Joseph Haydn (1732-1809) compôs sua ‘Sinfonia do Adeus’ (Também
conhecida como Farewell Symphony), de
nº 45, em Fá sustenido menor, no ano de 1772, conforme consta no manuscrito do
autor (das raras obras escritas nessa tonalidade incomum, no século 18). O
próprio Haydn contou a história (que adiante passo a narrar) com ricos
detalhes, aos seus biógrafos Georg August e Albert Dies, sobre como a peça foi
concebida e executada, e a deliciosa esperteza escondida por trás dela.
Príncipe Esterházy |
O benfeitor de Haydn, príncipe Esterházy, contratara o
compositor como residente, às suas ordens, preço de seu generoso mecenato.
Sabe-se que Haydn era franzino, mal vestido, simplório, e quando o príncipe o
chamou para “fechar o acordo” de trabalho, exigiu que ele arrumasse uma peruca,
usasse salto alto, pó de arroz, e deu-lhe anéis e roupas ricas, para ficar à
altura do cargo (os músicos chamavam-no “velha peruca” aos sussurros nos
bastidores e corredores).
Sala de concertos do palácio Eszterháza (hoje Sala Haydn) |
Como residente, Haydn foi “convidado” com seus músicos a ir alegrar
os dias do príncipe com sua orquestra no castelo nobre de verão, uma espécie de
residência de campo em Eszterháza, na Hungria. Só que a estadia já se
prolongava por demais, e os músicos estavam irritados por terem deixado suas
famílias sozinhas, incomunicáveis, e cada rara breve visita lhes custava três
dias, um esforço enorme.
Manuscrito de Haydn de trecho da Sinfonia |
Decidiram, tomando coragem, chamar Haydn para ajuda-los. O Kappelmeister (mestre de capela, maestro),
para não bater de frente com o príncipe, temendo por seu emprego mas bom líder,
decidiu fazer uma brincadeira musical para mandar um recado, o que fez a popular obra
mais conhecida pelo truque engenhoso para dobrar Esterházy do que por sua
beleza: compôs a inusitada ‘Sinfonia do Adeus’, e inovou. Alterou instrumentos,
a exemplo das trompas, que receberam uma espécie de extensor no tubo, para
alcançarem as notas mais graves.
Adagio final: saída dos músicos |
Com a orquestra à luz de velas sobre os suportes das partituras,
no adagio final – outra inovação -, os músicos se retiram apagando cada um a
sua, um por vez, conforme a exige a partitura. Saem na ordem o primeiro oboé
e a segunda trompa, depois o segundo oboé e a primeira trompa, contrabaixo,
violoncelo, seção inteira de violinos, viola. Restaram
apenas o Kappelmeister Haydn e
Tomasini, seu spalla, tocando
suavemente seus violinos com surdinas (abafadores), o som esmaecendo, até se
retirarem. O Príncipe, culto e inteligente, docilmente entendeu a mensagem: sem
dizer nada, no dia seguinte voltava com todos para Eisenstadt, na Áustria.
Edu Lobo |
O nosso brilhante Edu Lobo compôs uma preciosidade melódica e
harmônica sobre poesia de Torquato Neto, letra de riqueza e simplicidade
ímpares: “Pra dizer adeus”, gravada por um sem-número de artistas. O desenho
harmônico, a linha de baixo descendente em progressão de acordes dissonantes,
uma das melhores canções de fossa do nosso repertório popular: “Adeus / vou pra
não voltar / e onde quer que eu vá / sei que vou sozinho /(...) nem é bom
pensar / que eu não volto mais / desse meu caminho”. É de fazer chorar qualquer
amada – ou amado, já que diversas mulheres também a tenham gravado, a exemplo
de Elis, Zizi Possi, Nana Caymmi e Betânia, tornando mais suave o canto de dor
ao abandonar o parceiro.
O aceno de adeus, dizem alguns antropólogos, surgiu de saudação
militar, como hoje a continência. Outros, mais específicos e remontando a
tempos mais longínquos, citam o emprego da mão espalmada do sentinela do
vilarejo a alguém que se aproximasse, sinalizando que era para o visitante
parar. Este deveria dizer seu nome, de onde veio e o que queria ali. Uma vez consentido,
o vigia mandava-o entrar - ou acenava para o estranho, sinal de que podia ir
embora dali. Alguns creditam a origem do gesto aos alemães. Polivalente, o
aceno também se tornou uma maneira universal de ser visto ao longe, de chamar a
atenção.
Claro, há diversos estilos. O aceno político, como os famosos de
Kennedy, JK, Obama, Churchill e outros (não confundir com as rígidas saudações
nazistas, fascistas ou o anauê integralista). Às vezes é o charme, mostrando um
belo braço feminino, como o aceno de uma Gisele Bündchen ou uma Sharon Stone.
Há os acenos dos nobres, como os dos reis da Suécia e o da
Rainha da Inglaterra, sem levantar muito a mão, um mínimo gesto cordial para
seus súditos, gentil reverência, bastando para isso dedicar ao ato um
discreto movimento a pouca altura, como fosse uma bênção generosamente concedida.
Acenos também servem para mostrar-se na multidão, uma espécie de “olha, eu
estou aqui”.
Mas o gesto simboliza principalmente, no mundo inteiro, a despedida,
e me vem à memória a linda Teletema, de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar,
perfilando com a imortal música do Edu Lobo: “Rumo / estrada turva / sou
despedida / por entre lenços brancos de partida / em cada curva / sem ter você
/ vou mais só”.
O adeus de Milton (por Fabrício) |
Como palavra, o adeus é universal: goodbye, au revoir, see you, adiós, tchau, adieu, so long, addio, privyet, auf Wiedersehen, com suas variáveis em
todas as línguas. Mas não podemos nos esquecer do aceno irônico, do gênero “já
vai tarde”. Mas esse “já vai tarde” é do adeus de uma despedida que é reverso
da saudade, é o adeus de quem não sentirá a falta de quem vai, um discreto
“seja feliz e me esqueça” como cantou decidido Milton Nascimento: “Se você não
me queria / não devia me procurar / não devia me iludir / (...) você arruinou a
minha vida / me deixa em paz”.
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