Em 1792, um ano
após a Morte de Mozart, Ludwig Van Beethoven muda-se para Viena. A cidade, após
a partida do gênio de Salzburg, acolheu o mestre de Bonn com a mesma
cordialidade, apesar de ele ser apenas um jovem talento, mas promissor aos 21
anos. Foi aceito como aluno de Joseph Haydn, entre outros, que lhe proporcionou
amplas perspectivas de crescimento musical. Cinco anos mais tarde, foi
constatada uma doença que lhe causou uma surdez degenerativa, e com a qual
deveria conviver e sofrer até o fim da vida. Dez anos depois de sua chegada à
capital da música europeia e duas sinfonias após, começa a escrever a sua
Sinfonia nº 3, ‘Eroica’, monumento musical que foi o grande marco do novo
caminho que haveria de trilhar.
Goethe e Beethoven (Adolf Karpellus) |
O
problema maior de Beethoven era o gênio, a personalidade impossível de se
lidar. Seu grande amigo Wolfgang von Goethe achava-o um sujeito absolutamente
intratável, e o perfil mal visto dava a Beethoven a fama de pessoa conturbada e
geradora de problemas. Suas várias mudanças deveram-se quase sempre a crises
com vizinhos e senhorios, seu comportamento indomável era o mote das frequentes
trocas de residência.
Fortepiano (1817) de Beethoven |
Quarto de Beethoven em Heilingenstadt |
O Testamento de Heilingenstadt |
Mesmo após o
isolamento em Heilingenstadt, Viena era um local onde a fama abria ao
compositor todas as portas, apesar de seus problemas de convívio e
intolerância. Seu pessimismo era outra marca, e bem o mostra o dia em que, ao
lado de seu grande amigo Goethe, passeando entre os belos e muito bem cuidados
arbustos e sebes da capital austríaca, resmungou que aquilo tudo lhe parecia um
bando de carneiros mortos. Um dia, em um sarau na casa do Conde Browne,
Beethoven apresentava seu aluno Ries ao pianoforte quando, diante do falatório
do Conde e convivas, que se refestelavam fartamente, foi-se embora, diz-se que aos resmungos.
Certa
vez, de braços com seu amigo de sempre, Goethe, viu a multidão e seu
companheiro curvarem-se em honra à imperatriz da Áustria, Maria Ludovica, cuja
carruagem se aproximava. Mas Beethoven não deu trela e continuou seu passo,
repreendendo Goethe pela subserviência. Conforme teria contado Beethoven
depois, em sua própria versão, a carruagem parou para que ele pudesse receber a
atenção da soberana e suas mais entusiasmadas deferências. O compositor já se
confundia com tudo e a todos, mas a cidade o tinha como grande trunfo.
Pois Beethoven continuou
com suas mudanças, sempre complicadas, uma espécie de sina interminável. Não
lhe importavam muito as coisas materiais, além do fortepiano, que era uma das
razões maiores de sua vida, instrumento no qual tocava e improvisava como
ninguém, e sobre ele esboçava suas obras cada vez mais complexas e grandiosas,
culminando na Sinfonia nº 9 -
ironicamente, para um deprimido, a “Ode à alegria”, cujo último
movimento traz um coral que entoa o lindo poema homônimo de Schiller. Apego a
lugares e coisas não eram afeitos ao seu estilo, mas todos sabiam que ali,
naquela cidade, estava um dos maiores gênios que o mundo já conhecera, e isso
lhes era motivo de júbilo. De mudança em mudança, era um misto de lenda e
malvisto cidadão, embora a certa altura já mais bem tolerado em função de sua
glória e seu nome, que ajudaram a guindar Viena ao patamar de centro da música
clássica e pré-romântica.
Um dia, um velho amigo por
acaso o encontrou, e disse que andava procurando-o desesperadamente, queria corresponder-se
com ele, mas não lhe sabia o endereço e ninguém conseguia informa-lo ao certo.
Perguntou-lhe para onde deveria endereçar suas cartas, para ter certeza. Disse-lhe
o compositor: “escreva apenas: Beethoven, Viena”.
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