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sexta-feira, 27 de setembro de 2019

QUEM NÃO GOSTA DE SAMBA BOM SUJEITO NÃO É


“...é ruim da cabeça / ou doente do pé”. Samba da Minha Terra (1940), de Dorival Caymmi, foi lançado pelo Bando da Lua, que viera dos EUA, onde acompanhava Carmen Miranda, e sucesso também com João Gilberto no famoso concerto da Bossa-Nova no Carnegie Hall, em 1964. Com direito à baianidade, ao requebro das mulatas - “quando se canta todo mundo bole”, João mostrou que bossa-nova era samba, sim, sinhô. Pesquisando para o meu Dicionário de Termos e Expressões da Música¹, listei em verbetes mais de trinta ritmos e gêneros de samba de todos os matizes, o que daria um livro à parte. Sigo um pouco pela cronologia e faço meus passeios, quando necessário.
Donga
De ‘semba’ (arbusto que balança ao vento), que em Luanda, capital de Angola, se refere a uma dança de umbigada, o samba tornou-se benquisto pela nossa classe média depois da primeira gravação de Pelo Telefone, por Ernesto dos Santos, o Donga, em 1917, e logo se tornou coqueluche com Lamartine, Pixinguinha, Jamelão e outros. Mesclou-se com facilidade a vários ritmos, dando início a diversos gêneros: nos anos 1930, o samba já havia flertado com canções, nos teatros de revista do Rio, shows de música, anedotas e vedetes. E veio o samba-canção. Ai, Ioiô, de Luís Peixoto e Marques Porto, já havia surgido em 1929. Bem depois, destaque para Ave-Maria no Morro (1942), de Herivelto Martins.
Ademilde Fonseca (acervo O Globo)
O choro, no princípio instrumental, passou a incluir letras nos anos 1930, como em Vida de Passarinho, de Ari Kerner e Veiga de Castro. Tico-Tico no Fubá (1931), de Zequinha de Abreu, ainda era choro, mas a ginga carioca e uma letra o fizeram samba-choro. Valdir Azevedo criou o imortal Brasileirinho para um menino que tinha um cavaco de uma corda só em 1947, e a letra viria com Pereira Costa em 1950, alcançando sucesso na voz virtuosa de Ademilde Fonseca - saltos de sexta e cromatismos não são pra qualquer um. No mesmo ano, chegou o sambalada, meio caminho entre os dois ritmos, e o samba batido, do interior da Bahia. Na época, o ritmo também se aproximou de uma dança espanhola trazida para a América Latina via Cuba, de onde nasceu o sambolero.
Jackson do Pandeiro
E vieram o samba-lenço, misturado ao fandango e com coreografias de panos coloridos, o samba-traçado, influência do Candomblé nagô com sabor de maracatu (“este samba que é misto de maracatu”:  Mais que Nada, de Jorge Ben, 1963);  o samba-rural, resquício da resistência da cultura negra paulista; o sambalelê, do congo de roda, e o samba-rock. No último, insere-se Chiclete com Banana, de Gordurinha e Castilho, lançado em 1958 pelo paraibano Jackson do Pandeiro: “Só ponho bebop no meu samba / quando o Tio Sam pegar no tamborim (...) / é o samba-rock, meu irmão”.
Com as escolas de samba vieram os sambas de enredo, que sempre exaltam um acontecimento histórico, um personagem, daí o ‘samba-exaltação’. Pioneiros foram Mano Décio da Viola, Estanislau e Penteado Silva, com Inconfidência Mineira (1949), mas a beleza maior, unanimidade nacional, fica com a portelense Foi um Rio que Passou em Minha Vida (1970), de Paulinho da Viola. Sem chegarem à avenida, são do estilo de enredo o Samba do Crioulo Doido (1968) de Sergio Porto, e Vai Passar, do Chico e Francis Hime (1984, sugestivo em ano de Diretas Já). Das escolas e blocos surgiram também o samba de morro, com percussão bem carregada, o samba de terreiro ou de quadra, o samba de valentes e outros tantos. 
Kid Morengueira
Moreira da Silva, o Kid Morengueira, malaco sambeiro que só bebia leite e andava de chapéu e ‘liforme branco’, diria Caymmi, autoproclamou-se o inventor do samba de breque, em 1936, com Jogo Proibido. O som parava e vinha o breque - brake, freio de carro, em inglês - para divertidos recitativos que  hoje muitos achariam que é rap. (Segundo Ary Vasconcelos², o breque seria a “interpolação de uma frase ou outra” no meio da música).  Contudo, três anos antes, Heitor dos Prazeres já havia criado, em Eu Choro, aquela paradinha (“breque: eu vou chorar”). O historiador José Ramos Tinhorão3 lembra que Sinhô, em 1929, já havia encaixado três redondilhas menores em Cansei, assim como a dupla Ismael Silva e Nílton Bastos: Se Você Jurar, ou O que Será de Mim (“breque: eu não sei o que será”). Mas a fama de criador do gênero quem capitalizou mesmo foi Morengueira, que fazia longos recitativos nos breques. Nos anos 1950, o breque foi também assimilado por Miguel Gustavo e Billy Blanco.
Elza, no programa Jovens Tardes
Maleável que é, o ritmo logo adentrou outras searas, a exemplo do samba de gafieira, surgido nos anos 1940 - corpos colados em gingados sensuais, à maneira da salsa cubana -, e o samba de partido alto, intimista e de harmonias simples, bom para os pagodes de quintal. (O nome pagode vem da tenda, geralmente um encerado de carroceria de caminhão, que cobria os quintais onde era cantado e dançado, sustentado por uma corda pelo meio, o formato lembrando mesmo um pagode chinês). Mesclado também era o samba-jazz, que, com Elza Soares e seu scat-singing  arrastou Ed Lincoln, Dóris Monteiro e Leny Andrade, estrela de Estamos Aí, do gaitista Maurício Einhorn, Durval Ferreira e Werneck (1968).

Toda sorte de ritmos, como o samba caipira paulista, cantado em terças por duplas de artistas, como os sertanejos, surgiu para enriquecer. O samba hoje é como o jazz: engloba uma infinidade de gêneros e continua evoluindo, conquistando novos espaços. Para ele, não há limite ne prazo de validade: enquanto a criação persistir o samba estará aí, para todos os bons sujeitos que não têm doença no pé.
(1) SP: Editora 34, 2004.  2ª ed. (2) Panorama da Música Popular Brasileira. SP: Martins, 1964. (3) Pequena História da Música Popular. SP: Círculo do Livro, s/ data. 


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