O Reitor não decide
sozinho. Há alguns atos que ele pode tomar para si, enquanto outros são
praticamente decididos pelo Conselho Universitário, órgão máximo formado pela
elite acadêmica. Agora, aos números, para que ao final deste artigo fique clara
minha conclusão (guardadas as enormes proporções, escreve aqui alguém que possui
25 anos de experiência em administração escolar). A equação não é ilusão, é
notório que os números impõem medidas das mais dolorosas e amargas, como a
primeira que as reitorias insistem inevitável: o ‘reajuste zero’. Mas voltemos
a 1988, ano da gloriosa ‘Constituição Cidadã’, da grande greve e do esboço de uma
solução para o impasse.
1988: greve geral das Universidades Públicas |
Palácio dos Bandeirantes |
No Palácio, o então
reitor José Goldemberg e Quércia acordaram sobre uma fatia no orçamento, para
que as ‘três públicas’ não ficassem à mercê do governador de plantão. Chegou-se
a 8,5% da receita do ICMS, e, anos depois, assentou-se em 9,5%. Havia um
consenso de que os gastos com pessoal não deveriam superar 80% da receita. O
problema é que esse percentual de gastos foi crescendo e, sem controle, veio
encostar em absurdos – contábil e financeiramente – quase 106%. Ou seja, 6%
acima de todo o orçamento da USP esvai-se direto no pagamento de salários, um
déficit que vai sangrar pesquisa, custeio e investimentos, além de beber o
fundo de reserva da universidade – tão inesgotável quanto hoje parece a reserva
de água da Cantareira. Esses R$ 300 mi a mais em um ano, mais um reajuste de
iguais 6%, somam 600 mi. O fundo, em 2013 da ordem de 3,6 bi, desabou para 2,3
bi em 2014. Em 2015, pelo andar da carruagem, cairia para 1,7 bi. Luz vermelha.
Alguns grandes nomes da
comunidade defendem uma auditoria independente, reforma nos estatutos e no
modelo de gestão, repensando os moldes atuais (em sua maior parte,
reivindicações de toda a comunidade). No Brasil, a imensa maioria dos formandos
de hoje sai das particulares, e a USP perde docentes da melhor qualidade - os
salários hoje são compensadores no mundo privado, sem que o docente tenha que
pensar em pesquisa e extensão, que juntos com o ensino formam o chamado ‘tripé’
da universidade pública. E o nível daquelas outras, é consenso, não tem a mesma
excelência.
Leitor do Diário
Oficial, vi que, além da vultosa soma anual repassada, o governo concedeu verbas
a título de ‘manutenção e custeio’, em 2013, da ordem de 480 milhões para a USP.
Sem deixar de lamentar o já negado (e tão aguardado) reajuste salarial, uso meu
conhecimento básico de administração obtido por experiência, para afirmar que no
frigir dos ovos avançaremos cada vez mais sobre o fundo de reserva da
universidade, fonte tão inesgotável quanto a água que resta no reservatório da
Cantareira.
Parece afastado o recurso do PDV (Plano de Demissão Voluntária), nos moldes da Petrobras, que chega a pagar R$ 600 mil para o demissionário (!). Para a USP, seria apressar a 'crônica da morte anunciada', torrar de vez o fundo de reserva. Um PAV (Plano de Aposentadoria Voluntária), respeitando o que dispõe a Constituição sobre a aposentadoria especial (ignorando a malfadada PEC 40, que nem foi regulamentada, e acatando a súmula vinculante 33, do STF), seria uma saída para tirar o peso de muitos docentes da ativa (a serem avaliados por cada departamento) da conta da USP para outro pagador, a previdência do estado. Aqui e ali, há conversas
sobre alterações na composição dos aportes necessários ao sustento da universidade.
A esquerda ‘pira’, como se diz, quando se fala em ensino pago. Blasfêmia! Quem levará
essa pecha de pecador? “O que será / que andam suspirando pelas alcovas / que
andam sussurrando em versos e trovas”? (Chico). Há de existir um modelo em que a
grande maioria, que não pode pagar, possa estudar de graça e ainda receber
ajuda financeira, sem a maquiagem fisiológica das cotas. E que o jovem abastado contribua com o
que lhe couber, até um certo teto, em diversas faixas, o suficiente para bancar o equilíbrio. E
isso é justiça social, a despeito das elites que usufruem da gratuidade e de um
dos dogmas de fatia da antiga esquerda brasileira.
A Receita Federal implantou
em 1922 (há 92 anos!) alíquotas diferentes para o imposto, entre 8 e 20%, para
todos os trabalhadores. Quase toda a população já nasceu sob essa tarifação, e
hoje se trabalha com enorme faixa de isentos e 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%, conforme a faixa de renda. Contas de
consumo, como água e luz, também pagam taxas diferenciadas para diversas faixas
(leia-se: de consumo/renda). Por que ninguém levanta a bandeira contra? Porque é
costume assimilado, como tudo. Sei que o assunto é tabu, e vai contra os motes dos
movimentos da UNE desde a ditadura até aqueles anos 1980, gritos que ecoam até
hoje: “ensino público e gratuito” (para os ricos especialmente, claro!) e
“diretas, urgente, reitor e presidente”. Mesmo mudada a última parte, o bordão
ficou.
E sigo
com Vandré, deixando minha modesta contribuição: “Se você não concordar / não
posso me desculpar / não canto pra enganar / vou pegar minha viola / vou deixar
você de lado / vou cantar noutro lugar”.
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