Oswaldo Cruz e a Revolta das Vacinas
Tenho acompanhado a trajetória das
vacinas, como todo cidadão esclarecido. Coronavac, Pfizer, Moderna, Oxford,
Sputnik V e outras. Todas elas têm suas peculiaridades, algumas vantagens e eventuais
pontos negativos, mas sempre com um salto positivo em direção à erradicação da
Covid-19. Trata-se, além de uma ‘guerra técnica’ de ampolas, de uma disputa
econômica, nicho de uma mina de ouro. É o caso da vacina da Oxford-AstraZeneca,
produzida na Inglaterra em uma cooperação anglo-sueca, que sofre um claro boicote
e campanhas em países da União Europeia – obviamente, pinimba que é reflexo do
Brexit.
Se há esta rixa político-econômica anglo-europeia, há outra de perfil pretensamente ideológico, preconceituosa até, de autoridades brasileiras contra a Coronavac chinesa, com ofensas de ministros e do próprio presidente via declarações de cor anedótica de não muito bom gosto: são xenofóbicas e antidiplomáticas. Por outro lado, a vacina é produzida no Brasil pelo Instituto Butantan da USP, o que faz dela um cavalo de batalha para Brasília, que estrategicamente é mais simpática à da PfizerBioNTech, produzida pela Fiocruz de Manguinhos, no Rio, munição para um embate de conotação político-eleitoral entre Brasília e o governo de São Paulo.
FioCruz
Uma questão intrigante: a rejeição da
ideia da imunização por 22% do povo, talvez bastante baixa tendo-se em conta autoridades
em campanha velada contra vacinas, mesmo se ridicularizadas pela imprensa
estrangeira (o France 24, em 18/12/20, estampou: “Bolsonaro, do Brasil, alerta
que vírus pode transformar pessoas em jacarés”, entre outras coisas). Os 22%
dos brasileiros que não aceitam tomar a vacina estão em uma pesquisa Datafolha
divulgada pela Isto É Dinheiro, que também ressalta que este percentual subiu
absurdamente, desde os 9% registrados pelo mesmo instituto em agosto do ano passado.
A mudança reflete a sinofobia cega
estimulada ‘de cima’ contra a Coronavac - apesar de todos aparelhos,
componentes eletrônicos, roupas e insumos químicos chineses para remédios
genéricos consumidos aos milhões diariamente no Brasil. Daqui passo de novo à
Europa, desta vez à França, para buscar entender a rejeição em cada país.
Segundo o Euronews (9/12/2020), é consenso que 70% de vacinados são o número mínimo para que a imunização atinja efeito global contra a pandemia, e que os europeus estão entre os povos mais céticos quanto à imunização. Uma pesquisa reporta que os poloneses são dos mais radicais no mundo entre os que negam a vacina; também entre os povos mais céticos estão os franceses, com apenas 59% acenando que aceitariam a vacina apenas em caso de comprovada segurança e eficácia do produto, seja lá o que isso for, além do que tem sido divulgado. Espantosamente, a favor da vacina, ainda segundo o Euronews, os brasileiros contabilizam 85,36%, em primeiro lugar, seguidos pelos sul-coreanos, com 79,79%, México, com 76,25%, e EUA, 75,42, uma escala descendente de confiança na imunização em que a ‘lanterna’ fica com a Rússia, com 54,85%.
Em sexto lugar na lista dos descrentes das vacinas, a Espanha, com 54,3%, um dos países mais afetados pelo vírus, vive uma peculiaridade estratégica: o governo está preparando uma lista fechada com o registro de pessoas que se recusam a serem vacinadas. Os dados serão divididos com outros países da União Europeia, disse o ministro da Saúde Salvador Illa (foto), informou a BBC News (29/12/20). O ministro enfatizou que a vacinação não será compulsória, mas fica claro que o registro comum na UE é uma forma coercitiva de fazer o cidadão procurar a vacina – tanto é que, desde o anúncio de que haverá esse controle e a comunicação aos órgãos de saúde dos países europeus, os 54,3% de novembro despencaram subitamente para espantosos 28%.
Há uma questão cultural envolvida, certa tradição antivacina em diversos segmentos de vários países. Uma amiga de origem inglesa, ao invés de levar os filhos ao posto de saúde para se vacinarem contra o sarampo, seguiu certa orientação paralela não-ortodoxa para procurar saber quais amiguinhos deles estavam em casa com a doença, e daí provocar o contato entre as crianças – mesmo que, como se sabe, nenhum contágio – fora o risco! - é tão eficiente quanto a imunização. Uma amiga francesa seguia a mesma ideia. Como todo bom gaulês, admirava coisas esotéricas e magias, a ponto de deixar o Brasil de volta para Paris já ungida mãe de santo, lá começando a jogar búzios, fazer adivinhações e até prometer a cura de doenças ou um amor de volta. Talvez o povo com maior número de leitores do “mago” Paulo Coelho, criador de histórias mágicas, fantásticas e esotéricas, seja o francês. A própria cultura da França é milenarmente rica em duendes, faunos, feiticeiros e perseguições reais a supostos bruxos e bruxas, como aconteceu com Jeanne D’Arc (1431).
No Brasil, fui imunizado contra diversas moléstias - a carteirinha de vacinação era exigida quando da matrícula nas escolas. Assim foi com meus filhos, e essa “compulsoriedade indireta” passou a fazer parte de nossa cultura, sem nunca mais ser questionada. Daí esses 22% de antivacinas representarem bem acima do que deveria se o estímulo à não-vacinação e contra a quarentena, patrocinado de maneira não-oficial pelo Executivo como catalisador das mentes enfraquecidas, via declarações e redes sociais. Com a vacina precoce, rígidos protocolos sanitários e ação enérgica pelos governos, já estaríamos com a pandemia sob controle.
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