Muito se fala em negacionismo, fake news e afins. A prática vem de longe, e foi Henry Rousso (foto) o primeiro historiador a chegar a uma conclusão sobre a matéria, a partir do francês négationnisme: disparates perdidos como birutas de aeroporto ao vento que têm acontecido desde muito tempo. Em 1987, em Le Syndrome de Vichy, ele buscava diferenciar a visão histórica correta das de negação do Holocausto, por exemplo. O historiador James Mc Pherson disse que os negacionistas queriam rever a história sob ótica “conscientemente falseada ou sob interpretações distorcidas do passado para servir a objetivos ideológicos ou partidários” (McPherson, J.: Revisionist Historians. NY: 2003, AMH). Segundo ele, os negacionistas queriam simplesmente “apontar para um objetivo político, transferir a culpa da II Guerra, demonizar um inimigo, criar ilusão de vitória e preservar sua união”. Paralelamente, buscavam capas e manchetes polêmicas, a fim de vender suas publicações. Os adeptos da prática tentavam forjar, ostentando com seus pseudoestudos de falsa imagem profissional, formação que era apenas pífia. Esses “pesquisadores da verdade” criam diferentes opiniões sobre os registros históricos para encaixá-las em sua própria visão ideológica, social e política, com o objetivo de falsear a verdade a seu favor. Apesar de polêmico, McPherson abriu caminho para destrinchar mentiras em diversos assuntos históricos. Negar a verdade era ferramenta preciosa para os que necessitavam da mentira para governar, e isso valia de Hitler a Stálin.
Um dos maiores delírios negacionistas que vimos até hoje surgiu após a segunda guerra, contestando o Holocausto. Eu mesmo conheci um adepto, Sergio, senhor de mais idade, colecionador de publicações, fotos e fatos sobre a Guerra - nem ousava desafiá-lo, ele tinha um cabedal imenso sobre a matéria e discursava até sozinho. Aos domingos tínhamos um longo café da manhã na tradicional padaria Amarante, SP, e lá falávamos de ópera e política. Contudo, sempre chegava a hora das guerras e do Holocausto (que, segundo ele, nunca existiu, e tinha livros para comprovar que eu nunca quis ler. Já sabia, tinha conhecido sobreviventes, assistido, vivido e o suficiente pra saber. (Brookline, em Boston, é um bairro judeu onde vivi uns anos). Hora de ir embora.
Também já vi negarem o genocídio dos armênios (foto) e os crimes de guerra japoneses. Negam, insistem até que o trouxa acaba acedendo. Lá atrás, durante a Inquisição, Galileo Galileu foi forçado pela Igreja a admitir que o sol girava em torno da terra (geocentrismo), e não o contrário, versão oficial. Condenado por heresia, retratou-se publicamente – mas não sem contradizer, sussurrando, a mentira que teve de assumir: epur se muove: no entanto, ela (a terra) se move. Episódio sobre o mesmo tema já havia acontecido com Copérnico.
O julgamento de Galileo |
A Igreja Católica da época, forjada na mais dura linha jesuíta, pressionava o mundo contra teorias científicas que já se demonstravam irrefutáveis, uma vez que as descobertas passaram a vir a passos galopantes, com novos aparelhos e instrumentos de observação e medição. Em muitas das antigas visões equivocadas, grandes mentiras travestiam-se de verdade oficial - até os estertores do possível, quando a sustentação daquelas teses caía como dominó. Por aqui, uma empresa chamada Brasil Paralelo, criada há 10 anos em Porto Alegre, fala de uma “realidade paralela” e tolices afins. Possui canal no Youtube e usa redes como o Telegram para propagar suas ideias, como despejar intelectuais, jornalistas e artistas no fogo da vala comum da esquerda – quem não está comigo é de esquerda, que é o mal: axioma da espécie de seita conservadora dita cristã, porém nada santa, que aqui surgiu. O autodeclarado “filósofo” Olavo de Carvalho, que mora em Richmond, EUA, não tem educação formal, mas engendra esse tipo de antagonismo, manipula a história do Brasil segundo sua conveniência. Na Isto É de 19/dez passado, o filósofo e professor Paulo Ghiraldelli Jr. fala sobre campanhas antivacina, medicamentos que não funcionam e delírios como o insano terraplanismo. E que tal um texto em que o ex-secretário de cultura Roberto Alvim plagiava Goebbels? Pergunta irônica: será que Zumbi dos Palmares dava chibatadas em ‘seus escravos’, esperando o dia em que abolissem a lei da gravidade?
“Máscaras fora”, alguém grita como na Independência. Indivíduos narcotizados a serviço de interesses ignoram a ciência tentando convencer que a proteção facial é inútil, assim como o distanciamento social e os protocolos sanitários. Entre eles, ministros, secretários, assessores do grupo, familiares e o próprio presidente repetem e tentam enfiar na cachola de um povo em parte dopado aquilo que Rousso e McPherson, há quase duas décadas, já haviam deixado claro: são mentiras forjadas ou obsoletas que agora ressuscitam como fantasmagorias; trabalham com a falsidade e tudo distorcem da forma que lhes convém politicamente. Um modismo, via fake news nas redes.
“Se você contar uma grande mentira e continuar a repeti-la, o povo terminará por crê-la verdadeira. A mentira deve ser mantida apenas o tempo suficiente para que o Estado possa proteger as pessoas das consequências políticas, econômicas e militares da verdade. Assim, é importante, vital para o Estado, usar todo o seu poder para reprimir dissidentes, porque a verdade é inimiga mortal da mentira; por extensão, a verdade é o grande inimigo do Estado”.
[Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler].
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