Liverpool |
"Se você dirigir um carro / eu vou taxar a rua / se tentar se sentar / eu vou taxar seu lugar / se esfriar muito vou taxar seu calor / se você for andar / eu vou taxar seus pés". Taxman (literalmente, "homem da taxa", ou cobrador de impostos) é uma beleza de letra de George Harrison do LP Revolver (1966). Os Beatles, grupo formado por quatro jovens da cidade portuária inglesa de Liverpool, não eram politizados - apenas Lennon, mais tarde, por influência da esposa e guru Yoko Ono, abraçou as causas libertárias do gênero "paz e amor". (Ouça, abaixo, Taxman, dos Beatles)
Distribuição da receita no RU: 59% para a área social, 5% para a defesa e 2% para a cultura |
O imposto de renda
básico (fonte: www.gov.uk) na Inglaterra é de 20% para quem ganha até o
equivalente a R$ 15.800,00 ao mês (e ainda há o chamado personal allowance de
R$ 5.300,00, que é algo parecido com a nossa “parcela a deduzir”). Desse
patamar até R$ 75.000 mensais, um belíssimo salário, aliás, são descontados
40%. A próxima faixa vai desses 75 mil em diante, com acréscimo de 5%. Ao se
comparar as taxações sobre renda, é leviano dizer que no Reino Unido elas são
de 50%. E isso tem sido dito e publicado por alguns próceres da nossa
república, em defesa do aumento de impostos em nosso país, hoje malvisto pelo
investimento externo e com muita pobreza. Não existe INSS inglês, ele já está
embutido no Imposto de Renda. Mesmo assim, há uma imensa contrapartida:
transporte público exemplar, um sistema de saúde pública (NHS) que é
considerado o melhor do mundo, nível dos nossos melhores hospitais e clínicas
particulares. Se você aqui paga um convênio médico, veja o seu custo-saúde, que
para o cidadão britânico é zero. Esse custo que pagamos significa renda a menos
para a classe média brasileira!
Nos EUA, a primeira
faixa de imposto, de até R$ 13.300,00 mensais, é taxada em 10% até R$ 3.025, e
daí em diante, o que restar, em 20%. Para quem ganha até R$ 137.733,00 mensais,
salário para classe A nenhuma botar defeito, o imposto é de 35% (fonte: Federal Income Tax) - exatamente a maior
alíquota que nossos tecnocratas tupiniquins querem agora arrancar a fórceps já
a partir de renda muitíssimo menor.
Carga tributária brasileira |
Hoje, no Brasil, se
você recebe R$ 4.664,00, o corte já será de 27,5% (compare com RU e EUA!). E
somem-se os 11% de INSS: são 38,5%. Nos EUA, o Social Security desconta 6,2% do
cidadão e o mesmo tanto paga o empregador. Nossa carga tributária total esbarra
nos 40% do PIB!
Getúlio entre amigos (1930) |
Em Boston, meu
contracheque destinava cada parte do imposto já dividindo-o entre união, estado
e município, de forma que as taxas, centralizadas, não têm como escorrer, como
aqui, por dutos e ralos misteriosos (hoje bem conhecidos) até seu destino.
Verbas públicas tornam-se moeda de troca para favores via emendas parlamentares,
ou benesses generosas do executivo para estados e cidades ‘amigos’ do governo,
sob a ética de Getúlio: "aos amigos, tudo. Aos inimigos, a lei".
A derrama |
No Brasil, desde
muito antes da “derrama” dos inconfidentes, sempre houve cobranças extorsivas.
Hoje, há impostos que embutem outros, indiretos, em uma equação em espiral:
entre os impostos federais, o II (sobre importações), o IE (exportação), o IPI (produtos
industrializados, que o governo quer aumentar!), o IOF (operações financeiras),
o ITR (rural) e o IGF (grandes fortunas, ainda não regulamentado). Fora o JCP (juros sobre capital próprio), Pis
e Cofins, “contribuições” tributárias empresariais. E há as taxas que podem sofrer
reajuste com uma “canetada”, sem passar por lei, como o CIDE (importação e
venda de combustíveis). Já os impostos estaduais são: ICMS (mercadorias e
serviços), o IPVA (veículos) e o ITCMD (causa mortis e doação), hoje em 4% em
SP, e que o ministro da Fazenda quer equiparar ao de alguns países do 1° mundo:
40%! O ICMS é cobrado em uma média de 25 a 30% para a maioria dos estados e
chega a 38% na Bahia! (Nos EUA, o state
tax é cobrado no máximo em 7%).
"Impostômetro" (ver cada segundo de 01/01 até hoje em http://www.impostometro.com.br/ |
Casa à venda em Marília, interior de SP: R$ 130 mil |
Se
vingar, para receber uma herança de um imóvel de 100 mil (vale a tabela do
imposto, não o valor venal), o cidadão terá de desembolsar 40 mil, ou tentar
vende-lo por um contrato particular, prometendo saldar o imposto após o
recebimento do sinal, ou deixar leiloarem, um péssimo negócio. Por sua vez, os
impostos municipais são o ISS (serviços), o IPTU (propriedade predial e
territorial urbana) e o ITBI (transmissão de imóveis inter vivos).
Jatene: um cirurgião idealista |
O IPMF foi um “imposto
provisório” instituído em 1993 por Itamar Franco. Voltou como CPMF a pedido do
cirurgião Adib Jatene, então ministro da saúde de FHC, para erguer a medicina
pública claudicante no país. Triste sonhador, o médico viu seu imposto ser usado
para cobrir gastos outros, e durou um ano, sendo enfim rejeitado pelo Senado em
1997 (em 1996, frustrado, Jatene já havia largado o cargo com protesto público). O ICMS ressuscitou
como IOF em 1999. O atual governo quer emplacar novamente o imposto, para gerar
caixa (porém, creia, sem revogar o IOF, seu substituto!). O coro dos
contrários e a base política, em franca oposição, matou na praia a volúpia
arrecadadora, que ainda resiste. (Detalhe: à parte o fato de um imposto ter substituído o outro, no afã do governo de somá-los, o primeiro incide sobre "operações financeiras", o segundo sobre "movimentações financeiras", o que deixa claro que há convergências claras, então haveria a chamada "bitributação", vedada pela Constituição. Com a palavra os tributaristas e constitucionalistas).
Joaquim Levy (exame.com.br) |
O atual ministro da
Fazenda é um tecnocrata, homem de banco privado que pelo seu costume de ofício
vê as verbas públicas como cifras de contas bancárias e balancetes, expurgando da
equação as consequências sociais e econômicas da implantação de mais tributos.
Impostos, ora, impostos... são números, apenas. Os anunciados cortes de gastos
públicos são como um curativo em uma hemorragia. Se a presidente e seu ministro
não leram Maquiavel, no mínimo deveriam conhecer a Bíblia, o Míshié Shelomon, ou “Provérbios de Salomão”), de muito, muito antes
de Cristo, em especial os versículos 2 e 4 do capítulo 29:
O subtítulo deste
artigo devo ao desabafo de “Deus lhe pague” do Chico: “por esse pão pra comer,
por esse chão pra dormir / a certidão pra nascer e a concessão pra sorrir / por
me deixar respirar, por me deixar existir / Deus lhe pague”. O pãozinho e a certidão de nascimento estão bem
caros para os pobres. Mas restam-lhes de graça o chão para dormir, o sorriso e
o poder existir. (Ouça abaixo "Deus lhe pague").
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