![]() |
James Brown |
Sobre o Funk,
abro meu Dicionário de Termos e Expressões da Música (SP: Ed. 34, 2.000): Nos
anos 1950, referia-se a um certo tipo de jazz basicamente negro. Da forma que
conhecemos hoje, teve origem em meados da década 1960, a partir do Rhythm’n’blues.
Nos anos 1970, passou a designar música e dança típicas da cultura negra urbana
norte-americana. Seus precursores foram James Brown, da famosa, agitada e eletrizante
“Sex machine”, e Sly Stone, de quem falarei mais adiante. James Brown, vindo do
Gospel autêntico, mesclou seu Soul de origem com o Rock’n’roll, abrindo caminho
para uma legião de outras estrelas, como George Clinton e o fabuloso grupo
Earth, Wind and Fire. A palavra Funk simbolizava liberação da mente e do corpo,
sintetizada no lema free your mind and your ass will follow (liberte sua
mente e seu ‘traseiro’ seguirá). Ritmo contagiante, dança perfeita, alto
volume, forte seção de percussão, vocais magníficos, belos naipes de metais e
saxofones e muitos efeitos.
![]() |
Sly & the Family Stone |
Segundo o
Oxford Dictionary, a palavra Funk designa um estado de medo, pânico, agitação,
e teria surgido em meados do século 18. Mais recente, o Urban Dictionary se
refere também a um ‘estado depressivo’, ou, literalmente, algo que ‘cheira mal’
(‘”tira essa coisa velha da sala que está funky!”) Assisti ao Sly & the
Family Stone na Radio City Hall de NY, em meados dos anos 1970, o grupo ainda no
auge da ressaca do sucesso no Festival de Woodstock (1969). O palco inteiro surgiu
erguido por elevadores, o grupo em cima já tocando: muitas luzes, muito
movimento, muita cor, muitos riffs (padrões rítmico-melódicos
recorrentes), muitos vocais, dança e um trio de sax, trompete e trombone levado
por mulheres de penteado afro.
![]() |
Earth, Wind and Fire |
O grande
sucesso era I wanna take you higher, ou, trocando em miúdos, ‘eu quero te
deixar mais alto’. Um espetáculo inesquecível. Kool and the Gang, de Get
down on it, assisti na mesma época, e Earth, Wind and Fire não cheguei a assistir,
mas perdi a conta dos vídeos daqueles ritmos frenéticos, dança espetacular, voz
de cabeça (voix de tête), os homens simulando em falsete o registro das mulheres,
como em Let’s groove e Fantasy (“Todo homem tem um lugar / em seu
coração há um espaço / e o mundo não pode apagar suas fantasias / dê uma volta
no céu / no seu navio, fantasie / todos os seus sonhos de tornarão realidade”).
![]() |
Tati Quebre Barraco (O Dia - Ig) |
Mas o que é
esse gênero que chamam Funk brasileiro? Nos subúrbios e periferias os jovens
dançam e se agridem, especialmente no paupérrimo e deprimente ‘funk carioca’,
embalados em lança-perfume, crack e até cola de sapateiro. Letras e cenas no
palco e na plateia chegam à pornografia e promiscuidade mais grossa,
perturbadora mesmo para os não moralistas, causando repulsa à maioria dos que sabem,
apesar de não frequentarem. Exemplos são a Tati Quebra Barraco, do hit “Soca checa” (“Soca checa, é bom à beça, vem
garotinho”),
a dupla MC Naldinho e Bella, de “Tapinha não dói”, o Bonde do Tigrão
(“Tchuchuca, vem aqui pro seu Tigrão / vou te jogar na cama / e te dar muita
pressão”).
![]() |
Valesca, bem comportada |
Mais
recentemente, Anitta, que estreou com “Meiga e abusada” e agora tenta colar sua
imagem um pouco mais recatada em gente grande, como Mariah Carey e Katy Perry. E
eis Valesca Popozuda, de nome sugestivo de seu estilo, autora do megahit
“Beijinho no ombro” (“Bateu
de frente é só tiro, porrada e bomba”), título que foi repetido até por artistas de fora
da seara dela. Que tal comparar essas letras com o trecho dos já
mencionados versos de Fantasy, do Earth, Wind and Fire (parágrafo
anterior)?
![]() |
Jorge Ben, Caetano, Gil, Mutantes e Gal |
O Brasil
foi bem mais criativo no passado ao assimilar influências externas, como os
Schottisches e Mazurcas, no Choro; o jazz e até o impressionismo clássico na
Bossa-nova e o velho e bom Rock no Tropicalismo, entre outros. Mas só que além
de serem grandes músicos, como Chiquinha Gonzaga, Pixinguinha, Jobim, João
Gilberto, Caetano, Gil e Mutantes, absorviam informações e as utilizavam em
músicas da melhor qualidade.
![]() |
Baile de Funk Carioca |
O que se
chama de Funk aqui não é uma versão, nem é sequer uma apropriação estilística
do original - caso fosse, eu não deixaria de ir conhecer ao vivo. Apenas se usa
um nome (“da estranja”, diria o Mário de Andrade) da moda para etiquetar vozes
quase sempre muito fracas, para dizer o máximo, pouco e pobre instrumental,
danças e de falsas pretensões sensuais mal ajambradas, apologia ao crime, à
pornografia mais baixa e às drogas, com versos quase sempre de pouco ou nenhum
valor, se é que se pode chamá-los de versos. Batidas repetitivas, melodias e
harmonias quase inexistentes, letras de poucas palavras para martelar na cabeça
do povo. Afinação? Ora, seria pedir demais da conta. Se há exceções, elas se
perdem nessa mídia.
![]() |
Funk no Carnaval 2017 |
O
brasileiro não copiou o Funk americano, nem o mesclou como influência, faltou-lhe
a competência dos músicos do passado: é preciso ter um exemplo para se
estabelecer comparações. Apenas inventaram um outro gênero com o mesmo nome,
mas, como modismo, agora já invade o carnaval de rua, deixando às vezes o Axé e
o Sertanejo comercial em segundo plano nos trios elétricos. Sendo franco, em um
aspecto o chamado Funk brasileiro tem algo positivo, se é que dá para tirar
alguma coisa: é democrático: não precisa estudo nem talento, qualquer um faz. E
ouve quem quer e gosta (gosto não se discute). A não ser quando aqueles maníacos
tentam se impor com seus carros armados com aparelhagem de som explodindo a potência
de um baile funk nas ruas, a estourar nossos tímpanos sem pedir licença.
Nenhum comentário:
Postar um comentário