Sempre ouvi duplex, triplex, palavras
oxítonas. Agora, nos episódios mais recentes, como no depoimento do próprio
Lula – não que ele seja uma referência linguística, mas certamente é de seu uso
e costume – também aparece triplex. Da mesma forma, o meritíssimo (palavra,
aliás, merecidíssima) Sergio Moro prefere a palavra triplex– propriedade que, se
é do Lula ou não, ainda cabe a presunção de inocência acima de nossas vãs, embora
óbvias suspeições.
Mas há uma questão, com o “benefício da
dúvida”, como diria o jurista: A Folha escreve tríplex (com acento), enquanto O
Estado prefere triplex (sem). O Jornal Nacional, da carioca Globo, diz triplex,
mas os demais preferem a forma acentuada. Qual seria o correto, se é que há
correição absoluta em nossa rica língua? (Não confundir com outro significado
de correição, que é o que faz uma corregedoria, já que estamos em pleno
ambiente jurídico). Às pesquisas: o Houaiss mostra as duas formas, mas prefere
tríplex, sabe-se lá o porquê. Já o Vocabulário Ortográfico da Academia de
Letras classifica triplex como adjetivo, e tríplex um numeral.
Sempre na vida ouvi falar em “duplex na
Vieira Souto”, refinadíssima avenida em Ipanema; assim, cabe-me a opção, e fico
com a palavra que sempre ouvi, duplex – ou triplex. O linguista e filólogo
Deonísio da Silva acha que deve acabar prevalecendo a forma sem o acento agudo
no ‘i’. Penso que as palavras que vêm do latim, como córtex e vórtex, da
anatomia médica, levam acento por causa da pronúncia original em língua que
não conhece acentos, a terminologia apenas ajusta a pronúncia latina ao português.
Vou ao centro da minha questão, bastante
delicado: a imprensa, em geral, tem sua culpa, sua máxima culpa, quando usa o verbo
citar. Ora, estando em ambiente de discussão jurídica, citar se refere a
citação judicial, uma intimação expedida pelo juiz. Quando o juiz manda citar,
ele tem elementos que o levam a ver indícios de culpabilidade da pessoa objeto
da citação, ou, se testemunha, de sua importância para o esclarecimento dos
fatos. Mas a grande imprensa presta um desserviço à presunção de inocência que
é exigida pela Constituição: rasgou de vez o verbo mencionar e generalizou o
citar. Se todos os que a imprensa mencionou como “citados” na Lava Jato fossem
réus, não haveria tribunais para tantos processos.
Imagine que determinado empresário já citado
como réu conversou rapidamente com uma atriz ao entrar em um restaurante e a menciona
em depoimento. Foi ela “citada” no processo da Lava Jato? (Usando uma alegoria exagerada
em minha argumentação.) Nunca. É que o nome dela foi simplesmente mencionado de
passagem na operação. Crucifica-se sem julgar, independentemente de partido
político, muitas vezes apenas por algum delator que, em seu interesse, quereria
apenas “engordar peso e preço” de sua delação.
A imprensa escrita confunde, não explica, e,
com os préstimos das emissoras de TV, faz o povo assimilar a crucifixão
antecipada de quem sequer é réu e pode não ter culpa alguma em coisa nenhuma.
Um pequeno dicionário jurídico deveria fazer parte da escrivaninha dos
jornalistas da área ou dos que redigem os textos dos teleprompters (aquela telinha onde os textos exibidos na frente do
apresentador de telejornal, passando para o telespectador uma impressão de
grande e muito bem informado orador).
Faz alguns dias, argumentei em uma rede
social sobre esse cruel equívoco. Foi com o Deonísio da Silva, já mencionado
acima (evitarei o verbo citar por algum tempo), um dos mais conceituados linguistas
do país. Deonísio, em “Sem papas na língua”, sua participação semanal no
programa do Ricardo Boechat (rádio Bandnews) - aliás um prato saboroso para os
que gostam do assunto – faz alusão a um aparte meu na discussão ao questionar o
uso de citar ou mencionar (gravação do dia 12 de maio - https://fatosfotoseregistros.wordpress.com). E trata de outros assuntos deliciosos,
como a ‘raivosidade’ dita recentemente pelo Michel Temer. O mais importante: o
professor diz que nossa língua não se resume aos dicionários, ela também está
na escrita e na fala dos brasileiros. E a agregação do sufixo na palavra “raivoso”
é plenamente justificável!
Antonio Magri |
Pois foi o mesmo argumento que meu pai usou
em um artigo sobre o “imexível” dito pelo ex-ministro Antonio Magri, em 1990. Disse
que uma palavra poderia, sim, entrar para o vocabulário pelo acréscimo do
prefixo ‘i’, de negação (palavra, aliás, já dicionarizada pelo Houaiss). E isso
enquanto o então ministro, um cidadão acima de qualquer erudição, apanhava da
“patrulha”. A publicação foi na famosa Coluna do Castello, no Jornal do Brasil,
e por mim detalhada neste espaço em “Nossa língua não é imexível”.
Outro citado judicialmente e preso é o ex-magnata
e hoje nouveau pauvre Eike Batista
(rico só fica pobre em francês). Seria o nome do empresário pronunciado
“Áique”, como em alemão, ou “Êique”, aportuguesando? Tratando-se de nome, creio
ser justa a versão em português, apesar de não ser a única. (Meu próprio
sobrenome, Autran, de origem francesa, soaria algo como “Ôtrrã”, coisa que
nunca ouvi na vida.) E há outro preso pela Lava Jato, a que Lula e a imprensa
se referem como Paloci (Antonio Palocci), codinome “Italiano”, cuja pronúncia
na língua de Dante seria “Palótchi”, ou quase isso. Sou da época dos grandes
jornalistas e articulistas da história, tempo que “é só uma fotografia na
parede. Mas como dói”, citando (literariamente!) Drummond.
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