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sexta-feira, 15 de maio de 2015

CENSURA, NUNCA MAIS !

É preciso ir à origem do termo para, antes de discorrer, compreender o significado da palavra. O velho Houaiss define censura como “exame a que são submetidos trabalhos de cunho artístico ou informativo, ger. com base em critérios de caráter moral ou político, para decidir sobre a conveniência de serem ou não liberados para apresentação ou exibição ao público em geral”. Outras acepções, como “advertência severa, repreensão”, ilustram o sentido de corte ou castração da palavra.

Julio Cesar, Imperador
Busco no meu Dicionário de Termos e Expressões da Música uma definição para outra palavra: cesura “(do lat.: ‘cæsare’, cortar). Corte, silêncio, interrupção súbita ou respiração, costuma ser representada pelos símbolos 
[ ‘ ] ou [ // ]”.  Dessa origem latina vem também cesária, ou cesariana, o parto feito por meio cirúrgico, corte. Conforme Malalas, escriba bizantino, o Imperador Júlio César (daí o nome) nasceu por meio de uma cirurgia antes de completados os nove meses de gestação de sua mãe, que morrera antes do parto. As associações com a origem latina ‘cæsare’ estão presentes no francês e até no inglês, em “ciseaux” e “scissors”, ambas significando tesoura. Tudo isso conspira para nos dar à palavra um sentido bem amplo.

A censura dos poderosos sempre existiu, especialmente nos regimes autocráticos (de poder absoluto) e de exceção, como as ditaduras. A Santa inquisição espanhola estabeleceu o “Index Librorum Prohibitorum”, temível listagem de livros proscritos.




Foto de trecho do filme


A prática proibitiva avançou com os séculos, e foi até projetada para o futuro no livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, publicado em 1953 e levado ao cinema por François Truffaut, em 1966. Livros, segundo o texto, seriam deseducadores, e qualquer denúncia anônima seria o bastante para trazer policiais armados com lança-chamas, para eliminar o perigo impresso.
Meu primeiro contato com a censura foi aos 17 anos de idade. Em um dos pioneiros festivais estudantis, eu e o respeitado músico carioca Ricardo Amaury sofremos uma ‘tesourada’ em uma letra, por conta de um simples “grito vivo de verdade”: com certeza a autoridade da tesoura vira ali algum tipo de incitação ou coisa que o valha. A letra da música fora inspirada na peça Perseguição e Assassinato de Jean Paul Marat (1964), de Peter Weiss, mas isso passava longe dos incultos censores.
O fato marcou meus primeiros passos musicais, e com fina ironia sobre aquele anúncio na TV do primeiro sutiã de uma adolescente, a primeira navalhada artística a gente nunca esquece. Desde dezembro de 1968, dois anos antes, já sofríamos com o infamante AI-5, assinado por Artur da Costa e Silva, Ato ceifador e castrador de todas as liberdades civis.
Julgamento de Frei Betto (segundo, a partir da esquerda) e
mais três de seus colegas frades
Durante a ditadura, confiscavam livros pela cor vermelha da capa, não interessava se eram receitas de bolo ou poesias. No meu colégio jesuíta havia controle, mas protegiam-se os próprios padres, pois os ataques da repressão atingiam também a Igreja. Em 1971, meu primo Frei Betto estava encarcerado no Presídio Tiradentes, e meu pai resolvera enviar-lhe como agrado seu livro “O Risco do Bordado”. Mas o mimo não chegou às mãos do religioso, a dedicatória não o permitiu: “Só Deus é quem sabe por inteiro o risco do bordado”. A prática do censor não tem limites, ela é droga poderosa e seu vício enxerga demônios em tudo, como fossem as alucinações de um quadro de Bosch (1450-1516).
Bosch: Descida de Cristo ao Limbo
No ano seguinte, 1972, a redação do Estado de São Paulo em Brasília recebeu o seguinte telegrama: “De ordem do senhor ministro da justiça fica expressamente proibida a publicação de: notícias, comentários, entrevistas ou critérios de qualquer natureza (...) críticas ou comentários ou editoriais sobre a situação econômico-financeira, ou problema sucessório”. Pronto! Pela mágica de um simples telegrama, não havia mais crise alguma no país. Aconteceu um milagre econômico, ninguém roubava, desviava, ninguém era preso, e, claro, ninguém era torturado e menos ainda desaparecia! A censura prévia instalada nas redações dos jornais passou a cortar matérias antecipadamente, e alguns editores optavam por deixar espaços em branco, outros preferiam um soneto, um anúncio vazio ou uma linda rosa para fechar a diagramação (veja foto acima).
Em 1975, estava para estrear a peça A Gota D’Água, do Chico e Paulo Pontes, e pela fresta da portaria, podíamos ver a multidão esperando. Todos, de dentro e de fora, ansiosos, aguardavam a liberação. Em cima da hora, o sinal verde, com cortes negociados pelo Paulo Pontes, e a tragédia Medéia do grego Eurípedes adaptada a uma favela carioca foi encenada. Já havia sido censurada na íntegra Calabar, também do Chico (e Ruy Guerra), tesourada que completou 40 anos em 2014.
Calabar: 40 anos de censura

Lobotomização
À parte nossa enorme crise atual e seus escândalos, só quem não viveu a história ou sequer leu qualquer coisa coerente sobre o passado não entende que vivemos em um estado democrático de direito. Verdade que no fundo, para muitos poderosos - a censura é o desejo oculto dos que detêm o poder - seria muito melhor passar a tesoura na realidade para o povo sobreviver anestesiado, lobotomizado e de cabeça baixa (a lobotomia era um processo cirúrgico utilizado no passado que interrompia as vias que ligavam os lobos centrais ao tálamo e deixava o paciente mental "curado": sensível como uma pedra).
Ainda hoje há ranços de mordaça, porém discretos e charmosos porque sutis sob o manto democrático. A nova censura velada e travestida não necessita de ameaças: o poder econômico sobre a imprensa, hoje, já faz por si pressão suficiente. Na outra ponta, o lado moral, o avanço fundamentalista no legislativo também cumpre seu papel censor, rumo ao galopante retrocesso.


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