José estava
feliz. Depois de amenizada a dor da perda do pai (sua mãe havia partido anos
antes), chegara a hora de receber o imóvel, o único bem que lhe fora deixado de
herança. Foram anos de inventários, despesas com advogado, documentos, cartórios,
um vaivém e bate-pernas sem fim. Próxima etapa, passar o imóvel para seu nome e
vende-lo, para cobrir despesas e dívidas pessoais – afinal, a maré não está
para peixe. Ao fazer a pesquisa da documentação necessária, descobriu uma
execução fiscal em nome de seu pai. Já bem idoso, havia se esquecido de fazer a
declaração de renda durante quatro anos, o que significava um débito de 30 mil
reais. José levantou um empréstimo bancário, financiou a despesa e saldou a
conta – afinal, tudo dependia disso. (Herdeiros recebem não apenas os bens, mas
também as dívidas).
Depois
dessas despesas, José deu entrada na documentação em cartório. Exigiram muitos
documentos, e como mora no Rio, a coisa era ainda mais complicada. Para averbar
a casa em seu nome, tinha de pagar 4,5% de ITCMD (Imposto sobre Transmissão
Causa Mortis e Doação), pela tabela de mercado do próprio estado, e não por
valor declarado ou valor venal. O ITBI municipal, de 2%, passa a acompanhar o valor
do estado, totalizando 6,5% sobre o valor do imóvel a preços oficiais, de R$
700 mil A sorte lhe sorriu!
Uma
estação de metrô será inaugurada a 150m do imóvel, o que fez seu valor ser
catapultado de R$ 195.200 (valores de hoje, pois haviam sido pagos 50 mil em
1996) para R$ 700 mil. O pai sem saber havia feito um grande investimento, ganhou
na loteria, pensou ele. Mas, no cartório, ITCMD e IBTI somaram R$ 45.500 (6,5%
sobre 700 mil)! Desta vez, vendera o carro e a moto do filho, para ajudar, e precisou
de outro empréstimo. Quando os gastos já alcançavam R$ 75 mil (execução fiscal da
Receita mais os impostos acima), soube que ainda haveria mais: 2,5% de
laudêmio, imposto a crédito da Marinha, ou seja, a União, coisa instituída pela
enfiteuse, em meados do século 19. Em Petrópolis, esse imposto ainda é devido à
Família Real – sim, acredite, 127 anos após defenestrada por Deodoro -, e à
conta do José já se somavam outros quase R$ 17.500, totalizando R$ 92.500!
Mas
José não sabia que ainda teria de pagar outros penduricalhos que, juntos, levam
sua despesa muito mais longe: No Rio, paga-se
20% para o FETJ (Fundo Especial do Tribunal de Justiça), assim
distribuídos: 5% para o FUNPERJ (Fundo Especial da Procuradoria Geral), mais 5%
do FUNDPERJ (Fundo Especial da Defensoria Pública Geral), 4% do FUNARPEN/RJ
(Fundo de Apoio aos Registradores Civis das Pessoas Naturais), e uma caixinha
de R$10,86, por cada ato praticado, sejam quantos forem, divididos igualmente
para a Mútua dos Magistrados do Estado, a Caixa de Assistência do Ministério
Público, a Caixa de Assistência dos Procuradores do Estado, a Caixa de
Assistência aos Membros da Assistência Judiciária, a ANOREG/RJ
(Associação dos Notários e Registradores), ACOTERJ (Associação dos
Conselheiros dos Tribunais de Contas do Estado e dos Munícipios). Paga-se ainda
R$15,63 para cada consulta ao BIB (Banco de Indisponibilidades de Bens). Total: R$ 95 mil.
Pronto, José, você pode se
acalmar, não se deixe levar por essa metamorfose que está te corroendo,
amargurando, transformando-o não em outra pessoa, mas em algum animal, talvez, um
estranho que a tudo vê com ódio e desconfiança. Sinto muito, amigo, porém tem mais
- e más - notícias para você, e tem de ser rápido!
Você tem até o último dia do
mês seguinte da venda para declará-la ao fisco, pois o leão anda faminto e desenjaulado.
Você tem de pagar ainda o GCAP, imposto sobre ganhos de capital, que trabalha
com percentuais de 15, 20 ou 30%. Mas não se aflija, a Receita tem um
programinha gratuito que faz o cálculo para você. Só mais uma notícia ruim, e
paro por aqui, não quero lhe deixar mais amargurado do que já deve estar.
Conforme a Medida Provisória
editada pelo governo em 2015, vai pagar 15% sobre o lucro imobiliário que você nunca
teve. Pior notícia, José, conto de uma vez: não se calcula correção monetária,
deixaram de considera-la a partir de 1996, quando seu falecido pai adquiriu,
com muito esforço, o imóvel por R$ 50 mil. Se você vendê-lo pelos R$ 700 mil de
mercado, seu lucro imobiliário terá sido – acredite – de R$ 650 mil (700-50)! O
maravilhoso aplicativo disponibilizado pela Receita faz os cálculos por você, é
só ir preenchendo, para chegar ao seu imposto no valor dos 15%, ou seja, R$
97.500. Fique sentado, José, sua conta chegou a R$ 190 mil no final! Sei que
você ficou pendurado em dívidas, papagaios, sem carro, e sua vida se tornou um
inferno.
Mal dorme, o mercado de
imóveis anda ruim, você está endividado e só tem uma oferta de compra: R$ 500
mil, e deve pegá-la pois o tempo é implacável, o interessado pode comprar outro,
a maré já anda ruim para você. Por outro lado, amigo, recebendo menos, seu
lucro imobiliário baixou para R$ 75 mil, por conseguinte sua despesa total foi
de apenas R$ 167.500! Subtraindo esse valor do preço de venda, restam-lhe R$ 332.500.
Mas como? Gastou R$ 15 mil com aqueles reparos urgentes, telhas, fiação, pintura
completa e encanamentos? Então esqueça-se do valor já achatado de R$ 500 mil e
resigne-se com sua sobra de R$ 317.500, menos da metade do que pretendia
receber.
E agora, José? Leia menos Kafka e mais Drummond, deleite-se
com a poesia e vá ser gauche na vida. Não se deixe virar um inseto esmagado por
esses números!
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