Praxinoscópio |
Já por volta de 1860 havia engenhocas
que induziam à percepção de movimento em desenhos. Em 1882, mais um avanço, o belga Joseph
Plateau construiu um aparelho que dotava figuras simples de movimentos
repetitivos. Outras invenções se seguiram, como o praxinoscópio (1876), de
Charles-Émile Reynaud, um aparelho ótico que simulava ação de figuras por meio
de um disco rotativo que alternava imagens; ao girar, sobrepostas à frente do
observador, causavam a impressão de estarem vivas. Em 1909 o desenhista norte-americano
Windsor McCay criou o que seria o primeiro filme de cartoon feito à mão, e em
1919 lançou o primeiro desenho animado, O Naufrágio do Lusitânia.
Walt Disney criou a primeira animação
sonora em O Vapor Willie (1928), que introduziu a música como elemento fundamental
tanto na trilha sonora quanto como ferramenta para a perfeita integração entre os
movimentos das figuras e sons.
Betty Boop |
Enquanto Max Fleisher e Grim Natwick faziam
sucesso com a sexy Betty Boop, garota estilo Belle Époque com direito a cinta-liga, Disney surgiu como o grande criador
a partir de Pato Donald e Pateta, e consolidou-se na pole-position com os
grandes sucessos Branca de Neve e os Sete Anões, de 1937, Pinnocchio, 1940,
Fantasia, também de 1940, Dumbo, 1941, e Bambi,
1942.
É importante lembrar que o desenho
animado só chegou ao chamado ‘estado da arte’ quando adotou a técnica do cinema
- os ‘24 quadros por segundo’ -, ou seja, 24 desenhos em sucessão de variações milimétricas,
selecionando 1.440 quadros para cada hora de filme, um trabalho artístico e
braçal sem precedentes no cinema.
Branca de Neve e seus gnomos músicos |
Com Branca de Neve, sobre um conto de
fadas dos Irmãos Grimm (1812), Disney lançou-se a uma grande empreitada: o primeiro
desenho de longa-metragem da história. A produção foi de tal envergadura que até
uma enquete pública foi realizada para escolher o nome de cada um dos gnomos, os
sete anões: Grumpy (Zangado), Happy (Feliz), Sleepy (Soneca), Bashful (Dengoso),
Sneezy (Atchim), Dopey (Dunga) e Doc (Mestre). A Disney Co. investiu, na época,
USD 1,5 milhões, em valores atualizados estratosféricos R$ 107,5 milhões. Em
contrapartida, a fita rendeu, de início, USD 8 mi, R$ 860 milhões hoje,
resultado de um trabalho extenuante de 750 artistas e um total de 2 milhões de
desenhos dentre os quais foram pinçados a dedo os 188.440 que resultaram no produto final.
Leopold Stokovski |
A obra-prima de Disney, contudo, viria
em 1940 com Fantasia, animação dividida em oito segmentos, cada um integrado a obras
sinfônicas diversas regidas por Leopold Stokowski, à frente de uma das mais
importantes orquestras do mundo, a Philadelphia Symphony. A PSO estava no auge de sua enorme influência
sobre a música sinfônica americana: a turma de Schoenbach, fagote, Jules Baker,
Flauta, Marcel Tabuteau, oboé, e o contrabaixista Torelló (todos professores do
Curtis Institute), e gravou uma trilha sonora da maior perfeição, começando pela
Toccata e Fuga em Ré menor para órgão, de Bach, em versão orquestral do próprio
regente – e por imposição dele; o Quebra-Nozes, de Tchaikovsky; O Aprendiz de
Feiticeiro, de Dukas (sobre um poema de Goethe); a Sagração da Primavera, de
Stravinsky; a Sinfonia Pastoral, de Beethoven; a Dança das horas, do balé de
Ponchielli; A Noite do Monte Calvo, de Moussorgsky e a Ave Maria, de Schubert –
durante a qual os cinemas liberavam aroma de incenso.
Técnicos de som sob o palco da PSO |
Pioneira na gravação em estéreo e com
recursos do inédito Fantasound, a Disney efetuou diversas alterações acústicas na
sala, além de dispor técnicos sob o palco para cada um dos nove canais
utilizados. Na estreia, o filme percorreu 13 cidades, uma espécie de caravana.
A cada segundo, 24 desenhos foram sincronizados
à perfeição com a música. Não apenas braços e pernas, também os olhos, a
expressão, as roupas e os cenários têm movimentos naturais, trabalho que
alcançou o 23° lugar em vendas de toda a história do cinema, vídeo-games e
correlatos.
Girassol e a "centaurette" |
Nos anos 1960, tempos de movimentos
antirracistas com Luther King Jr. em ascensão, trechos da Sinfonia Pastoral
foram cortados: Girassol, um pequeno centauro negro, polia as patas de Otika, uma
charmosa “centaurette” branca. Foi o suficiente para a Disney receber uma
avalanche de protestos. Parte da cena foi
removida mas os originais ficaram guardados, intactos.
Outra polêmica: em vista da receita
de USD 120 milhões (R$ 956 mi corrigidos) em novas mídias, como o VHS e o MMDC,
a Orquestra da Filadélfia abriu em 1990 um processo reivindicando direitos
conexos à Disney Company. Na ação, pleiteava sua parte no lucro, até que quatro
anos depois as partes chegaram a um acordo fora dos tribunais.
Trabalho de efeito com as sombras dos músicos da orquestra |
Fantasia tem início exatamente com essa
orquestra. Jogos e efeitos de silhuetas, músicos acomodando-se nas cadeiras e
aquecendo seus instrumentos. Após uma preleção do crítico Deems Taylor,
apresentador de cada segmento, é chamado ao pódio o maestro Leopold Stokowski, que
dá início à execução da grandiosa
Toccata e Fuga em Ré menor, obra de Bach para órgão em arranjo instrumental para
orquestra sinfônica de autoria do próprio maestro.
O filme tem a duração de 126 minutos,
custou R$ 167,7 mi (corrigidos) - ou R$ 22.182 por segundo. Porém, acima dessa
dança de valores monumental está a perfeição da obra-prima. Um trabalho de formiga
com tecnologia precária, se comparada à dos dias atuais - artesanato 100%
analógico de grandes proporções cujo resultado final não encontra páreo nas superproduções
digitais das animações modernas. Nem em números nem em qualidade.
***
Segue o link para o filme completo: https://www.youtube.com/watch?v=r7gLlIv4ito&t=548s
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