Sergio Porto |
Stanislaw Ponte Preta era o
pseudônimo adotado por Sergio Porto (1923-1968), jornalista, escritor e
compositor (quem não se lembra do memorável “Samba do Crioulo Doido”, título
que hoje seria alvo de campanhas ‘politicamente corretas’? Ouça abaixo uma
ótima versão dos Demônios da Garoa).
Stanislaw publicou dois volumes do
“Febeapá” (1966/1967) - título que tomo emprestado por extenso neste artigo -,
uma coleção de besteiras então em voga pelo país, no pós-golpe de 64. Sergio
morreu aos 45 anos, pouco antes do recrudescimento da censura e do regime pelo
AI-5, e fez de suas troças bem-humoradas ao besteirol nacional de então uma
arma camuflada contra a ignorância e a manipulação de informações pela ditadura
e seus filhotes. No fim do mesmo ano de sua morte, como homenagem, amigos de copo e caneta (Tarso de Castro, Sergio Cabral e Jaguar) fundaram o histórico "O Pasquim", evocando o tabloide "A Carapuça", de Sergio - que era conhecido boêmio e também antológico autor de frases, como a lapidar:
Febeapá vale ser lido, quase idoso
de meio século, especialmente durante esses novos tempos em que o desfile de erros, frases e absurdos linguísticos e políticos tem agredido nossos olhos e ouvidos.
Minha homenagem serve como recomendação de leitura, extensiva ao divertido “Tia
Zulmira e Eu”. Famosa também era a seleção anual de vedetes em "As
certinhas do Lalau", do diário Última Hora. No Febeapá, Stanislaw narra
casos hilários, como o de um delegado de BH que mandava prender quem gritasse
mais de três palavrões em um estádio, durante uma partida de futebol.
Sófocles (destaque à esquerda, em cima) e uma encenação |
Prudentemente, o consumo de
vodca foi proibido por um secretário de segurança mineiro para evitar qualquer costume
comunista no Brasil. E, pasme, mandaram prender um tal de Sófocles (nascido
quase 2.500 anos antes) por considerarem sua peça teatral subversiva. Febeapá,
do Stanislaw, é uma coleção de absurdos ditos ou escritos, compilados e organizados
com grande humor.
Palácio das Indústrias, então sede da Prefeitura |
Hoje, tenho urticária quando
leio ou ouço certas tolices de escola primária. Recuso-me a falar “presidenta”,
mesmo se estendessem também a flexão a “gerenta”, “superintendenta”, se por
decreto fosse possível mudar a ortografia brasileira - assunto já por demais
(de)batido. Luiza Erundina, após tomar posse na Prefeitura de São Paulo, em
1989, mandou trocar todas as placas de "Gabinete do Prefeito", na
portaria e dentro do Palácio das Indústrias, corrigindo-as para "da
Prefeita". Certíssimo: prefeito, governador, deputado e senador flexionam,
sim senhor (ou senhora).
Lucy: hominídeo |
Quase tive catapora dia desses ao
ouvir “mulher sapiens”, quando a palavra latina homo se refere a
indivíduo da espécie humana, e não ao sexo masculino, o macho. Esse homo latino nada tem a ver com macho, e sim com a raça humana, daí
ser hilário alguém dizer "mulher sapiens".
EUA: arresting a homicidal |
O que me faz arrancar os
cabelos é ouvir falarem “feminicídio” (tem até Projeto de Lei aumentando a pena para homicídio de mulher que usa esse nome!). Homo
vem do grego homós, significando “o
mesmo, igual, comum”, nada tendo a ver com o homem-macho! Se sairmos das
línguas latinas, que trouxeram o homo
do grego, fica mais fácil
entender: em inglês existe man para
homem, e homicide para homicídio,
nada a ver com homem. Em alemão, homem é Mann,
e homicídio é Mord. Igualmente,
“homólogo” é “concordante", "a mesma coisa”, e homocêntrico é
sinônimo de concêntrico, “que tem o mesmo centro”. Nada de “homem”! Por fim, homocinética é uma peça mecânica cujas partes fazem movimentos iguais, nada a ver com filme ou homossexual.
Honoré de Balzac |
Mais: homoafetivo(a) é o
que tem afeição por (ou se une a)
pessoa do mesmo gênero, seja do sexo feminino ou masculino. Quando Balzac (1799-1850) escreveu La Comédie Humaine referiu-se a toda a humanidade. Mulheres e homens.
pessoa do mesmo gênero, seja do sexo feminino ou masculino. Quando Balzac (1799-1850) escreveu La Comédie Humaine referiu-se a toda a humanidade. Mulheres e homens.
Rubens (1577-1640): Adão e Eva |
Essa visão promíscua e
superficial da nossa língua, além de levantar ilações absurdas sobre machismo
onde ele não existe, leva ainda a outras aberrações. Há quem questione o porquê
de se falar “pátria” e não “mátria” (machismo, devem pensar os órfãos de
melhores estudos). Pois pátria vem do latim pater
(terra, solo), e só passou a significar país na Idade Média. Pelo contrário, é palavra
feminina, nada tendo a ver com pai ou homem. “Patrimônio”, da mesma raiz, vem
de terra, propriedade, ideia da antiguidade, e nada tem de machismo: as
propriedades de um homem e ou de uma mulher são seu patrimônio. As palavras latinas
pater e mater têm o mesmo sentido de Adão e Eva em hebraico, Adamah e Avaah, que significam terra e vida (a terra fertiliza a vida, daí
os nomes do primeiro casal sobre a terra, simbolizado nas antigas escrituras).
Reedição do Código Civil de 1916 |
O antigo Código Civil chamava
“pátrio poder” (em latim, patria potesta)
o que hoje se chama “poder familiar”, direito que é exercido tanto pelo homem
quanto pela mulher – ou apenas um deles, conforme a causa da separação, caso
haja risco para a integridade física ou psicológica da criança. A perda desse
direito é decretada em juízo juntamente ou após a perda da guarda do menor por
uma das partes. A origem arcaica da
expressão é dos tempos em que a criança era uma espécie de propriedade dos pais.
Aquele “pátrio poder” nada tinha a ver com o sexo de seu titular, a justiça
podia concedê-lo em favor da avó da criança, caso julgasse que nenhum dos
genitores teria como exercê-lo, ou por risco iminente ao infante - e avó não é
pai nem mãe, para lembrar o óbvio ululante!
Portugal, terra patriota, tem algumas particularidades inteligentes em sua rica língua de mãe-pátria (que
bela expressão!), o termo foi trocado em 2008 por “responsabilidades
parentais”. Pois patriota é quem ama sua pátria, terra, torrão, solo. Sejamos
patriotas e respeitemos o idioma de nossa mãe gentil:
Pátria amada (no feminino!), Brasil!
Pátria amada (no feminino!), Brasil!
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