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sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

OS OPERAMANÍACOS ESTÃO CHEGANDO

Maestro Galindo, eu, Angelica e sua mamãe. O pai, Fernando, operófilo
A Orquestra Sinfônica do Conservatório de Tatuí encerrou a temporada de 2014 no dia 19 de dezembro, na Igreja da Matriz, com a apresentação da excelente soprano Angelica de la Riva, já conhecida do público da região e do país, tendo como regente o nosso competente maestro João Maurício Galindo. Foi uma performance variada e aplaudidíssima, que terminou com Stille Nacht, do austríaco Franz Gruber (1787-1863), com direito à última parte cantada em português: Noite Feliz. Ao final, fui ao corredor lateral para cumprimentar solista e maestro pelo belo presente de Natal, aberto ao público que quisesse ouvir a soprano. Ali mesmo, posamos para fotos ao lado do Sr. e Srª Fernando de la Riva, pais de Angelica, e retomei a conversa já começada antes da apresentação com ‘papá’ de la Riva, que não se cansava, claro, de tecer orgulhosos comentários sobre as performances da filha e as histórias dela no Lincoln Center e Carnegie Hall.

(Aliás, um único minuto filmado precariamente com meu celular, o último trecho de Stille Nacht em alemão, encerrando com “Noite Feliz”, em português, foi reproduzido como ‘meme’ mais de duas mil vezes e compartilhado nas redes sociais tantas outras vezes: foi oferecido por muitos como presente de Natal e até de Ano Novo!). [Veja e ouça abaixo]



A divina Maria Callas
Continuei a conversa com o Sr. de la Riva sobre ópera, Callas, sopranos spinto e coloratura, Metropolitan Opera House, La Scala e por aí vai. Foi então que o maestro João Maurício disse: esses aficionados por ópera são terríveis: entendem muito mais do que nós, músicos! Pura verdade. Eles passaram boa parte da vida cantarolando junto com os bolachões 78 rpm, vinis e agora CDs, colecionaram todos os discos da Maria Callas, Renata Tebaldi, Placido Domingo. São capazes de pagar alto por algum exemplar raro, e, se podem dispor desse luxo, vão à Europa ou aos EUA para assistir a récitas líricas nos melhores auditórios.

Amazonas Filarmônica (foto: divulgação SEC)
No Brasil, uma temporada oficial de 8, 10 títulos já é muito boa - exceção feita à Ópera da Amazonas Filarmônica, dirigida pelo competente e também aficionado maestro Luiz Fernando Malheiro, que transformou Manaus em um grande centro de óperas no país. Ele também atua em uma Organização Social nossa co-irmã, o Teatro São Pedro, onde, devido às dimensões um pouco reduzidas da casa, apresenta títulos compatíveis com as condições, geralmente óperas mais simples e de menor duração.

Armando Belardi
Mas nosso país foi bem diferente no passado: em 1941, era regente titular do Theatro Municipal de São Paulo o maestro Armando Belardi, e, conforme um programa da temporada daquele ano, foram executados nada menos do que 21 títulos diferentes de óperas – se bem que em sua maioria nada de grande complexidade -, o que a 3 ou 4 récitas por cada título, podemos pensar em mais de 70 apresentações, com casa lotada, claro, pois a tradição do canto lírico já era cultuada em São Paulo bem antes da construção do Theatro Municipal.  

Mesa de recepção: Opera Club do Metropolitan Opera de NY
Na Europa e nos EUA, há clubes desses operamaníacos e sei que em um deles, em NY, dão-se ao luxo de casar apostas sobre a mesa e logo depois alguém colocar um LP no toca-discos, para ver quem adivinharia primeiro quem seria a ‘diva’ (deusa, na mitologia grega, palavra com que os amantes da ópera se referem às grandes estrelas do belcanto). Em poucos segundos, um deles já batia com a mão na mesa após as primeiras notas e cravava certo o nome da cantora - às vezes, até o disco e o ano da gravação. Com direito a embolsar os dólares apostados. 

Padaria Amarante. Foto: José Ricardo Alves
Há coisa de uns 15 anos, em São Paulo, fiz dois amigos nos cafés da manhã de domingo. Começávamos geralmente na padaria Amarante, na Vila Mariana, e às vezes terminávamos com um almoço com vinho no Brazeiro, ali bem perto. Chamavam-se Serjão (só o conheci pelo apelido), já passado dos 70 e aposentado da Assembleia Legislativa, e Luís Oricchio, já perto dos 80. Eram meus grandes amigos de conversas sobre ópera e política, e com eles aprendi sobre as temporadas de ouro – 1950 e 1951 – do Municipal de São Paulo e as grandes estrelas de todos os tempos: Callas, Tebaldi, Del Monaco, Gigli e Caruso, sobre quem discorriam entusiasmadamente com a mesma facilidade com que torcedores falam sobre os grandes jogadores de futebol. Discutiam as melhores performances de ‘Turandot’, ‘Norma’, ‘Tristão e Isolda’, ‘Carmen’ e ‘Traviata’. Vida passada entre estudos e sinfônicas, longe dessa cultura de passar os dias a ouvir ópera após ópera, eu ouvia mais do que falava, e ia aprendendo.

Trabalhadores da construção do Theatro Municipal de SP (Acervo Municipal) 
Descobri que Oricchio teve um namorico adolescente com a filha do zelador do Municipal de SP (depois professora de piano), que havia sido o mestre de obras da construção no início do século 20, e com esse amigo o assunto foi ópera até seus últimos dias. Na casa dele, já bem enfraquecido por um câncer terminal, pele e osso, os braços magros deixavam pendurado o relógio que tanto adorava: a doença ia levando sua vida, a corrente de ouro já com bastante folga, mas a memória firme. A esposa aproveitava para fazer compras, e ficávamos papeando sobre música, ouvindo alguma coisa e conversando: ele e eu, aprendiz do mundo da ópera. Cheguei a gravar com ele algumas conversas que poderiam servir-me de material para um projeto que pretendia escrever.

Núcleo de Ópera do Conservatório de Tatuí (Foto: Kazuo Watanabe) 
Há em Tatuí ao menos um dos sérios cultores do gênero, o advogado Lincoln, que aliás estava presente na Igreja da Matriz. Porém, nunca levamos adiante essas conversas. Eles existem em toda parte, os operófilos. E com o crescimento do número de apresentações operísticas, contribuições como as do Conservatório - no mínimo dois títulos anuais -, é natural que ressurjam também, os aficionados, e que eles proliferem. Pois basta alguém assistir a uma bela ópera para que nasça mais um fã do gênero. É o que Richard Wagner (1813-1883) chamava "Obra de arte total". Caro leigo, músico ou estudante, ao se encontrar com um operamaníaco você vai estar falando com quem entende do riscado. Aproveite.


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