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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

POR QUE TANTO ÓDIO?

 


É de se notar que, de uns tempos para cá, o ódio tem se tornado em espécie de tom para as cantilenas de todos os lados, seja no confinamento dos lares, nas ruas, nos gabinetes ou nos parlatórios. É uma agressividade que não podemos dizer que nos é exclusiva, pois também está nos EUA e outros países. Inevitável não lembrar de Trump, com seu racismo e estímulo aos segmentos mais radicais, e tanto lá como cá entranhou-se em muitas vozes.


Principalmente se estamos no campo da política, essa agressividade tem sido uma constante. Se há autoridades que ofendem seus adversários ou outras autoridades, os ataques não deveriam ser replicados no mesmo nível, para que a convivência não passe a ser um jogo cuja linha passe abaixo da cintura. Mesmo que se trate de um deputado como Daniel Silveira, do PSL, que atacou a Corte Suprema, ofendeu-a, ameaçou-a, ergueu a o grito da “flâmula patriótica” conclamando uma reedição do AI-5 e; no IML, para exame de corpo de delito, recusou-se a usar máscara, protagonizando uma pequena ópera bufa plena de soberba e grosserias. Típica cena, aliás, que tem se tornado cada dia mais frequente, sempre a bordo de uma “carteirada”. Já preso, o deputado ainda chegou a fazer outra ameaça. (Só esqueceu-se de que, com o AI-5, não teria direito ao habeas corpus nem imunidade parlamentar e sequer teria sido eleito, com as eleições suspensas. Mas isso é desconhecimento da história em troca de um servilismo à toda prova. Hoje, o corporativismo tenta salvá-lo, mas não se descumpre uma decisão unânime do STF.


É possível, sim, referir-se ou comentar pelo nome do autor algum fato dito ou narrado por autoridade em declaração bordada até com baixas pornografias. Mas deve-se evitar alguma corruptela que tenha intenção de denegrir-lhe o nome, um trocadilho infame: aos fatos! No caso da oposição, ou simplesmente os que não concordam com o status-quo atual – aqui falo principalmente das redes sociais -, ficar naquele bate-chuta ofensivo é permanecer em seu canto, sendo “curtido” por alguns que nada teriam a acrescentar ao debate democrático, isolando cada vez mais os que têm opinião própria o pouco que seja diferente da sua, além de alimentar os militantes dos chamados “gabinetes do ódio”: esses, radicais invergáveis por natureza, criam seus próprios nichos ou gangues, a fim de  operarem no submundo das fake-news, dos memes e da mentira. Uma guerrilha de disparadores em massa de mensagens.


É possível fazer uma crítica que seja coerente, que abrirá cortes mais profundos do que o infantil livre-odiar, usando o nome do cidadão e, sempre que necessário, o título do cargo do qual ele está investido. Assim, a rejeição ao que o crítico escreve será menor, e sua dignidade pessoal será mais bem preservada, deixando para os livres-chutadores e livre-atiradores de metralhadoras giratórias o papel de megafones de suas tribos - ou profetas de si mesmos, como cidadãos perdidos. Além do mais, se o cidadão quer convencer uma pessoa moderada ou neutra com escritos e comentários, não seria mais inteligente ir a fundo na lógica, na coerência, ao invés de na aparência e no jogo gratuito de chulices e ofensas do pior calão?

Se o cidadão detentor de algum cargo, por exemplo, faz declarações públicas oficiais ou oficiosas ou mesmo se em âmbito das redes exibe racismo, ofensas, xenofobia, machismos e outros, deve-se comentá-las, ou rebatê-las com chulices do gênero e mesmo nível? Qual seria a consequência senão afundar mais os debates, de cujos contendores as armas já estão carregadas de ódio suficiente, mas talvez em níveis ainda mais constrangedores? Para quê?

Para pensarmos em níveis mais consequentes e coerentes, deve-se também pensar que esse tom de ódio não é aliado de ninguém, é um tertius que reverbera, joga sozinho sobre todos, alimentando-se de ofensas e sandices. Não se deve, diria eu, tê-lo como parceiro, pois que é fantasma traiçoeiro, e no caso de políticos profissionais mais afasta bons eleitores do que os traz para si, ficando refém de um eleitorado traiçoeiro, cativo da ignorância e da má-fé.


Assunto do momento, a prisão do deputado Daniel Silveira – com o aval unânime do STF, costurado na mesma noite – têm ocupado vários níveis de governo em discussão que é provável ser encarrada na sexta, 19 de fevereiro, agora em nome da salvaguarda de certa moralidade Câmara. Terão sido três dias de um “caso deputado Moreira Alves”, em 1968 – só que às avessas: após um discurso – hoje light - considerado ofensivo à Forças Armadas, o governo militar pediu à Câmara licença para processar Alves. A negativa foi o estopim para, no dia seguinte, ser publicado o devastador AI-5. Mudaram-se os personagens, mas as ideias permaneceram. O nanico Daniel Silveira, se delirou a esse ponto, estiolou-se.

Ninguém, incluindo-se aí autoridades de várias instâncias e o mesmo presidente, pode se pensar acima da lei. Cabe, portanto, ao cidadão que pretender criticá-lo, agir segundo esse parâmetro servindo-se da mesma submissão constitucional em suas palavras.


Há que se convir que denigre a imagem do país qualquer personalidade despejar palavrões como se estivesse no pior boteco da cidade, ressalvando que até em grande parte deles há um código de ética próprio e limitações por tradição da casa. No meu tempo de moleque não ouvia isso de políticos, e nem depois, quando algumas das nossas instituições, após o estrangulamento pelo AI-5, voltaram, trôpegas, a funcionar. Hoje imagino o que uma criança vê como futuro para seu país diante deste festival diário e ofensas do mais baixo palavreado daqueles homens elegantemente engravatados e mulheres de colares em belos vestidos.

sábado, 13 de fevereiro de 2021

QUE TEM MEDO DO BICHO VACINA-PAPÃO?

 

Oswaldo Cruz e a Revolta das Vacinas 

Tenho acompanhado a trajetória das vacinas, como todo cidadão esclarecido. Coronavac, Pfizer, Moderna, Oxford, Sputnik V e outras. Todas elas têm suas peculiaridades, algumas vantagens e eventuais pontos negativos, mas sempre com um salto positivo em direção à erradicação da Covid-19. Trata-se, além de uma ‘guerra técnica’ de ampolas, de uma disputa econômica, nicho de uma mina de ouro. É o caso da vacina da Oxford-AstraZeneca, produzida na Inglaterra em uma cooperação anglo-sueca, que sofre um claro boicote e campanhas em países da União Europeia – obviamente, pinimba que é reflexo do Brexit.


Se há esta rixa político-econômica anglo-europeia, há outra de perfil pretensamente ideológico, preconceituosa até, de autoridades brasileiras contra a Coronavac chinesa, com ofensas de ministros e do próprio presidente via declarações de cor anedótica de não muito bom gosto: são xenofóbicas e antidiplomáticas. Por outro lado, a vacina é produzida no Brasil pelo Instituto Butantan da USP, o que faz dela um cavalo de batalha para Brasília, que estrategicamente é mais simpática à da PfizerBioNTech, produzida pela Fiocruz de Manguinhos, no Rio, munição para um embate de conotação político-eleitoral entre Brasília e o governo de São Paulo.

FioCruz

Uma questão intrigante: a rejeição da ideia da imunização por 22% do povo, talvez bastante baixa tendo-se em conta autoridades em campanha velada contra vacinas, mesmo se ridicularizadas pela imprensa estrangeira (o France 24, em 18/12/20, estampou: “Bolsonaro, do Brasil, alerta que vírus pode transformar pessoas em jacarés”, entre outras coisas). Os 22% dos brasileiros que não aceitam tomar a vacina estão em uma pesquisa Datafolha divulgada pela Isto É Dinheiro, que também ressalta que este percentual subiu absurdamente, desde os 9% registrados pelo mesmo instituto em agosto do ano passado. A mudança reflete a  sinofobia cega estimulada ‘de cima’ contra a Coronavac - apesar de todos aparelhos, componentes eletrônicos, roupas e insumos químicos chineses para remédios genéricos consumidos aos milhões diariamente no Brasil. Daqui passo de novo à Europa, desta vez à França, para buscar entender a rejeição em cada país.


Segundo o Euronews (9/12/2020), é consenso que 70% de vacinados são o número mínimo para que a imunização atinja efeito global contra a pandemia, e que os europeus estão entre os povos mais céticos quanto à imunização. Uma pesquisa reporta que os poloneses são dos mais radicais no mundo entre os que negam a vacina; também entre os povos mais céticos estão os franceses, com apenas 59% acenando que aceitariam a vacina apenas em caso de comprovada segurança e eficácia do produto, seja lá o que isso for, além do que tem sido divulgado. Espantosamente, a favor da vacina, ainda segundo o Euronews, os brasileiros contabilizam 85,36%, em primeiro lugar, seguidos pelos sul-coreanos, com 79,79%, México, com 76,25%, e EUA, 75,42, uma escala descendente de confiança na imunização em que a ‘lanterna’ fica com a Rússia, com 54,85%.


Em sexto lugar na lista dos descrentes das vacinas, a Espanha, com 54,3%, um dos países mais afetados pelo vírus, vive uma peculiaridade estratégica: o governo está preparando uma lista fechada com o registro de pessoas que se recusam a serem vacinadas. Os dados serão divididos com outros países da União Europeia, disse o ministro da Saúde Salvador Illa (foto), informou a BBC News (29/12/20). O ministro enfatizou que a vacinação não será compulsória, mas fica claro que o registro comum na UE é uma forma coercitiva de fazer o cidadão procurar a vacina – tanto é que, desde o anúncio de que haverá esse controle e a comunicação aos órgãos de saúde dos países europeus, os 54,3% de novembro despencaram subitamente para espantosos 28%. 


Há uma questão cultural envolvida, certa tradição antivacina em diversos segmentos de vários países. Uma amiga de origem inglesa, ao invés de levar os filhos ao posto de saúde para se vacinarem contra o sarampo, seguiu certa orientação paralela não-ortodoxa para procurar saber quais amiguinhos deles estavam em casa com a doença, e daí provocar o contato entre as crianças – mesmo que, como se sabe, nenhum contágio – fora o risco! - é tão eficiente quanto a imunização. Uma amiga francesa seguia a mesma ideia. Como todo bom gaulês, admirava coisas esotéricas e magias, a ponto de deixar o Brasil de volta para Paris já ungida mãe de santo, lá começando a jogar búzios, fazer adivinhações e até prometer a cura de doenças ou um amor de volta. Talvez o povo com maior número de leitores do “mago” Paulo Coelho, criador de histórias mágicas, fantásticas e esotéricas, seja o francês. A própria cultura da França é milenarmente rica em duendes, faunos, feiticeiros e perseguições reais a supostos bruxos e bruxas, como aconteceu com Jeanne D’Arc (1431).


No Brasil, fui imunizado contra diversas moléstias - a carteirinha de vacinação era exigida quando da matrícula nas escolas. Assim foi com meus filhos, e essa “compulsoriedade indireta” passou a fazer parte de nossa cultura, sem nunca mais ser questionada. Daí esses 22% de antivacinas representarem bem acima do que deveria se o estímulo à não-vacinação e contra a quarentena, patrocinado de maneira não-oficial pelo Executivo como catalisador das mentes enfraquecidas, via declarações e redes sociais. Com a vacina precoce, rígidos protocolos sanitários e ação enérgica pelos governos, já estaríamos com a pandemia sob controle.

 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

O GRANDE DITADOR

 


Charlie Chaplin era um gênio. Nascido em 1889 em uma favela vitoriana em Lambert, Londres,  cresceu em meio à pobreza e chegou a ser famoso como poucos na sua época: recebeu o status de Sir, alto título da Coroa Inglesa. Até 1920, Chaplin rodou 60 filmes de curta-metragem, o chamado “cinema mudo”, produção que povoou as vidas das crianças até os nossos tempos. Embalado por uma sensível crítica social, sua visão da época e a vida e pobreza serviram-lhe de esteio e inspiração para criação. Dos grandes filmes que produziu – e em que atuou – estão joias como O Garoto, A Corrida do Ouro, Luzes da Cidade e Tempos Modernos, todos entre 1921 e 1936, até chegar à obra-prima O Grande Ditador, de 1940, um filme belíssimo, o primeiro trabalho realmente sonoro de Chaplin. Ele mesmo atuava no papel de um líder fanático, personagem que, obviamente, era uma crítica satírica e ácida ao plenipotenciário Führer da Alemanha nazista, Adolph Hitler.


Embora ainda em período de paz, mas perturbado pela ameaça nazi-fascista na Europa e um crescente antissemitismo, o cineasta tinha fortes ligações com a comunidade judaica – embora não pertencesse a ela na sua origem - e assim pôde desempenhar com maestria tanto o papel do grande ditador quanto o de um barbeiro judeu, homem perseguido como tantos. Seu monólogo-desabafo é tido pelos estudiosos como um dos melhores, mais perfeitos e emocionantes da história do cinema: ”Desculpem-me, mas eu não quero ser um imperador. Não é o meu ofício. Não almejo governar ou conquistar ninguém. Gostaria de ajudar a todos, se possível. Judeus, não-judeus, negros e brancos”.


Mais adiante, em sua autobiografia (1964), Chaplin afirmou que nunca teria rodado o filme se na época pudesse prever o que aconteceria depois: as perseguições e delírios de poder de Hitler, os horrores, as atrocidades, os avanços nazistas sobre a Europa, os covardes ataques Sturm um Nacht (tempestade e noite) e o holocausto foram muito além de sua obra.


Chaplin teve como diretor assistente seu meio-irmão Wheeler Dryden, mas escreveu o roteiro e produziu o filme sozinho. Àquela época já existia o Chaplin Studios, perto de Los Angeles (EUA), além de outros sets de filmagem na região (as cenas sobre a I Guerra foram tomadas no Canyon Laurel, entre Los Angeles e o Vale de San Francisco). A música foi composta pelo próprio Chaplin, com o auxílio de Meredith Willson, segundo quem a cena em que o autor, como o barbeiro judeu, escanhoava um freguês, teve como fundo uma gravação fonográfica da 5ª Dança Húngara de Brahms apenas para preparar o timing de filmagem, e foi montada antes de o próprio Chaplin chegar. Após ouvi-la, ele pediu que Wilson a gravasse com orquestra em estúdio, incorporando-a definitivamente à trilha sonora da cena.


As filmagens começaram em setembro de 1939, coincidindo com a invasão da Polônia pelas tropas nazistas, que resultou na eclosão da II Grande Guerra. As filmagens levaram, em vista dos acontecimentos, apenas seis meses, mas houve intensa labuta para concluí-lo nesse curto intervalo, o que não impediu o filme de ser um dos mais aclamados da história. O papel principal, o ditador, era uma alegoria que estampava um Hitler escancarado desde o uniforme ao nome do personagem:  Chaplin era Adenoid Hynkel, boutade com o nome do ditador alemão com o título de Phooey - pronuncia-se “fuuei”, aludindo a fooley, tolo -, corruptela de Führer, palavra alemã para ‘líder’, mito para seus fanáticos seguidores.


A cena mais marcante do filme é aquela em que Hynkel, com bigodinho e farda como a do Führer, brinca, salta e sobe na cortina, dizendo ‘estar com medo de si mesmo’. De lá, expulsa do gabinete o assessor e começa seu grande solo: abraça o globo de plástico sobre a mesa, simbolizando o planeta inteiro e seus países, que deseja dominar. Dança, gira o balão na ponta do dedo, brinca, chuta-o com o calcanhar em uma coreografia majestosa. Deita-se sobre a escrivaninha, joga o mundo pra cima com as nádegas...Até que o globo de plástico explode, para seu grande desespero (veja):



Muito além de um filme, trata-se de um depoimento contundente sobre o poder afrodisíaco e narcotizante de que são possuídas as pessoas fortes nos braços e no discurso, mas vazias no coração. Inseguras em sua vaidade, tornam-se malévolas e criminosas por sua própria índole, incontroláveis na gula do poder. E isso valeu tanto para Hitler e Mussolini, na época, quanto para Átila, no século 5, Gengis Khan, séc. 13 (ilustração), a Rainha Mary (Bloody Queen, ou “Rainha Sangrenta”), no século 16, Stalin, na primeira metade do séc. 20, Idi Amin, anos 1970, Mao Tsé-Tung, 1949-1976, Pinochet, 1973-1990, e tantos outros.


O príncipe pode chegar ao poder aclamado ou pela força, dizia Macchiavelli, cujos conselhos deveriam ser acatados pelo seu amo. Mas qualquer que seja a forma com que tenha chegado ao poder arrisca-o a transformar-se em tirano cruel. Precisa ter habilidade dos servis à sua volta aos homens do povo – ora com agrados, ora com punições. Os famélicos pelo poder e pela riqueza são seduzidos por sua beleza mais pérfida, e têm a mentira como grande arma.



Ditadores ou aspirantes afinam-se com Hitler, em seu Mein Kampf (Minha Luta): “A grande mentira tem sempre a força da credibilidade, porque as massas são mais facilmente corruptíveis em sua natureza emocional profunda do que de forma consciente e voluntária. Desta forma, a simplicidade primitiva de suas mentes é vítima mais fácil das grandes mentiras do que das pequenas falsidades”.