Estive em NY não
muito tempo depois do ataque ao World Trade Center. Subi ao único ponto de
observação permitido na época, um saguão pouco acima de uma sobreloja vizinha.
Quem lá viveu aqueles trágicos acontecimentos descreveu-me cenas dantescas. As
pessoas ficavam apopléticas a ver a terra arrasada, compartilhando enorme
tristeza: o vazio profundo que restou depois da demolição dos prédios. Era só
silêncio. Lembrei-me da música do Gilberto Gil, “Se eu quiser falar com Deus”,
na voz de Elis Regina, a cappella
(sem acompanhamento) em que ela repete seguidamente a palavra ‘nada’.
Boston, MA, 2013 |
Saí dali com o
corpo pesado, lembrava os 4.300m de altitude no Pike’s Peak, no Colorado:
difícil caminhar e mais ainda descrever a sensação. Depois daquele dia onde
ainda restava em terraços vizinhos a fuligem e restos de pedaços de pessoas que
restaram do 9/11, entendi o excesso de zelo com a segurança no país. Saindo de
Richmond, Virginia, em cuja Universidade fui dar uma palestra, para entrar no voo para NY, tive de responder a um questionário agressivo no
aeroporto. Minhas coisas foram reviradas ao avesso, e ainda tive de submeter-me
a humilhante inspeção, seminu por trás de um biombo, antes de pegar o voo.
Repetia na cabeça o mantra de que tudo era para minha própria segurança, havia
um estado de guerra. E o clima do 9/11 ainda voltaria recidivo na Maratona de
Boston de 2013.
A Bela Richmond University, local de minha palestra |
De volta ao Brasil,
já no aeroporto de Cumbica, senti-me aliviado, e feliz quando avistei minha
bagagem na esteira. Ao pegá-la, reparei que o zíper havia sido cortado por uma
lâmina, e uma série de faixas adesivas a amarravam: baggage inspected. Ainda tenso com a neurose dos policiais e
funcionários dos aeroportos e uma sensação contraditória de que toda aquela
paranoia era necessária à proteção de todos, resignei-me. Um alemão da
orquestra de Desden havia me presenteado com uma pesquisa que escrevera sobre
Dittersdorf, mas o livro chegou todo amassado entre as roupas e os poucos
souvenirs. Pensei nas vítimas do episódio, e no que poderia ter sido evitado se
precauções tivessem sido tomadas com antecedência. Mas ninguém tinha bola de
cristal para prever o ataque do 9/11.
Café da boa e velha Montparnasse |
Mais uma tragédia, agora
na França. A primeira da série, em 2011, a que se seguiu o ataque ao
hebdomanário Charlie, em janeiro deste ano, e por fim a mais recente, da sexta-feira,
13 de novembro de 2015. Paris não será mais, por algum tempo, uma festa,
contrariando o Paris, c’est une fête
do escritor norte-americano Ernest Hemingway (1899-1861), que no título deste
artigo li ao revés. No passado, reunia-se em cafés e bistrôs
na Montmartre la crème de la crème,
a nata dos intelectuais e artistas. Toulouse Lautrec, Dali, Mondrian, Van Gogh,
Stravinsky, Picasso e Chopin, em grupos, por vez ou aos seus tempos,
tomavam cafezinhos ou absinto, regados a charutos e a melhor cultura. Era a
efervescência cultural que germinou dos ecos do iluminismo e floresceu no
século 19 pós-revolução, até bem entrado o século 20.
Le Carrillon: tristeza no lugar da alegria |
Em meia dúzia de
locais do recente ataque havia ‘points’ da jovem boemia, bares e casas de
shows. O número de mortos crescia a cada nova descoberta, e a conta parecia não
fechar. Pelo menos 11 ataques foram cuidadosamente planejados e sincronizados
em pontos nevrálgicos da capital francesa: os bares e restaurantes Le
Carrillon, Le Petit Cambodge e La Bonne Bière, ficam nos arredores da Praça da
República, e o maior alvo, Le Bataclan, e o La Belle Équipe, situam-se próximos
à Praça da Bastilha, símbolo da derrubada da monarquia pela revolução francesa.
Fora as bombas no imponente Estádio da França, onde o presidente François
Hollande assistia a um jogo de futebol entre seu país e a Alemanha. Na vaga
lembrança do 9/11, imagino o que devia estar sentindo minha irmã, Ofélia, que
ainda estava em Paris até que, no dia 18/11, recebi uma mensagem, à noite, retornando de São Paulo após uma cerimônia, informando que chegara ao Rio. Minha filha Marta, que mora em Londres, e eu, ficamos apreensivos com o jogo de futebol do dia 17. Porém, em uma demonstração de união e exemplo à sua nação, compareceram o primeiro-ministro David Cameron e o príncipe Philip, da família real. Bem diferente de uma chefe da nação que mandou levantar um muro para conter simples manifestantes em um desfile cívico.
Jovens fanáticos de um falso estado islâmico |
Estragando a festa parisiense, os ataques foram cruéis e aterrorizantes.
Os criminosos eram, em grande maioria, jovens. Seus grandes alvos foram locais
de convivência de jovens pacíficos. Coincidência? Jovens terroristas atacaram suas vítimas
liberais, gente curtida e intelectualizada. Esses fanáticos e inversamente
ultrarreacionários e radicais instalaram-se em países europeus, treinam e
doutrinam seus filhos no ódio e nas armas. Uma analogia parece inevitável, com a
2ª Grande Guerra, que foi um câncer focado em lugares conhecidos e alvos
precisos, que a partir da união de Roosevelt, De Gaulle, Churchill e Stalin
pôde ser tratado de maneira pontual e radioterápica.
Churchill, Roosevelt e Stalin: o fim da 2ª Grande Guerra |
Por outro lado, o que vivemos hoje é uma grande e descontrolada
metástese que se espalhou por boa parte do mundo. Ao contrário da 2ª Guerra, a
nova praga surge disseminada, enquanto alguns equivocados aproveitam para destilar
seu ódio generalizado lançando-o contra os fiéis que nada têm a ver com o
fanatismo que usa em vão o nome de Alá – ou Deus, tanto para muçulmanos quanto
judeus e cristãos de língua árabe - pelo Al-Qaeda, os Jihadistas, EI (ex-Isis) e
outros grupos de terroristas suicidas alucinados.
Francisco e o símbolo do Agnus Dei |
“Corão é um livro de paz”, disse sobre a necessidade de os líderes
muçulmanos condenarem o terrorismo, ao qual o Islã não pode ser associado. Palavras
do Papa Francisco (fonte: Agência Ecclesia).
"Teremos luzes, festas, Francisco lembrou a aproximação do Natal, mas disse que todos os preparativos não irão refletir a verdade. Árvores luminosas e presépio. Tudo falso: o mundo continua fazendo guerras”. (Francisco, Agência AP)
A França, que tem orgulho de seu hino A Marselhesa, escrito para a tomada da Bastilha, brada a todo momento seu l’étandard sanglant est levé (a bandeira sangrando está erguida), de um longo passado de guerras. O país é preparado para defesa e ataque, e já costura apoio do mesmo bloco de grandes potências que, ao se juntarem, selaram o destino da Segunda Guerra.
"Teremos luzes, festas, Francisco lembrou a aproximação do Natal, mas disse que todos os preparativos não irão refletir a verdade. Árvores luminosas e presépio. Tudo falso: o mundo continua fazendo guerras”. (Francisco, Agência AP)
A França, que tem orgulho de seu hino A Marselhesa, escrito para a tomada da Bastilha, brada a todo momento seu l’étandard sanglant est levé (a bandeira sangrando está erguida), de um longo passado de guerras. O país é preparado para defesa e ataque, e já costura apoio do mesmo bloco de grandes potências que, ao se juntarem, selaram o destino da Segunda Guerra.
Caças russos em 17/11/15 |
A participação da Rússia, dia 17 de novembro, nos ataques aos foco do
EI, mostrou que se caminha em uma direção que parece a única, no momento. Não
há como vislumbrar acordo, armistício ou diálogo com quem não está disposto a
outra coisa senão matar. O jogo amistoso de ontem, em Londres, apesar de toda a
segurança que o cercou, além de ser uma linda homenagem, trouxe dois de seus
símbolos, o premiê Cameron, e Philip, neto da Rainha, para assisti-lo, sem medo
mas sabendo que haveria riscos.
Tomara que a história, dessa vez, não siga a máxima do velho pensador
alemão, e assim não se repita como farsa. O que acontecerá a partir de agora é
imprevisível, mas urge um chega, já, basta! Antes que a estupidez se expanda e
espalhe sua luta insana nos centros, ruas e becos, campos e montanhas,
plantações e indústrias, inundando como lava de uma gigantesca napalm
de pânico. Que Deus nos abençoe.
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