|
Renato Janine (foto: filosofia.fflech.usp.br) |
Fomos surpreendidos com a notícia da indicação do filósofo
Renato Janine Ribeiro, titular em Ética e Filosofia Política da FFLCH da USP,
para a pasta da Educação. Doutor, tem o brilho de um mestrado na prestigiosa
Sorbonne (Paris I), e, como administrador, a direção de avaliação da Capes
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), fundação ligada
ao MEC e órgão de suma importância para a pós-graduação e pesquisa no Brasil. Foi
membro da diretoria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
Nota: este artigo não contém expressão de preferências político-partidárias, apenas reflete sobre a gestão de ministros e secretários filósofos (ou não) à frente de pastas de governo em diversas situações e períodos da história.
|
Thomas Hobbes |
Excetuando-se a parte final deste brevíssimo currículo, o
araraquarense de 65 anos não tem experiência como administrador no minado campo
político, mas ao revés pesa a seu favor o fato de não ser militante partidário
e ter perfil técnico. Sofreu grande influência das ideias de Hobbes
(1588-1679), e por meio dele Descartes, Maquiavel e Aristóteles. À primeira
vista, seria um perfil mais afeito à área da cultura, mas não se pode tirar-lhe
a chance de algum sucesso no MEC por mera antecipação.
|
Marilena Chaui (foto: ufmg.br) |
A também filósofa uspiana Marilena Chaui foi Secretária
Municipal de Cultura de São Paulo (1988-1992). Trabalhei na gestão dela – e
afastando desde já surradas discussões sobre sua pessoa ou polêmicas políticas
-, e mostrou-se uma mestra nos embates, sempre apimentando disputas. Nos anos em que
estive com ela na Secretaria, disse-me, uma vez, após acalorada discussão: “dos
conflitos emergem as soluções”. Guardo até hoje a frase, talvez saída da principal
especialidade da filósofa, Baruch Espinoza (Países Baixos, 1632-1677), assunto
de seu livro ‘Espinoza: Uma Filosofia da Liberdade’. Mesmo sob críticas constantes, podemos creditar a ela, ou à interferência dela, a lei 11,231/92, que criou o quadro de cargos e salários do Municipal e Escolas de Arte, que apesar de ter sido dispensada pelos demais prefeitos foi plenamente empregada nas gratificações por apresentação e outros; o reajuste de 203% para o Quadro de Atividades Artísticas entre outubro e novembro de 2009, que estava absurdamente defasado; a criação dos ônibus-bibliotecas, a reforma da biblioteca Mário de Andrade, a lei da Orquestra Experimental de Repertório, o Sambódromo e a Lei de Incentivo Municipal, apresentada por um vereador. Gestões à frente da Secretaria Municipal de Cultura.
|
Modelo de memorando da SME |
Marilena confessou-me que demorou três meses para entender a diferença
entre um memorando, um expediente e um ofício, confidência que fez com
naturalidade. Sabendo de suas limitações, chamou para auxiliá-la no gabinete uma
pessoa com larga experiência em administração, dando-lhe o poder de executar as
ideias que lhe povoavam a mente. Com certa ironia, disse que se chegasse ao
limite usaria os seus “poderes imperiais”, mas gostava sempre de ouvir a todos.
|
CCSP (detalhe) |
Para dirigir o importante Centro Cultural São Paulo, um amplo
espaço multidisciplinar de arte, teatros, acervo fonográfico e biblioteca,
Marilena chamou outro filósofo uspiano, José Américo Pessanha, que logo seduziu
com sua simpatia os funcionários do Centro pelo seu jeito particular de liderar
e conversar. Para ajudá-lo, convidou para a Diretoria Administrativa Maraíza
Nascimento, de longa bagagem em gestão pública, rápida e eficiente na
engrenagem da prefeitura, conhecedora da máquina, seus meandros e vícios. Era um
dos chamados “tratores” da Prefeitura paulistana. (Tive a felicidade de tê-la
como Assistente durante alguns anos na Escola Municipal de Música).
Janine assume no dia 6 de abril, e vai começar batendo de
frente com o enorme paquiderme, doente quase terminal que é o MEC. Terá
desafios monumentais para enfrentar, como o sucateamento do Fies e do Pronatec,
que já demitem “de baciada”, salários de professores achatados, cofres quase
vazios e a estrutura surreal. Quer flexibilizar currículos e fazer interagir cultura
e educação, entrosando-as - o que por si é bom, já que cultura é o “cabedal de
conhecimentos, a ilustração, o saber de uma pessoa ou grupo social”, o que dá
vazão ao meu entender de que cultura é o enorme e fértil campo sobre o qual a
educação deve ser plantada. (A citação grifada é do velho Houaiss, uma
definição simples e correta).
|
Joaquim Levy (foto: Diário do Nordeste) |
Seu futuro colega da Fazenda Joaquim
Levy é homem do ramo, mas estranho no ninho político-partidário. Vai fazer à
sua maneira e de uma vez muito do que deixou de ser feito há anos, com duro e
arriscado ajuste econômico, e para isso mostra independência e força para impor
suas ideias, longe do jogo - gostem ou não - da direita ou da esquerda (que,
diria hoje Cecília Meireles, “ninguém mais sabe o que seja”). Mas ninguém tem
bola de cristal para garanti-lo apresentando rumo mais alentador para o momento
trágico em que vive a economia nacional. Verdade é que, ironicamente, volta e
meia esse ‘estranho no ninho’ tem se mostrado mais sagaz e habilidoso no trato
com o Legislativo do que muitos políticos com bandeira partidária.
|
Gustavo Capanema |
Um dos mais elogiados ministros da Educação do passado foi
Gustavo Capanema (gestão 1934-1945). Formado em direito e político de carreira,
apesar de ligado ao estadonovismo não hesitou em chamar Lucio Costa e Niemeyer
(declarados comunistas desde sempre) para a construção do então novo prédio do
MEC (1943), com consultoria do francês Le Corbisier, dotando-o de obras de grandes
artistas como Portinari e o paisagismo de Burle Marx. Em plena ditadura,
Capanema reorganizou o Ministério da Educação e da Saúde Pública em 1937, e criou
o Instituto Nacional do Livro e o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
entre diversos outros.
|
Palácio Capanema (antigo prédio do MEC, no Rio) |
Evitando o mérito de indicações políticas, lembro que foram
ministros, começando pelo antecessor de Janine, Cid Gomes, engenheiro e peixe
absolutamente fora d’água, Henrique Paim e Mercadante, economistas (o último com
experiência de apenas um ano como gestor na Ciência e Tecnologia), Haddad e
Tarso Genro, advogados, Cristovam Buarque, engenheiro mecânico, economista e ex-reitor
da UnB, só para falar na gestão Lula-Dilma.
|
Aristóteles |
Se Janine conseguir manobrar as crises do Pronatec e do Fies,
as inevitáveis greves, a falta de recursos, e implantar um pouco de seu sonho
modificador no MEC, pode ser uma gestão saudável, mas não terá chão para ir além
disso. Vai precisar do amplo conhecimento de um Aristóteles,
|
René Descartes |
do racionalismo de
um Descartes como gestor e de muito Maquiavel dos seus estudos no trato com os
políticos. Justo é ter alguma esperança no Janine e dar-lhe um voto de
confiança.
Pior do que estava não fica.
|
Niccolò Machiavelli |
No aguardo das decisões !!!
ResponderExcluir