Não falo de você, caro
servidor público concursado, salário parco, abnegado! Mas quantas vezes nos
deparamos com a informação “servidor não encontrado”? Ora, que tanto faz esse
servidor que volta e meia não está? Abona o ponto? Licença prêmio? “Temos problema
com o servidor”, “nosso servidor está fora do ar”. Que tanto ele faz fora do
ar?
A história do boi voador, de Maurício de Nassau durante a ocupação holandesa (leia no texto grifado abaixo) |
Lembrei-me de uma música
do Chico, “Boi voador”, de quando o governo, em crise de abastecimento, mandava
confiscar boi gordo no pasto. A TV flagrou gado na fazenda de um político em
Pedregulho. Chico: “O boi ainda dá bode / qual é a do boi que revoa? / boi
realmente não pode / voar à toa”. (Ouça, abaixo, com o MPB4)
Há coisa de 350
anos, Maurício de Nassau (em
neerlandês, Johan Maurits
van Nassau-Siegen), em meados dos anos 1.600, havia
projetado uma ponte sobre o rio Capiberibe, indo de Maurícia a Recife. Nassau mandou
às favas a sede holandesa, que disse que tal tarefa seria impossível, mais fácil seria verem um
‘boi voador’.
Pois mandou construir a ponte às suas expensas, de madeira baibiraba,
impermeável, resistente à água e intempéries. Pagou por tudo (que exemplo!), e, fazendo troça
da história do boi voador, mandou arrancar o couro de um boi, enxerta-lo com palha,
pendurá-lo em uma roldana, fazendo
uma espécie de “bondinho”, de onde o povo veria,
enfim, o boi
voar. Voando, o boi atravessou o rio: foi um grande espetáculo popular (e não seria um bom
exemplo para certos governantes atuais, que só sugam?).
Tantos problemas com servidores da empresa, de sites,
dos bancos... Quanta angústia e ansiedade por causa do maldito servidor
faltoso! E isso, quando não está doente, com um maldito vírus! E se não é o
servidor, é seu chefe, o sistema: “estamos sem sistema”. Sofisticadamente, pode
vir em inglês: runtime error: system not
found. Todo mundo sofre desse TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo)
moderno, um vício similar ao das drogas, e sem ele não se vive!
Se você vai a um
restaurante, enquanto aguarda o garçom retira o celular do bolso, e busca em um app a senha do wi-fi local. (Os neologismos das novas tecnologias já foram
incorporados ao nosso idioma. Triste “última flor do Lácio”, como o chamava
Olavo Bilac). Mas não se avexe: seus filhos estão fazendo o mesmo, e perca
alguns segundos para olhar para o lado: esfomeados vizinhos de mesa também
estão usando os seus. No consultório dentário ou do médico, na fila do banco...
todos!
Descobri que era “drogadito”
(brasileiro para drug addicted,
viciado) tecnológico quando comprei aquele celular “tijolo”, que você só
adquiria com uma procuração por instrumento público, pois o governo havia
bloqueado novas vendas: não havia “sistema” suficiente. Carregava aquele
trambolho de quase meio quilo na cintura, e, quando havia sinal, ficava feliz com
aquela engenhoca ao receber um telefonema. É um vício insanável: nessa época,
morava em São Paulo na Vila Mariana e ia dar aulas na Usp (levava, acredite, 20
minutos dirigindo!), e cheguei a voltar do meio do caminho por conta do danado.
Retornei para buscar a engenhoca que havia esquecido! Droga perigosa, vicia no
primeiro contato!
Ora, não morrerei disso, pensei, vou apenas ficar
neurótico, com transtornos, e assumi o risco. Logo, chegavam os computadores
pessoais, os PCs (Personal Computers),
e eu comprei uma maravilha chamada TK3000, cuja memória era como uma pequena
fração de qualquer chip de celular. Depois, fiz o upgrade, passei para um glorioso XP, com aqueles dois disk drives flexíveis – Obs.: leitor, se
você não domina o inglês, ao menos de um pequeno vocabulário infame vai
precisar para sobreviver. Daí, um 286, depois 386, 486, a perder de vista.
Logo, o mundo se curvaria aos nossos pés: a Usp lançava,
no CCE (Centro de Computação Eletrônica), um curso fascinante para os docentes.
Fui de uma das primeira turmas, e o que aprendíamos era uma coisa do demo:
conversar via DOS (“Disk Operation System”), pois ainda não havia interfaces
gráficas, como o Windows ou Mac. Imaginávamos estar na Nasa, comandando
foguetes e invadindo espaços extraterrestres - todos apopléticos, mudos e
extasiados.
(Edição Abril) |
O vício me pegou de vez e fui levado a drogas mais
fortes. O Windows, os novos sistemas de e-mail, o ambiente gráfico... tudo
fascinante, um “admirável mundo novo”, lembrando Aldous Huxley, em seu romance
homônimo de 1932. Resisti, mas a tentação foi me possuindo e eu já me entregava
de corpo e alma. Tempos depois, vieram as primeiras redes sociais, a
comunicação instantânea com todos neste mundo, quem sabe até com outros?
Bill Gates: U$ 24 bilhões para programas de saúde infantil |
Dizem
que Bill Gates, ao morrer (é uma piada: ainda está vivíssimo, é filantropo e
adepto das causas humanitárias!), e, ao chegar a São Pedro, teve sua
contabilidade terrena avaliada: “vejamos”, disse o dono das chaves do Céu,
“você escravizou o mundo, ganhou oceanos de dinheiro impondo seus softwares,
viciando pessoas”. “Mas”, continuou o porteiro do Céu, “foi um grande amante do
ser humano, uma pessoa misericordiosa, não mediu fortunas para melhorar a vida
na Terra. “Não sei o que fazer”, continuou, “então vou lhe dar o direito de
escolha".
A visão do inferno de Gates |
"Ali na frente há duas salas. Na primeira, você verá em
um telão como é o Inferno, e, na outra, o Céu”. Sentado na antessala do
Inferno, Gates viu uma praia deslumbrante, bangalôs e coqueiros, mulheres
lindas, garçons servindo drinques exóticos, lindo por do sol, um paraíso
hedonista, do supremo prazer: o “dolce far niente”, o nada fazer dos
vagabundos, em bom português. Na outra sala, ele viu o Céu: no telão, casinhas
pequenas, pessoas vestidas de branco orando, regando pés de florezinhas coloridas,
passarinhos, paisagem bucólica. Gates não teve dúvida: “perdoe-me, mas vou
preferir o Inferno!”.
“Pois não, se é essa a sua escolha”, disse São Pedro,
puxando a alavanca de um alçapão que se abriu sob os pés. Caindo, vislumbrou
seu final: fogaréu, capetas, tridentes, cenas dantescas. Ainda deu tempo de
gritar: “Mas senhor, não era isso que estava no telão!”. E ouviu a voz
tunitroante (que soa como trovão) lá de cima: “desculpe, mas não percebeu que
aquilo era só um screen saver? (Proteção de tela, invenção a crédito do
próprio Gates).
Pois é, leitor. Termino
aqui com uma frase que ouvi há alguns anos: “a informática veio para resolver
problemas que antes nunca existiram”.
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