Desde antes das cidades bíblicas de Sodoma e Gomorra já se sabia de práticas sexuais diversas das ‘normais’, como o transexualismo e toda espécie de homossexualismo, bissexualismo e o chamado bizarre sex. Os capítulos 18 e 19 do Gênesis veem os pecados dos habitantes daquelas cidades como os piores do mundo, merecedores das “labaredas de enxofre” do céu. A destruição dessas tribos por Deus foi o castigo imposto aos que viviam na violação às suas leis. Refletindo, mais longe do que o passado bíblico, concluímos que esses comportamentos considerados “anormais” que se tornaram símbolos de condutas fora do ‘sexo casto’ antes de Sodoma e Gomorra, sempre existiram e foram um exemplo para as duas cidades.
“Menino veste azul, menina veste rosa”, festejou a ministra Damares Alves em convescote particular, um ‘meme’ que grassou nas redes passados milênios das duas cidades destruídas ao norte da Palestina, trazendo à luz outra cena simbólica, Adão e Eva. Ironicamente, nem ele estava de azul nem ela de rosa – consta que nem estavam vestidos. Ademais, para que cobrir suas vergonhas, se eram apenas os dois? Após o 'pecado', uma rama de videira caiu bem sobre a genitália do casal, fantasiam ilustrações posteriores.
Quem inventou de associar sexo masculino com azul e feminino com rosa? Poema simbolista ao poder dos céus sobre a fragilidade da flor? (Concepção, aliás, para lá de machista). A ideia surgiu no século 19, para distinguir os sexos masculino e feminino desde o nascimento dos bebês (PAOLETTI, Barraclough. Pink and Blue: distinguishing the girls from the boys in America”. Ind: IUP, 2012). Damares fez eco à tradição norte-americana, hoje espalhada pelo mundo, e, tendo a frase surgido em Igrejas, foi seguindo uma delas que a ministra ergueu sua bandeira. O ultrassom veio para assegurar aos pais a escolha do enxoval apropriado para seu rebento logo ao conhecer a luz, a partir daquela telinha que só o técnico entende - aliás, não 100% infalível.
A partir do século 20, as massas de discordantes da ‘normalidade sexual’ começaram a se organizar frequentemente como força política, a exemplo do LGBT e suas agregações. Nos países livres, ao menos uma vez ao ano grandes paradas gays – de todos os gêneros, dos clássicos às mais coloridas variedades – tomam as ruas atraindo grande número de simpatizantes, muitas vezes levando seus filhos, em uma festa transbordante de sorrisos, caras, bocas, lamês e purpurina. São eventos absolutamente pacíficos e, em tempos sadios) exemplos de aglomerações organizadas como poucas.
Museu de Arte Moderna (Rio) |
No meu colégio jesuíta no Rio, dois colegas de turma não se encaixavam nas brincadeiras ‘de macho’ ou no futebol: apenas observavam. Um deles, hoje cantor famoso que se casou com o namorado após uma antiga união de fachada com uma socialite imposta pela indústria fonográfica, tinha bom trânsito entre os colegas: cantava bem, fazia um ótimo cover de Lennon ou McCartney e tinha um bom papo. Éramos uma turma libertária, os anos 1967/70 que o digam. Todos mereciam nosso respeito, que se estendia dos “happenings” nos jardins de Burle Marx no MAM à praia de Ipanema, dos topless à tanguinha de crochê introduzida pelo jornalista Fernando Gabeira após a anistia lenta, gradual e irrestrita do Gen Figueiredo.
Particularmente, respeito pessoas de qualquer opção ou, para quem não crê em ‘escolha’ -, qualquer realização pessoal da sexualidade. Cada um vive como quer desde que, como todos deveriam, respeite a vida alheia. Há um número crescente de ‘trans’, opção já comum, e cifras ascendentes de assexuados, que não vislumbram em seus dotes natos meios para uma sublimação que, aliás, nem desejam.
George Orwell, em seu premonitório “1984”, falou da Newspeach, que expurgava do vocabulário, por determinações autoritárias do governo central, palavras ou expressões que pudessem desviar a população do pensamento oficial - uma civilização quase lobotomizada, sem opinião, sentimentos ou prazer.
Lembro-me de, nos EUA, brincar com uma amiga que em português casa, praia e rua são palavras femininas, enquanto em inglês house, beach e street são assexuadas. Ao que ela retrucou que o inglês é assim, reserva aos seres humanos a sexualidade, e mais: “my dog is a nice girl”, complementaria, definindo-lhe o sexo. Mais: hoje, boyfriend e girlfriend referem-se a quaisquer casais de parceiros. Triste é que surge entre nós em uma neófita minoria um vício, o de “assexuar” as palavras para acomodar todas as opções, prática que já chamam, lembro-me aqui de Gorge Orwell, 'Novilíngue'.
Já protestei contra uma jornalista, escrevendo à então ministra da Cultura Marta Suplicy (com quem eu havia trabalhado longos anos atrás), reprovando o aporte da pasta pela Lei Rouanet a uma edição ‘simplificada’ de Machado de Assis, um crime! (A aprovação, escreveu ela de volta, havia sido na gestão anterior, e mais, que ela era contra quaisquer mutilações, garantiu). É natural, então, que eu também objete fortemente quanto a essa forçada “novilíngue”, modismo que substitui as letras finais das palavras por “e”, ou, creia, por “x”: “todxs estão convidadxs”, supostamente para acomodar o arco-íris de gêneros.
Abro aqui um enorme abraço para todos, de todas as opções e cores! Mas não compactuo com os diletantes das redes que destroem a “última flor do lácio”, a língua portuguesa brasileira. Já vi “novilinguistxs” que não pertencem à comunidade LGBT e nem sabem o que fazem, só querem aparecer. Salve Machado, Bandeira e Drummond, do panteão intocável por pessoas contaminadas por modismos, que nunca leram absolutamente nada. A prática, mesmo ‘pingada’, não contribui para causa outra que não seja ampliar e perpetuar a ignorância e macular a língua de nossos grandes mestres. Salve a comunidade de todas as cores, salvem o vernáculo!
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