Parto Leboyer |
Diz-se
que a formação da personalidade da criança se inicia quando ela vê a luz - “dar
à luz”: entregar um bebê à claridade, em contraponto com o escuro anterior. Mas
sabe-se também que ainda na gestação o bebê ouve, e bem. O obstetra francês
Frédérik Leboyer, autor de Nascimento sem Violência (Pour une Naissance sans Violence), pregava o parto mais suave
possível: dentro de uma pequena banheira, de forma a se minimizar a transição do
líquido amniótico para o contato direto com o ar. Houve ainda quem agregasse sons
absolutamente suaves: um bem agudo, semelhante ao do sistema nervoso, e outro
grave, como o do circulatório da mãe, para a melhor passagem do ventre materno para
o mundo exterior.
No
berçário, esses sons teriam feito, segundo os cientistas, a suave viagem entre
o mundo da placenta e o externo. Outros experimentos foram realizados, e os
resultados surpreenderam: no Canadá, pesquisadores separaram recém-nascidos em
três grupos. Um que ouvia Mozart, outro que escutava coisas bem mais simples
(medievais, por exemplo) e um grupo “placebo”, que não ouviu nada.
Depois
de algum tempo, os três grupos ficavam juntos, e ao escutarem a música mais
simples, a renascentista, o segundo grupo, que a ouvira, reagiu como se
reconhecesse aqueles sons, mas sem muito entusiasmo. Os bebês que ouviram
Mozart pareciam reagir com vivacidade à música, enquanto o grupo “placebo” (que
ficou no silêncio) demonstrava certa indiferença em geral. Mas quer dizer que
os bebês reconhecem Mozart? É mais ou menos por aí. Outro experimento, em uma
granja nos EUA, revelou que galinhas poedeiras produziam mais ouvindo Mozart do
que as que não ouviam nada. Crianças expostas ao som de Mozart por um período
de tempo mostraram resultados melhores em testes de QI do que, em geral, as que
não ouviram nada.
Tommy e seu bongô |
Minha
filha mais velha, Marta, ouviu Mozart pelos headphones encostados na barriga da
sua mamãe; depois de nascer, foi por um aparelho que levei para o quarto. E
assim tem sido em sua vida inteira, agora doutorando-se em música em Londres,
onde nasceu meu netinho Tommy – este, efeito do próprio ambiente doméstico, também
mostra certo entusiasmo por músicas bem complexas, como o romântico Brahms,
chegando a acompanhar a 1ª sinfonia do alemão com gestos cadenciados, como se
regesse. É bom nunca subestimar a audição de um bebê, e penso novamente em
minha filha quando lembro que ela, antes mesmo de falar, cantarolava coisas
simples como “Terezinha de Jesus” sempre na tonalidade em que aprendeu, ré
menor!
Mozart conduzindo um ensaio |
É de
se perder de vista o número de experiências feitas com música, especialmente
Mozart. Chamado “o predileto dos deuses”, foi um prodígio que se apresentava
para a nobreza aos cinco anos, idade em que compôs suas primeiras peças, daí em
diante transbordando produção. E sua música é uma inconfundível trama plena de
mistérios.
À esquerda: no silêncio. À direita: ouvindo música |
A boa
música exige um raciocínio interior involuntário cujos efeitos são estudados de
há muito, mas não há conclusões comprovadamente definitivas. Médicos que ouviam
um suave Mozart durante o trabalho estressante de cirurgias complexas apresentavam
batimentos cardíacos menos acelerados, demonstrando que os cirurgiões ouvintes da
boa música ficavam menos tensos.
Outro
dia, uma amiga que toca e leciona flauta relatou que uma criança, sua aluna,
fazia tratamento psicológico e que sua mãe tinha começado a introduzir a música
de Mozart em casa, por conselho - sábio! – da terapeuta. E logo sentiu o resultado
em suas aulas de música! A musicoterapia tem feito avanços nesse sentido. O
bardo Shakespeare dizia que o homem que não gosta de música não merece
confiança, em uma versão medieval para o nosso “quem não gosta de samba / bom
sujeito não é / é ruim da cabeça / ou doente do pé”. Agressões físicas são
relativamente comuns em escolas públicas e particulares, mas em minha vida
dirigindo unidades de música (desde 1989!) nunca vi uma cena de violência acontecer.
Isso quer dizer alguma coisa, porém, como já disse, apenas constato, não
consigo explicar.
Exame audiométrico: perda acentuada a 1.000 Hz |
Claro,
um fator de suma importância é a qualidade da música. Se obras clássicas ou
música popular da melhor qualidade se traduzem em crianças mais sadias, as que ouvem
a pior “música” em alto volume e ruídos “bombando”, têm o batimento cardíaco
mais acelerado, e costumam ser mais agressivas. Estudos sobre excesso de ruídos
e alto volume já constataram, de órgãos da Saúde às universidades de todo o
mundo, o PAIR (Perda Auditiva por Indução de Ruído), dano neurossensorial irreversível,
stress, doenças coronarianas, desempenho mais fraco nos estudos ou no trabalho,
hipertensão, mau humor e insônia, entre outros. Já uma boa música mais suave,
seja ela clássica, MPB ou um rock de boa qualidade ajuda a tornar as pessoas
mais alegres, sociáveis, educadas e calmas.
Decibelímetro: acima de 70dB, em ruído constante: zona de perigo |
O
exemplo vem sempre de casa. Seus filhos são o que você ouve e o que você
assiste na TV. Se seguem o que ouvem na rua, o lar serve de contraponto, ao
menos, como saudável refúgio. O costume cria o hábito e leva ao bom gosto, e o
som, como parte desse ambiente, afeta o comportamento para melhor. Um local de
trabalho silencioso ou com música suave induz a maior produtividade. Proteger o
meio ambiente não é só defender a natureza e a pureza do ar e da água, é também
evitar poluição sonora. Todos seus efeitos nocivos afetam a vida e o bem-estar dos
cidadãos. Ou para o bem, como a boa música, desde que nascem.
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