New Orleans foi o berço de tudo. O
caldeirão onde todas as coisas e pessoas se misturavam, como sintetiza o relato
de James Creecy (que lembra música do Caymmi), após visitar a cidade: “Você já
esteve em New Orleans? Se não, melhor ir”. “Franceses, espanhóis, indianos, créoles (mestiços descendentes dos
colonizadores franceses), mulatos, ianques, gente de Kentucky, Tennessee. (...)
Navios, arcas, barcos a vapor, ladrões, piratas, jacarés (...). Gigolôs,
prostitutas, pessoas inferiores e toda sorte de gente suja...”
Antonín Dvorak |
Nesse ambiente cresceu o jazz, nascido no
mundo que desde sempre o embalou. Um turista francês comentou que no inverno
eles dançam para se aquecer, e no verão para se refrescarem, dando a dizer que
a cidade era uma eterna festa. Antonín Dvorak mudou-se para os EUA, para
dirigir o Conservatório Nacional de Música, em 1892, e queria conhecer o que
andavam tocando na América. Bebeu do jazz e do folclore dos EUA na Sinfonia nº
9, chamada “Do Novo Mundo”, e chegou a Stravinsky.
Os Oito Batutas |
No Brasil, entre outros, era presente em Pixinguinha
com seus Oito Batutas, choro com formação à maneira de Dixieland (o nome vem da
música Dixie, de Daniel Emmet),
gênero de jazz na verdade iniciado por brancos mas abraçado por todos em combos,
pequenos conjuntos.
Mardi Gras |
Em New Orleans, até hoje existe o tradicionalíssimo
Carnaval (Mardi-Gras, terça-feira
gorda), trazido pelos franceses, que tomou contornos únicos na cidade, uma atração
turística e tanto. As bandas de Dixie tocavam em bailes, casamentos e até
funerais. Quando Louis Armstrong cantou o hino gospel “Quando os Santos vão
caminhando” (When the Saints go Marchin’
in), emocionou o mundo:
Louis Armstrong |
“Ó Senhor, eu quero fazer parte desta
multidão / quando o sol começa a brilhar / Ó Senhor / eu quero fazer parte
dessa multidão” (trad. livre do A.), música gravada em inúmeros estilos por
incontáveis artistas). Havia orquestras como a de Buddy Bolden e bandas como a
de Papa Jack Laine no início do século 20. Jelly Roll Morton também foi um dos bambas
desse início.
O Ragtime (de ragged time, lit. tempo rasgado) surgiu no final do séc. 19 e
consolidou-se com Scott Joplin, sendo o gênero um dos grandes alicerces do
jazz.
Eagle Band, 1916 |
Sidney Bechet, The Eagle Band, Woodland
Band, nomes proliferavam na cidade que era efervescência pura, tudo com inspiração
nos escravos negros sulinos das plantações de algodão e seus blues: “Tempo de
Verão (Summertime), e sua vida é fácil / os peixes saltam/ e o algodão se ergue
alto / Seu papai está rico e sua mamãe é bonita / então corra, bebezinho, você
sabe, não chore”.
Duke Ellington Orchestra |
A partir daí, o gênero se espalhou: na
Chicago dos anos 1920, palco do crime organizado, predominava o jazz
tradicional, como o de Morton e Armstrong, mas depois de certa decadência, reavivou-o
o Dixieland, por volta de 1940. Vieram orquestras, como as de Benny Goodman,
Count Basie e Duke Ellington, ao estilo swing,
e nomes como Art Tatum, Coleman Hawkins e as divas do blues, Billie Holiday e
Bessie Smith.
Bill Evans |
O impressionismo francês, como o de Debussy,
passou a influenciar o jazz branco de David Brubeck e o grande pianista Bill
Evans, do chamado cool jazz. Evans esteve
no Brasil e, no Antonio’s, no Leblon carioca, conseguiu atrair os grandes da
bossa, como João Donato e Tom Jobim, em uma grande “canja”. Mas o gênero jazz não
acabava mais, houve o bebop, o cool, o latin jazz, o jazz fusion - fusão com o
pop ou rock - e por aí vai.
O jovem Carlos Lyra (Divulgação) |
“Influência do jazz”, de
Carlos Lyra, foi uma música que marcou época ao falar brincando das críticas ao
suposto “excesso” de jazz em nossa bossa-nova – que, aliás, já nasceu cool, nos apartamentos da zona Sul
Carioca: “Pobre samba meu / foi se misturando, se modernizando e se perdeu / (...)
mudou de repente / influência do jazz / quase que morreu”. Mas a mistura nem
era nova, só mudaram conceitos, harmonia, improvisação e outros elementos. O
famoso concerto de estreia da Bossa no Carnegie Hall, em NY em 1962, passou a atrair
toda a música popular americana, a exemplo de Stan Getz e Charlie Byrd.
Carnegie Hall, 1962: Bossa-Nova para os americanos |
No aeroporto, os bossanovistas foram
recepcionados por alguns grandes nomes do jazz. No concerto, estrelaram Jobim,
João Gilberto, Menescal, Bonfá e trupe, enquanto mitos como Tony Bennet, Miles
Davis, Gerry Mulligan, The Modern Jazz Quartet e Cannonball Adderley sentavam-se
entre as 3 mil pessoas que lotavam a plateia.
Villa-Lobos |
Verdade que a música francesa da virada do
séc. 19 para 20 foi decisiva para a formação de Jobim, além de Villa-Lobos, seu
“norte”. Os franceses incrementaram suas harmonias, acordes complexos,
dissonantes, com notas agregadas, inversões, tudo o que a modernidade europeia da
virada do século 19 para 20 trouxe, mas o espírito do jazz prevaleceu na bossa-nova
(Noel Rosa cantou, em 1930, “...e outras bossas / são coisas nossas” - parece
que preconizando o que estava por vir e mudar nossa música de vez).
Vinicius e Tom Jobim |
“Chega de Saudade” é tida como o grande
marco inicial. Letra de Vinicius e música sublime de Jobim, começa em Ré menor,
tonalidade lamentosa, e fala “Vai, minha tristeza”. Passa para um alegre Ré
maior, quando desperta felicidade no compositor: “Mas, se ela voltar, se ela
voltar, que coisa linda, que coisa louca...”. Tudo adornado com acordes fora das
tríades (três notas) tradicionais, e carregados com 4 ou 5 sons, sem falar nos 15
acordes diferentes apenas na primeira estrofe.
O
samba continua, a bossa continua, a MPB vem, traz o Tropicalismo, e nossa boa música
sobrevive até a aventuras e modismos de péssimo gosto para fazer dinheiro. Salve
a grande música brasileira!
Influência do Jazz, de Carlos Lyra
Nenhum comentário:
Postar um comentário