5 ou 6 anos que se inicia no piano ou no violino tem um
tempo de estudo médio de 12 anos, e pode se tornar profissional já ao adentrar
a maioridade. A viola sinfônica exige um braço esquerdo mais comprido, portanto
a idade ideal para início deve ser entre 12 e 13 anos, enquanto o contrabaixo e
a tuba, pelas suas dimensões ou pela exigência de pulmões fortes, talvez um
pouco mais (sempre há, repito, exceções). A partir dos 18 anos, o início é bem
mais lento, pelos motivos já expostos, e por volta dos 30 anos, é praticamente
impossível começar a formar um futuro profissional. Isso é ponto pacífico entre músicos e educadores no mundo inteiro.
Dos 25, 30 em diante, com corpo e
articulações já formados e sólidos, a habilidade física e a coordenação motora encontram
dificuldades bem maiores para se desenvolverem, e veem fechando-se as portas da
carreira - assim como acontece com bailarinos e atletas, que devem então estar
além do auge de suas carreiras. Supondo que, ao iniciar-se em um instrumento
como o violino aos 30 anos, o interessado consiga um rendimento médio e saia para
tentar disputar o mercado de trabalho aos... 42! No mundo atual ele vai
encontrar legiões de jovens de 20 anos, em plena exuberância técnica, garra e
vontade de lutar e vencer, “com a estrela na testa”, como dizia meu professor,
e um repertório virtuosístico sob os dedos. (Veja e ouça abaixo o prodígio
Lang-Lang, no afamado Musikverein de Viena).
Banda Sinfônica Jovem do Conservatório e Maestro Pereira
Em meados dos anos 1980, quando vinha
semanalmente de São Paulo para lecionar no Conservatório de Tatuí, certo dia achei
um cartaz, creio que datado 1971, que bem simbolizava o espírito do ensino, em perfeita
sintonia com as grandes escolas do mundo. Pois levei-o comigo: “Pais, deem uma
oportunidade a seus filhos! Deem um futuro para eles! Matriculem-nos o quanto
antes no Conservatório de Tatuí!”
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