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sábado, 10 de junho de 2023

ROBÔS E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

 


Q
uando o escritor russo-americano de ficção científica Isaac Asimov lançou “Eu, Robô”, em 1950, sucesso por décadas, não se imaginava que o objeto de paixão da vida do autor fosse seduzi-lo tanto. Até onde essas engenhocas cheias de fios, circuitos, diodos, transístores e, na época, válvulas sem fim, poderiam ir? Conseguiriam raciocinar por si algum dia? Asimov tinha paixão especial por robôs: além do título já citado escreveu mais quatro, formando uma série. Eram máquinas dóceis submetidas ao homem. Fora a visão humanista de Asimov, aquelas foram épocas de terríveis e sombrias visões do futuro, como Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, romance distópico (utopia negativa) de George Orwell, e o mais recente Alphaville (1965), do cineasta Jean-Luc Godard. O mundo temia que essas engenhocas começassem a pensar e fazer-desfazer por si, criassem iniciativa própria e, de roldão, dominassem seu criador, o homem, e o mundo inteiro. Cruzes!


N
ossos sonhos giravam em torno de simpáticas máquinas como os robôs da série de desenhos animados Os Jetsons - dóceis, servis, mas com uma pitada de opinião para tornar os filmecos mais divertidos. Ah, perguntaríamos, quem dera tivéssemos ao menos um desses escravos, e o mundo liberto de vez de toda sorte de escravidão e exploração do homem pelo homem! (Como se sabe, máquinas não sentem. Bem... Ao menos até hoje). Aprende-se robótica nas escolas, constroem-se protótipos de robôs, uns complexos, outros apenas para jogar um futebol diferente, meio enlatado. Na universidade, meu filho juntou-se a um grupo de colegas e chegou a disputar campeonatos, um novo esporte que demandava tutano, diria minha avó, cérebro para preparar aqueles gadgets. Ora, se as máquinas são boas, por que temê-las? Podem trabalhar por nós, não é o que sonhamos? Labutarmos cada vez menos? (Meu pai dizia: “a preguiça é a mãe da invenção”. E eu, cada vez mais, acredito nisso).

O Univac

M
as o mundo foi rodando, o tempo passando e maquinarias de cada vez menor tamanho começaram a se tornar mais necessárias para o pensar eletrônico. Os computadores reais dos tempos de Isaac Asimov ocupavam uma sala inteira, décadas depois não precisariam mais do que o espaço de uma agendinha eletrônica, e hoje... Quem diria, hein? cabe tudo e do resto muito mais um tanto em nossos celulares!).


H
oje, uma coisa chamada Inteligência Artificial (Artificial Intelligence, em inglês, ou AI) lança nova sombra sobre o mundo, o terrível medo de que forças anônimas – ou quem sabe até muito bem identificadas! – venham a nos dominar executando manobras complexas em supervelocidade. De um lado, alunos sonham com a IA nos seus trabalhos escolares, os acadêmicos nas pesquisas científicas, e em toda “mão de obra cerebral” – está criado o neologismo? -, com uma rapidez nunca dantes vista. De outro, e a Receita Federal? E as guerras? O que intriga é: se alguém tem o poder de programar o funcionamento da IA, então há quem tenha o controle nas mãos, ou, indo bem longe, a rigor poderão com ela deter o poder sobre o mundo.

Foto: Casa Magalhães

D
ia desses uma amiga propôs aos seus pares da rede social que cada um desse o nome de um livro, apenas um. Propus Dom Casmurro, de Machado de Assis, e em segundos o que existia na Internet sobre ele era espremido em exíguo espaço, algumas linhas. Dentro dos parâmetros dados, a geringonça mostrou a data da primeira edição, 1899, a editora, Garnier, e uma série de informações sobre aquele momento no conjunto da obra do autor. Corri para conferir algumas coisas, mas até ali tudo estava certo. Em três segundos! Pensei: será possível catalogar um número astronômico de obras para grandes bibliotecas ou universidades em curto espaço de tempo! (Arregalei os olhos, ri e lembrei-me de um episódio divertido de uns vinte anos atrás, na casa de uma amiga produtora artística. Nós, do estúdio dela no andar de baixo, ouvimos a velha senhora chamá-la e perguntar quando ela tinha saído e retornado do supermercado, pois entregaram pacotes na porta. Ouviu não, mãe, fiz as compras pela Internet, eles só vieram entregar! Pronto. Bastou para a velha senhora passar mal e esbravejar onde estamos, será isto o demônio, aonde vamos chegar?)


A
pós pensar nas vantagens do uso dessa parafernália tecnológica, Chat GPT e afins, diverti-me vendo montagens fotográficas de celebridades onde elas nunca estiveram, obras impossíveis de Da Vinci e Picasso e até rabiscos de composições bem medíocres. Na arte e no amor, nossos escudo e broquel, não há chance para IA no final.


L
uz amarela. Em um ensaio para a revista Economist de 28 de abril, o renomado filósofo e historiador israelita Yuval Noah Harari explica o porquê da necessidade de um freio para desarmar as IA na esfera pública. Aqui e ali, vê-se um alerta para o surgimento de inicialmente pequenas calamidades. Lembremos depois as eleições de 2022, as poderosas fake News, os bots, algoritmos manipuláveis; pensemos os estelionatos cibernéticos em massa e, pior de tudo, o avanço indomável das guerras. Se brincadeira, nesta nova 4ª revolução industrial, ou cibernética, a IA já não teria mais graça alguma. Da 3ª revolução, a da robótica, informática e eletrônica, saltaremos a uma outra, a da velocidade descontrolada, cálculos exponencialíssimos com pilotos desconhecidos. Do Alpha Soissante, do velho Alphaville de Godard do início, e lembrando Fahrenheit 451, obra-prima de Ray Bradbury, devemos lutar contra esse “novo mundo”, onde não haveria lugar para amor, arte e sentimentos. E venceremos!

sexta-feira, 2 de junho de 2023

VENI, VIDI, VICI

 


D
o latim clássico, a frase teria sido proferida por Júlio César ao fim da batalha de Zela, em 47 a.C., como uma mensagem do Imperador ao Senado de Roma para festejar a vitória. Em português, “Vim, vi, venci”. A frase tornou-se famosa a ponto de ressurgir em outros momentos da história, com algumas variações - ao fim da Batalha de Viena, no século XVII, João III, rei da Polônia, teria bradado Venimus, vidimus, dio vicit: “Viemos, vimos, Deus venceu”. Do nome italiano Vinicius, dim. de vinius, vinnilus – “que tem voz agradável” - surgiu também Vinício, popular entre nós.


V
inícius José Paixão de Oliveira Júnior, nome que por necessidade de espaço foi ‘encolhido’ para Vini Jr., nasceu pobre em São Gonçalo, RJ, em 12/07/2000. É um rapaz de 23 anos incompletos que aos 16 entrou para a história, vendido pelo Flamengo carioca para o Real Madrid por 45 milhões de euros – R$ 240 mi, a segunda maior soma jamais paga por um jogador brasileiro, ficando atrás apenas de Neymar. Jovem, bamba e já dono de uma pequena fortuna, Vini só poderia esperar sucesso e desfrutar dos louros da fama. Novo, forte, artilheiro temido nos campos, Vini teve construída de repente ao seu redor outro tipo de barreira, uma muralha, digamos, de racismo, inveja, xenofobia, sentimentos que têm sido cultivados mundo afora em ciclos históricos, germinados com racismo e despeito e de mãos dadas com a inveja. Um garoto virtuoso a bordo do sucesso e da glória provocou o que há de pior, como Caim contra seu irmão Abel: o ódio, que além de envolver tudo isso pode muito mais.


E
m Valencia, Espanha, os sonhos de Vini tornaram-se agora enormes pesadelos. Há as inevitáveis comparações entre o racismo espanhol e o “estrutural” brasileiro, coisa sem sentido, já que em todos os lugares do mundo o preconceito está presente em suas diversas formas. Neste momento, muitos já culpam a vilania espanhola na questão do preconceito racial, pois estamos em um momento em que o ódio explode aos gritos de “morra, Vini!” em pleno jogo, arrancando lágrimas de muitos – e do próprio jogador em campo. Para “salvá-lo” da histeria dizem que o melhor seria ele deixar o Valencia, LaLiga, a Espanha, supostamente para proteger-se da turba ensandecida teleguiada por líderes mais radicais. Durante quase 40 anos, a ditadura espanhola de Franco, ao lado das de Mussolini, na Itália, Hitler, na Alemanha, e Salazar, em Portugal, foi radical exemplo de ódio e racismo. Talvez sobra do veneno dos monstros do Guernica, de Picasso, genial pintor espanhol.

Guernica, de Pablo Picasso


Júlio Gomes, do UOL (23/05), acha que um país que recebera Vini tão bem não teria o germe do ódio despertado assim sem mais. E muitos teriam visto um começo: setembro de 2022, em um programa de TV, “desses de baixo nível, como temos vários aqui”: “um idiota racista fala no ar que o jogador precisava respeitar os rivais, parar com as dancinhas após fazer gols e deixar de ‘fazer macaquices’”. Naquela mesma semana, torcedores do Atlético de Madri, do lado de fora do estádio, imitavam macacos; faixas com mensagens hostis engrossaram o caldo do ódio, bonecos com o uniforme do Vini foram pendurados em uma ponte, e outro surgiu qual em uma forca, simbolizando uma ação ainda mais cruel.

CAE Senado

N
o Brasil, em discurso infeliz, um senador da República, Magno Malta (PL-ES), criticou a repercussão do assunto na imprensa durante a reunião da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do dia 23/05: “Cadê os defensores da causa animal que não defendem o macaco?” E que tudo seria uma “revitimização” de Vini Jr. Qual o limite da imunidade parlamentar no Brasil? Um homem que se diz fundamentalista religioso, pastor evangélico e cantor? (Aliás, esta última “qualidade” não conhecia. Ele estava, sabe-se lá o porquê, em uma reunião da Frente Parlamentar pela Inclusão da Música no Ensino Escolar, de que cuja mesa de debates participei na Alesp há uns 20 anos. Por ser “cantor”? Não que eu saiba).

Javier Tebas, do LaLiga

A
pós esses episódios e suas repercussões, natural que as posições se exacerbassem. A extrema direita no mundo traz de carona a xenofobia e o racismo, e o partido de extrema direita espanhol – hoje todos temos os ‘nossos’ – chama-se VOX (do latim ‘voz’). Javier Tebas, presidente da LaLiga, notório racista e militante, ouviu de Vini “quero ações e punições, hashtag não me comove” (O Globo, 22/05, Esportes). Cabe a nós todos lutarmos juntos contra o ódio racial: os piores momentos da história o tiveram como combustível da raiva a movê-los. Segundo o IBGE, 55,8% da população brasileira é considerada negra. É verdade que a porcentagem de apresentadores de TV, jornalistas, professores universitários e economistas de pele escura e preta cresceu também, logo, sábio será lutar pela inclusão e combatermos juntos toda e qualquer discriminação.

Pelada de rua em S. Gonçalo

O
menino Vinicius, de São Gonçalo, pode jogar em qualquer país do mundo, mas isso não deveria engrossar as fileiras dos que o querem longe da Espanha, “para protegê-lo”.  Vini deve ter a mesma liberdade e autonomia de qualquer craque, já que talento lhe sobra. E o mundo tem a chance de aprender com ele, pois já há quem o eleja como um segundo marco na luta contra o racismo neste século, após George Floyd, assassinado por policiais em Minneapolis, EUA, sob sufocantes I can’t breathe (eu não posso respirar) seguidos.

Ao ouvir o nome de Vini pela primeira vez, lembrei-me daquela frase de Júlio César em 47 a.C. Hoje, não por acaso, dei título a este artigo em homenagem a ele, Vini. E que brade para todos: Vim, vi, venci.