(Entropia, nas ciências exatas: desordem)
Não sou muito de ler artigos não-assinados dos editoriais dos grandes
jornais. Mas um, no dia 4 de agosto em O Estado (“A justiça e os baderneiros”),
chamou-me a atenção sobre um tema a que já me dediquei a escrever ao menos duas
vezes. Em geral, textos assinados têm um perfil mais identificável, pois, sabendo-se
quem os escreve melhor compreendemos a posição do autor, o que nos possibilita
usar os ‘filtros’ que quisermos, ao passo que os vários editoriais dos grandes refletem
a opinião do jornal, permitidas certas variações.
Palácio da Justiça, Campinas |
Na mesma época em que alunos invadiram o Conselho Universitário (CO) da
Unicamp e fizeram piquetes para impedir as aulas, o professor Serguei Popov, que
ficou conhecido do público por uma matéria de telejornal de uma grande emissora,
não se conformou em ver seus caprichados cálculos na lousa serem apagados por
um rapazinho como se fossem desenhos do tipo scraps (algo como rabiscos
distraídos). Pois aqueles complexos cálculos haviam sido meticulosamente
grafados por um cientista que poderia lecionar em universidades americanas. Popov,
premiadíssimo brasileiro de origem russa, fluente em seis idiomas e que nos dá o
privilégio de tê-lo como titular do IMEC/Unicamp, traz na bagagem PHDs e diversos
títulos da Universidade de Moscou, emoldurados por dezenas de publicações. Na
reportagem, o professor aparece humilhado por um garotinho sonso e quase
imberbe – coordenador do DCE! - que, em vez de fazer traquinagens sem causa em meio
a horríveis batucadas, melhor estaria agradecendo à sua universidade a chance
de ter o matemático como mestre, mesmo que em uma outra unidade que não a sua, já que ele veio de outro Instituto.
Negando-se a ser humilhado e em defesa de seu direito de trabalhar, Popov
entrou com ação na Justiça, cujo despacho determinou também a retirada de
postagens ofensivas sobre o professor das redes sociais, sob pena de multa de
R$ 1.000,00 diários. Isso levou a maioria dos alunos – seria essa uma maioria até
então silenciosa, antes mercê de minoria radical? – a tomar uma posição e determinar
o encerramento da “parede” e retomada das aulas, o que aconteceu em parte. A crise gerou um racha sem precedentes, processos judiciais e sindicância para expulsão de alunos. O "estudante do apagador" se acha vítima, porque é cotista e "negro" (declarado).
USP |
Nas “três públicas” estaduais as agressões, perturbações, depredações, vandalismos,
humilhações e piquetes chegaram a níveis insuportáveis. Agiam em nome de uma obtusa
“democracia direta”, e, parecendo seguir uma cartilha fascista (apenas
parecendo, porque sequer devem saber o que seja, hoje compartilham outras
cartilhas pré-fabricadas), acham que quem contraria a decisão de sua minguada e
radical minoria é que está errado. Do texto do jornal, extraio outra observação
fundamental sobre o tema, que vai ao cerne da questão: que as reivindicações
“foram formuladas para não serem atendidas!”
Gastos com a falha de pagamentos da Unicamp com relação aos repasses do ICMS e, abaixo, as "reivindicações" dos alunos grevistas. (Folha, Cotidiano, 11 ago 2016) |
(Reprod. EPTV) |
Cientes da crise que se abate sobre o país e ameaça abater, literalmente,
as universidades, querem aumentos salariais irreais para servidores, creches,
“mais alojamentos e restaurantes”. Simples assim. Isso, com o custeio e a máquina
dos salários ceifando até os fundos de reserva e verbas de pesquisa. E mais: pensam
que qualquer menção à legislação e à Constituição seria uma “criminalização” do
movimento estudantil, como se a agitação de sua nau sem rumo flutuasse acima da
lei, intocável. A Constituição Federal, nunca é demais lembrar, estabelece que
“todos são iguais perante a lei”. O texto do jornal cita ainda o “arremedo de
democracia direta como manto que oculta a defesa de ideologias autoritárias”.
As palavras são certeiras, e o assunto deve abrir espaço para muitas reflexões.
Calouros |
Sou docente com tempo avançado de USP, e tenho visto de tudo. Mesmo em
afastamento, acompanho todo esse processo que gira em espiral sobre si mesmo, e
o faço agregando as preocupações naturais por meus dois filhos uspianos - uma
da Química, que se forma este ano, e que já me deixou seriamente apreensivo com
a violência no campus algumas vezes, e outro, calouro da Engenharia de
Materiais. Por sorte, essas unidades têm muito melhor consciência dos fatos e da
preocupante situação da universidade, chegando no máximo a um tíbio e formal apoio.
Quando necessário, recorreram até a “aulas clandestinas”, para evitar a
interrupção do trabalho e estudos ante o patrulhamento impiedoso das minorias.
Daniel Cohn-Bendit, "Dani, le Rouge", em Paris,1968 |
Temos – enquanto o país e o estado suportarem – um ensino público e
gratuito, as bolsas de pesquisa que ainda restam e o melhor ensino da América
Latina. Para os pobres que logram ingressar e conseguem sobreviver estudando,
assim como para os poucos ricos que - sem generalizar, por favor - são os que
podem se dar ao luxo de se imaginarem líderes franceses de 1968, se preciso estendendo-se
mais um ou dois anos em seus estudos, e se chegarem alguma hora a se formar, deixarão
visível em seu histórico a marca da desigualdade que apregoam combater.
Nenhum comentário:
Postar um comentário