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sábado, 30 de junho de 2012

I - QUE LULA, QUE NADA! BUSH É QUE É ‘O CARA’! O retirante nordestino e o diplomado pela Yale University.



Yale University
Muito se fala por aí sobre as famosas escorregadelas nas declarações do Lula. Claro que, com o tanto que ele gosta de falar, as agressões ao vernáculo e os deslizes tendem a ser mais frequentes. Há que se dar o desconto para a origem pobre, a formação incompleta, e o crédito, goste ou não, pela fala simples dirigida ao povo, que ele seduz com facilidade. Mas quem diria se muito - muito pior! - saísse de um sujeito, também ex-Presidente, da nação mais poderosa do mundo? Falo de George W. Bush, estudado em Harvard e diplomado na Yale University, personagem de um dos mais caudalosos anedotários políticos da história.
Bush e a família Bin Laden
Várias famílias tradicionais norte-americanas têm sua tradição fincada em Harvard, como os ex-presidentes Roosevelt e Kennedy; na Universidade de Yale, Clinton, Gerald Ford e George W. Bush, pai e filho, e Stanford, Hoover - e, durante algum tempo, também Kennedy. A família Bush é uma das mais ricas, mais poderosas de um dos mais opulentos estados norte-americanos, o Texas. Os negócios de Bush ‘pai’ cruzaram caminhos até mesmo com o clã Osama Bin Laden, como se viu no documentário “Fahrenheit 9/11”, de Michael Moore. Como família que faz polpudas contribuições anuais à Universidade de Yale, prática da tradição americana, Bush lá conseguiu ingressar e se formar, engordando seu magro currículo com o diploma de uma das maiores instituições de ensino do planeta.

II - QUE LULA, QUE NADA! BUSH É QUE É ‘O CARA’! – Conduzindo Mr. Bush.


Bush em plena campanha
Quem conhece um pouco de Bush? Para quem gosta de biografias, recomendo “George Bush, the Life of a Lone Star Yankee” (1997), de Herbert Parmer. “Devastador!” foi a única palavra que o crítico Jonathan Yardley reservou para “American Dinasty”, de Kevin Phillips (NY: Viking Penguin, 2004) – nesse livro, foi feito um levantamento a ferro e fogo sobre o poderio e a história sombria dos Bush. Porém, é no “The Bush Dyslexicon”, de Mark Crispin Miller (NY: Norton, 2002, atualizado após o ataque de 11/9) que afloram melhor as trapalhadas verbais de Bush, que não são comparáveis nem de longe às anedotas sobre o Lula. (Obs.: Infelizmente, não encontrei versão em português para nenhum dos livros citados). 
III - QUE LULA, QUE NADA! BUSH É QUE É ‘O CARA’! – Memória, geografia e Darwin.
Mapa dos EUA: Texas, no centro, e Florida, à direita
 Vamos ao alfarrábio de Bush. “Quando falo sobre mim mesmo, e quando ele fala sobre mim, nós estamos falando sobre mim” (Hardball/MSBNBC, 31/05/2000). Ou ainda: “Eu falei para meu irmãozinho, Jeb – e eu nunca contei isso para ninguém – meu irmão Jeb é o grande Governador do Texas...” Entrevistador: “Florida”. Bush: “Florida, o Estado da Florida!” (“Newshour”, com Jim Lehrer, TV PBS, 27/04/2000). “E eu vejo aqui meu camarada de Yale, Bill Bucklay. No passado, nós tínhamos uma coisa em comum: Bill escreveu um livro, enquanto estudou em Yale. E eu li um” (“Al Smith Memorial”, 19/10/2000). Sobre as eleições de então, saiu-se com essa, sobre sua possível recandidatura: “Há muita especulação e acho que vai continuar a haver muita especulação até que a especulação termine” (“Austin-American-Statesman”, 18/10/1998).
Darwin: "A Origem das Espécies"
 Veja essa pérola, sobre o petróleo: “É óbvio que nossa nação depende muito do óleo importado. Cada vez mais nossas importações vêm de fora!” (“Beaverton Slate”, 25/09/2000). Já os ‘atos falhos’ eram diários, como em “Não me importa o que as pesquisas dizem; estou fazendo o que acho errado!” (NY Times, 15/03/2000). E sobre o criacionismo, do qual é adepto, disparou: “Antes de mais nada, a religião já estava aí bem antes do darwinismo!” (“George Magazine”, set/2000). 

IV - QUE LULA, QUE NADA! BUSH É QUE É ‘O CARA’! – Tancredo Neves, o mestre dos segredos, e o infarto secreto de Chenney

Dick Chenney saindo do hospital
Até mesmo para um cidadão que não fosse graduado pela incensada Yale University, algumas joias de ignorância chamariam a atenção. Mas lembremos que ele era o Presidente da República dos Estados Unidos! Aliás, existe uma outra “bushíada” sobre os poderes da República que é imbatível: “A missão do Legislativo é escrever leis. A do Executivo é interpretá-las” (“Austin Slate”, Texas, 18/11/2000). “Trarei para a administração homens e mulheres honestos (...) mulheres que servirão ao nosso país como um privilégio, e que não sujarão a casa” (“GOP  Debate”, Iowa, 15/01/2000). Como guardião de segredos, Bush também era uma negação (pena que não conheceu o mestre Tancredo Neves...): “Eu agora vou para minha ceia familiar de Ação de Graças. E Dick Chenney (N.A.: o Vice-Presidente) está saudável. Ele não teve um infarto!” (Cheney tinha acabado de ter um infarto, mas ainda era segredo de Estado). 
V - QUE LULA, QUE NADA! BUSH É QUE É ‘O CARA’! – A separação entre Igreja e Estado e o bravo piloto.

Bush – que em inglês quer dizer “arbusto” - se enchia de orgulho por ter ido à guerra como soldado (citando detalhes bastante questionados pela oposição, na campanha), assim como seu pai. E era com tom solene e ufanista que falava sobre seus feitos: “Eu estive na guerra. Eu criei filhos gêmeos. Se tivesse tido escolha, teria ido à guerra” (AP, 27/01/2002). Ainda sobre a carreira militar, em um “talk show” da TV, “Uncle” George se superou. A assessoria presidencial estava preocupadíssima com a igreja de Bush, uma certa derivação da Igreja Católica que ele havia infiltrado e instalado em plena Casa Branca. Marqueteiros também passaram a insistir diariamente que ele tinha de separar Igreja e Estado, aquilo logo iria se transformar em uma bomba nas mãos da oposição. “O Sr. tem de separar Igreja e Estado já!”, insistiam diariamente. 
Para estrear o novo estilo, ao ser entrevistado sobre a atuação de seu pai e a dele, como o mais jovem piloto da Força Aérea na guerra do Vietnam (também questionado à exaustão), perguntado sobre um acidente aéreo que ‘Bush Pai’ teria sofrido na II Guerra, George saiu-se com essa: “Sim, o avião foi abatido. Mas, graças a Deus, ele conseguiu saltar e montar seu bote inflável até que aparecesse auxílio”. O entrevistador então perguntou: “E o Sr. sabe em que ele pensava enquanto aguardava, naqueles momentos terríveis?”. Bush: “Pensava em Deus, no amor à nossa família e... na separação entre Igreja e Estado”. Fecha o pano. 

VI - QUE LULA, QUE NADA! BUSH É QUE É ‘O CARA’! – O documentário do século: “Fahrenheit 911”.

O brilhante documentário “Fahrenheit 9/11”, de Michael Moore (2004) mostra, logo ao início, Bush em uma sala de aulas de crianças na Florida, virando páginas de um livrinho infantil e fazendo caretas. Um assessor, em pânico, entra em cena para avisá-lo, sussurrando-lhe ao ouvido sobre o atentado terrorista que derrubou as famosas “Torres Gêmeas” de Manhattan. No relógio da tela do filme, 7  minutos se passaram até Bush reagir ao alerta. A primeira declaração: “Eu pensei: eu mesmo já pilotei. Eis aí um péssimo piloto”. Depois, ainda lamentou: “Deve ter sido um acidente horrível” (Florida, 4/12/2001). Ah, Bush é mesmo ‘o cara’. Inigualável. [Veja e creia no vídeo abaixo, Bush na escola pública Booker Elementary, na Florida, recebendo impassível o anúncio da derrubada da primeira torre, aos 5 minutos e 03 segundos. Bush ainda não havia reagido].

sexta-feira, 22 de junho de 2012

I - CANÇÕES DO EXÍLIO: O exílio bíblico.


A Jornada
O exílio é um tema que se perde nas origens de nossa civilização. Diante de perseguições, o ser humano, isolando-se ou agregado, não lhe restando opção, foge, procurando abrigo onde possa sobreviver ao opressor - física, religiosa ou politicamente. Em “Conduzindo um Cativo ao Cativeiro - ‘O Exílio’ como História e Ideologia” (Sheffield Academic Press: 1998), Lester Grabbe propõe o debate do exílio, ‘forte símbolo da Bíblia’, e entende que a literatura bíblica e de Israel pode ser classificada como “antes e depois do exílio”. Rainer Albertz considera que ‘a época do exílio representa um buraco negro na narrativa da história bíblica’. E Robert Becking cita especialmente o Livro de Esdras (1-2), sobre o retorno dos exilados judeus (Anais do 2º Seminário sobre Metodologia Histórica: 1997, Lausanne, Suíça). 

II - CANÇÕES DO EXÍLIO: O exílio de Gonçalves Dias, Oswald de Andrade e 'a' sabiá.


Gonçalves Dias
O título deste artigo é, claro, uma citação ao poema “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias, escrito em 1843, em Portugal. Dias havia se mudado para lá a fim de cursar Direito na Universidade de Coimbra, fundada em 1290 – uma das mais antigas do mundo. O poeta, imbuído do mais perfeito espírito de romantismo literário, lembra sua terra natal, sua pátria. Dono de respeitável cultura, Gonçalves Dias bordou o que para muitos são apenas versos singelos; contudo, eles têm inspiração universal mais profunda: a “Canção de Mignon”, do alemão Wolfgang Goethe. Escreveu Dias: “Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá / as aves que aqui gorjeiam / não gorjeiam como lá”.
Oswald de Andrade
(O modernista Oswald de Andrade aproveitou e fez uma paródia irônica: “Oh, que saudade que eu tenho / da aurora da minha vida / das horas da minha infância / que os anos não trazem mais. / Eu tinha doces visões / da cocaína da infância / (...) debaixo da laranjeira / sem nenhum laranjais”.)
A canção “Sabiá”, de Chico e Jobim, levou o primeiro lugar no III Festival Internacional da Canção (1968), sob uma vaia e gritaria homéricas da estudantada (que via nos versos de Chico pura alienação burguesa). A galera (literalmente, a do Maracanãzinho!) preferia “Pra não dizer que não falei de flores”, um simplíssimo (porém belo) hino à movimentação popular contra a ditadura, tocado naquela noite apenas com voz, violão e dois acordes por Geraldo Vandré. Porém, ‘a’ “Sabiá” bebeu da água das aves de Gonçalves Dias, cantando em nome dos que foram expulsos, exilados ou tornaram-se clandestinos, entre artistas, políticos e intelectuais: “Vou voltar / sei que ainda vou voltar / para o meu lugar / Foi lá e é ainda lá / que eu hei de ouvir cantar ‘uma’ sabiá / (...) vou deitar à sombra de uma palmeira que já não há / colher a flor / que já não dá (...)”. Veja e ouça o momento histórico da consagração de Sabiá, com Jobim e Chico, no III Festival Internacional da Canção, entre vaias e aplausos, com as cantoras Cynara e Cybele e Chico e Tom, austeros e emocionados:


III - CANÇÕES DO EXÍLIO:O exílio de Caetano e Gil.

Outros cantaram um exílio mais contemplativo, melancólico, como Caetano Veloso em “London, London” (trad. livre do A. - o original de Caetano é em inglês): “Eu estou solitário em Londres / Londres é tão amável / eu atravesso as ruas sem medo / todos parecem abrir caminho / eu sei, eu sei, ninguém aqui / vai me dizer olá (...)”. Parece que a quietude de Londres incomodava o cantor, uma cidade tão bela, tão aprazível – e isso ia de encontro, claro, às lembranças da perseguição, dos dias sombrios do cantor na prisão e da partida para a Inglaterra – durante a qual ele certamente deve ter rememorado uma de suas mais antigas canções, sobre a vinda da Bahia para o “Sul-maravilha” (como dizia o cartunista Henfil): “No dia em que eu vim-me embora / minha mãe chorava em ai / minha irmã chorava em ui / e eu nem olhava pra trás / no dia em que eu vim-me embora / não teve nada de mais”. Ouça e veja “London, London, com a banda Black Rio, em 1978:
Gilberto Gil preferiu cantar um exílio menos conformista, como é de seu estilo: extrovetido, alegre, ‘mutatis mutandi’. Após o retorno, Gil evocou seu desterro com um rock bem ‘raiz’ brasileiro, "Back in Bahia": “Lá em Londres, vez em quando me sentia longe daqui / vez em quando, quando me sentia longe, longe, dava por mim / (...) nervoso, querendo ouvir Cely Campello pra não cair  / naquela fossa...”. 

Veja e ouça, em 1972, logo após a volta de Gil ao país (no baixo elétrico, com certeza, Bruce Henry. Na guitarra, Lanny Gordin - ou você arrisca outro?):


IV - CANÇÕES DO EXÍLIO: “No exílio”, de Elisa Lispector, uma concepção com estilo.


Elisa Lispector (Ucrânia, 1911, RJ, 1989)
Belíssimo é o livro “No Exílio”, de Elisa Lispector (RJ: José Olympio, 2005). Elisa era irmã da consagradíssima e saudosa Clarice Lispector, e onze anos mais velha do que ela. Enquanto Clarice era intimista, com uma visão do mundo mais turva e da felicidade mais simbólica, Elisa sai da Rússia sob o medo dos tzares, dos bolcheviques e das perseguições aos judeus. O romance não é um devaneio literário, ele deixa entrever no véu da escrita imagens de um passado real.
Quem não conhece alguém que sofreu o exílio? Meu avô materno, militar, ficou um ano e meio na Europa, por ter participado da Revolução Constitucionalista. Sustentava-o e mandava uma ajuda mensal para a família de minha avó o clã Mesquita, de “O Estado de São Paulo”. 
Revolucionários de 1932
Posso imaginar o que foram aqueles anos: a família – mulher e 8 filhos - não apenas privada do convívio e do bom sustento; as raríssimas notícias apenas aliviavam o medo do pior, tal qual aconteceu com as vítimas de tantas e quantas ditaduras. Mas não nos iludamos: o exílio é muito mais amplo, pode até extrapolar a questão do local onde se é desterrado: ele também é dos que aqui mesmo se esconderam nas cidades e nos campos, para sobreviver, e os que mudaram de nome e lugar, deixando sua identidade real em algum lugar perdido na saudade. 

V – CANÇÕES DO EXÍLIO: O exílio do Céu e da Terra.

Ciro Monteiro e seu instrumento: a caixa de fósforos
Há até quem, como Chico Buarque, consiga cantar a beleza e a paz do Céu, mostrando que o “exílio” é aqui mesmo -, como em “Meu Caro Amigo”, dedicado e com breve recado ao falecido colega Ciro Monteiro: “Aqui na Terra tão jogando futebol / tem muito samba, muito choro e roquenrol / uns dias chove, noutros dias bate sol / mas o que eu quero é lhe dizer / que a coisa aqui tá preta...”. É, Chico, você tem razão: esse “exílio terreno”, de cá, o mesmo de sempre, está realmente preto... Veja e ouça o belo vídeo de Chico e Francis Hime em “Meu caro amigo”, com direito a Altamiro Carrilho na flauta:


sábado, 16 de junho de 2012

I - O MITO STRADIVARIUS E AS GUITARRAS ELÉTRICAS: Os preços estratosféricos dos instrumentos.


Antonio Stradivari
Há muitas décadas se discute a disparada dos preços dos instrumentos feitos pelo grande mestre lutier cremonense Antonio Stradivari (esse o seu nome em italiano; o que ele assinava nas etiquetas, Antonius Stradivarius, seguia a tradição de serem escritas em latim). Claro, violinos e violoncelos que passaram pelas mãos de príncipes, grandes colecionadores como Hill’s & Sons, de Londres, o italiano Tarisio e o francês Vuillaume (também fabuloso lutier e copista quase perfeito do próprio Stradivari), obtêm um valor em leilões que ultrapassa em muito a virtude de serem simplesmente perfeitos. 

O 'Lady Blunt' Strad
E essas joias passam pelas mãos de músicos e nobres como Davidoff – que dá nome ao violoncelo que já esteve com Jacqueline Du Pré e hoje é tocado por Yo-Yo-Ma -, fazendo o preço final chegar a leilão em valores inimagináveis: há alguns anos, o violino ‘Strad’ (como os músicos chamam os instrumentos do autor cremonense) Hammer foi vendido por R$ 7 milhões. Recentemente, o Lady Blunt Strad foi leiloado por... R$ 32 milhões! 

II - O MITO STRADIVARIUS E AS GUITARRAS ELÉTRICAS: Joshua Bell e seu Strad.


Um 'Del Gesù"
Um Guarnerius Del Gesù, um Amati, um Da Salò e outros instrumentos da nata dos grandes mestres italianos do passado também encontram preços igualmente inacessíveis - senão para músicos solistas de primeiríssima linha (e talvez também para violinistas de menor estatura e muito dinheiro, como André Rieu). Esse mercado se resume hoje a esses poucos eleitos; fora isso, apenas empresas e fundações adquirem os instrumentos e os cedem para jovens virtuoses como Joshua Bell, cujo Strad lhe foi emprestado desde quando o violinista surgiu como um novo prodígio no horizonte da música clássica internacional. Vale dar uma conferida no Noturno em Dó sustenido menor de Chopin, na versão de Joshua Bell com seu  Strad:



III - O MITO STRADIVARIUS E AS GUITARRAS ELÉTRICAS: Do jazz ao rock


O lendário guitarrista Les Paul
Instrumentos moderníssimos (sim, a história dos instrumentos é contada em séculos ou milênios) como a guitarra e o baixo elétrico foram inventados no início dos anos 1930, para prover maior e melhor amplificação, além de qualidade, substituindo o violão eletrificado, que já começava a fazer parte dos grupos de jazz. Dessa forma, aos 80 anos de idade, apenas, esses instrumentos são ainda ‘bebês’. Les Paul (1915-2009) foi um músico a quem se credita a invenção da guitarra de corpo sólido  - e não oco, como um violão, como aquelas que Chuck Berry e Bill Halley usavam. A guitarra de Les Paul abriu novas avenidas para o jazz e o rock’n’roll. Mas quanto elas custam hoje? 

IV - O MITO STRADIVARIUS E AS GUITARRAS ELÉTRICAS: Guitarras em leilão.

Violão C.F. Martin
A Gibson da Christie's
Colocada em leilão na Christie’s de NY em 2008, uma Gibson de corpo sólido feita por encomenda – detalhe: os instrumentos elétricos de que falo são todos dos anos 1950/1970 - teve o lance inicial fixado entre R$ 80 e R$ 120 mil (foto). A Fender Stratocaster – antes da aquisição da fábrica pela CBS, que massificou a produção em detrimento da qualidade -, chega facilmente a um lance inicial fixado em torno de R$ 36 mil – e daí para cima. Um violão C. F. Martin (foto) não sai por menos do que R$ 100 mil, e um Hermann Hauser parte dos R$ 160 mil. Uma guitarra Gibson modelo Les Paul original chega a ter o lance inicial fixado em pregão na faixa dos R$ 300 mil.

O "simplório" violão Epiphone de Hendrix
Agora podemos tecer algumas comparações entre os preços de guitarras elétricas com os dos violinos e violoncelos italianos antigos. Os instrumentos elétricos modernos que descrevi acima são instrumentos raros, mas sem ‘pedigree’. Explico. Uma guitarra Gibson modelo Les Paul sai a partir de R$ 300 mil, mas uma Gibson que pertenceu ao próprio Les Paul teria seu preço multiplicado. Uma Fender Stratocaster ou Telecaster de Jimi Hendrix também teria seus preços de venda catapultados ao espaço. Para se ter uma ideia, em 2012 um violão Epiphone, instrumento sem atributos especiais, foi levado em um leilão por R$ 450 mil. Porém, detalhe: ele pertenceu a Jimi Hendrix, e isso bastou para arremessar o preço às nuvens. Em 2006, uma guitarra que foi tocada por George Harrison em 1963 (e apenas então) alcançou bem mais do que os R$ 315 mil fixados para o lance inicial. Abaixo, um vídeo histórico do homem que cantava, se acompanhava e solava ao mesmo tempo: Jimi Hendrix e sua Stratocaster branca tocando Voodoo Child:


V - O MITO STRADIVARIUS E AS GUITARRAS ELÉTRICAS: O pedigree dos instrumentos.


Temos, então, uma equação bem simples: em primeiro lugar, de que tipo de instrumento se trata, e se for de marca (Fender, Gibson), de que época. O segundo ponto é o quesito qualidade. Comparando, há Strads fora da época áurea do autor e de não tão grande qualidade que chegam a ‘apenas’ USD 500 mil ou menos – esses são mais fracos e não têm pedigree. Em segundo lugar, há que se ver quem fabricou o instrumento, seja a Fender pré-CBS (como falam os músicos nos EUA), entre as guitarras, ou um Del Gesù, no caso dos violinos. A originalidade e autenticidade têm de ser absolutamente comprovadas e certificadas, e não existe ninguém no Brasil com   status para uma palavra definitiva. Hoje, são raríssimos os certificadores aceitos no mundo. Ah, eu sempre repito: uma etiqueta de autor como Strad vale tanto quanto seu peso em papel: nada.

O "Strad" Viotti


Por fim, mas não por último, o ‘pedigree’ do instrumento. Eu pude apreciar o Strad “Viotti”, que pertenceu ao famoso violinista do século 18 do mesmo nome; esse Strad já ‘morou’ no Brasil, com o falecido colecionador Gerald Modern. Pude apreciar cada detalhe como quem vê um Da Vinci ou um Michelangelo: cada curva, o cheiro, cada veio da madeira, a forma. Foram longos 15 minutos enquanto Gerald, já idoso, me servia um café. 

VI - O MITO STRADIVARIUS E AS GUITARRAS ELÉTRICAS: Obras de arte!


"A Escola de Atenas", de Rafael

As obras de arte trazem em si uma carga intensa, e essa nos é recebida de forma subconsciente; quanto melhores, quanto mais perfeitas, e quanto mais geniais seus autores, mais elas nos seduzem e nos arrebatam. E isso só se obtém com o melhor da criação humana: vá a um museu onde você possa ver um Rafael, um Matisse, um Monet, um Picasso... e note que o tom das conversas dos visitantes é como uma troca de sussurros em um mosteiro! É o respeito àquilo que você está vendo e que está te tocando fundo: a arte que perdurará por séculos, para que todos os seres humanos possam desfrutar da magia incandescente que emana dessas criações.

VII - O MITO STRADIVARIUS E AS GUITARRAS ELÉTRICAS: O futuro das velhas guitarras.

George Harrison e sua guitarra Rickenbacker
Em pouco mais de 200 anos essas guitarras e baixos elétricos terão a idade dos Strads de hoje. Mesmo não tendo autor identificado, como os mestres lutiers italianos do passado, apenas pela raridade e excelência alcançarão preços absurdos - e até escandalosos se um dia pertenceram a grandes magos como Jimi Hendrix, George Harrison, Les Paul, Django Reinhardt, Eric Clapton... (Veja e ouça abaixo Eric Clapton, magistral e nada suave, em Groaning the Blues, já que falamos em guitarras e guitarras...)


sexta-feira, 8 de junho de 2012

I - SCHUMANN, CLARA WIECK E XUXA: Shakespeare, Byron, Schumann e suas maluquices.


O jovem Robert Schumann
Robert Schumann nasceu em Zwikau, Saxônia, em 1810. Filho de um livreiro, cedo entusiasmou-se pelos grandes nomes da literatura universal, como Shakespeare e Byron. Foi talvez o mais romântico dos compositores – na vida, no amor, na música e na morte. Já estudante de música, ouviu um famoso pianista da época, Moscheles, e dedicou-se desesperadamente à tentativa de um disputado lugar ao sol dos virtuoses do piano na Europa. Durante alguns anos, empregou argolas, cordões e peças metálicas, no afã de obter a independência integral dos dedos anelares das mãos, um problema que aflige de certa forma todos os musicistas. Mas essas invencionices terminaram em desastre: Schumann teve os movimentos de seus dedos prejudicados definitivamente. E passou, então, a compor de forma desesperada.

II - SCHUMANN, CLARA WIECK E XUXA: Da união de Schumann e Clara ao fim previsível do compositor.

Porém, passada a idade da tutela paterna, a união de Clara e Schumann aconteceu como em um conto de fadas, em 1840. Boa parte da obra de Schumann foi dedicada à sua amada, e em todos os “Lieder” – nada menos do que 250 canções -, entre peças para piano ou com outros instrumentos.  Veja e ouça esta versão apaixonadíssima do recente fenômeno do piano, Lang Lang, tocando o OP. 157 de Schumann, Traumerai (devaneios);

 

Vista do Rio Reno
A partir de 1833 Schumann passou a ter frequentes acessos nervosos, e alguns anos depois perambulava nas ruas dizendo que ouvia “recados musicais” de Schubert e Mendelssohn; os compositores, dizia, faziam sugestões musicais para suas obras. Desesperado, tentou o suicídio atirando-se no rio Reno (foto), mas foi salvo e internado em Edernich. Veio a morrer dois anos depois, aos 46 anos.
A essa altura você deve estar se perguntando o porquê de eu colocar Xuxa – a “Rainha dos baixinhos” – no título, ao lado de dois gigantes da música. Mas é isso mesmo, como diriam os franceses, “et pour cause” (mais ou menos ‘por causa disso mesmo’). 

III - SCHUMANN, CLARA WIECK E XUXA: As desventuras de Xuxa adolescente desvendadas.

O teatrólogo Nelson Rodrigues
Recentemente, em um programa dominical de TV que já é espalhafatoso a começar pelo nome, Xuxa fez algumas declarações sobre traumas de adolescência, que a TV usou fora de ocasião e sem qualquer objetivo que pudesse justificá-las – além do Ibope, claro. Xuxa agiu com a inocência de sempre, ‘naïve’. Diante do apetite da TV, a apresentadora, sob comoção, revelou para o Brasil que teria sido molestada desde cedo, pelo melhor amigo de seu pai, e depois pelo homem que seria o futuro marido de sua avó. Um belo enredo para uma peça do teatrólogo Nelson Rodrigues, cujo aniversário de cem anos celebramos este ano.

"Seis Personagens em Busca de um Autor" (Divulgação)
Mas não é. Parece mais outra peça, esta de Pirandello, chamada “Seis personagens em busca de um autor” – já que as pessoas dos relatos de Xuxa são personagens, não há autores. Depois disso, muita gente compartilhou nas redes sociais fotos recentes (sem retoques) da apresentadora, como se fossem o garoto do conto “A roupa nova do Rei”, de Andersen: “o Rei está nu, o Rei está nu”, gritou o menino, chamando a atenção para o que o povo fingia não ver. Essa ‘nudez’ da Xuxa, a idade, é uma queda real que as mulheres famosas (ou não) têm que enfrentar, pois são humanas. Quiseram mostrar que a nossa “Rainha”... está nua! Pois não é que estamos todos ficando?

IV - SCHUMANN, CLARA WIECK E XUXA: A escalada da fama e das vendas via sofrimento humano pela TV.

Hoje, chega-se a um momento em que para se colocar pela primeira vez na escada da fama – ou reerguer-se, após uma queda -, no ideário popular e entre os objetos de desejo, vale tudo: uma atriz fazer estardalhaço por causa de umas poucas fotos íntimas tiradas pelo celular e lançadas na Internet (quando todas as outras atrizes o fazem de forma explícita e com boa definição nas revistas masculinas). Foi promoção até não caber mais, a atriz chegou a ocupar 20 minutos em um único telejornal da TV aberta, em rede nacional. Vale também explorar a emoção popular quando um cantor projeta em telões de shows seu filho em situação trágica na UTI, inclusive despejando no auditório da TV e em sua casa, “ao vivo e em cores” a tragédia de um rapaz, em mais um programa dominical de gosto nada discutível: a exploração de uma tragédia para ser degustada pela sanha canibalesca do “Zé Povino”, inventada e alimentada pela TV. Sem falar em alguma eterna adolescente que expõe a público certas preferências.

Criam-se fantasias, fatos, factoides; mentiras, falsas (ou quase falsas) doenças, qualquer coisa serve para aumentar vendas, fazer explodir o ego ou reerguer-se moralmente pela maior exposição de um rosto naturalmente já desgastado pelo tempo. Não há saída: “do pó viemos, ao pó voltaremos”. As pessoas devem se aceitar como são, e nunca explorar a desgraça ou o infortúnio próprio, dos seus ou do alheio para produzir dinheiro. O poder da mídia também corrompe. É o  quarto poder.

Por fim, a “CPI da pedofilia”, que investiga crimes de molestamento de menores, quer mais holofotes: vai tentar convocar Xuxa para depor. Depor o quê? Sobre supostos crimes prescritos cujos supostos protagonistas ela não vai revelar? Ou seriam esses holofotes para ajudar a ofuscar as luzes ainda bem tênues que teimam em pairar sobre rios e cachoeiras? Xuxa não vai, aposto. Ganhou a TV, mas Xuxa não ganhou nada. Não há nada que ela possa explorar com isso. Mas veja o efeito colateral positivo: em uma semana após o programa, as denúncias de menores molestados aumentaram em 30%! Pois então ganhou o povo.

Robert Schumann e Clara Wieck
O que interessa é que seja abençoada a paixão e o sofrimento infinitos de Robert Schumann e a jovem Clara Wiek: sem holofotes, sem superexposição, sem lucro. Só amor. E por que não ouvi-lo? Então relaxe e ouça o Mestre dos mestres, o pianista Horowitz, tocando com enorme emoção a Fantasia em Dó maior de Schumann:



sábado, 2 de junho de 2012

I - VOU-ME EMBORA PARA PLÖN, LÁ VOU SER AMIGO DO REI

1.     ONDE FICA PLÖN?

Vista aérea dos lagos de Plön
Não, não é a Pasárgada do Manuel Bandeira, mas é quase. Plön fica ao norte da Alemanha, e é um distrito de Schleschwig-Holstein, uma cidadezinha de aproximadamente 13 mil habitantes. Bem ali, nas bancadas do Grande Lago Plön, além de 16 outros lagos que ornam a paisagem com lindos espelhos d’água. O vilarejo tem uma escola de gramática que existe há 300 anos, e, entre outros, é a sede do famoso Instituto Max Plank para a Evolução Biológica.

Tribo Eslava
Tribos eslavas ocuparam a cidadela no século 7, forçando a evasão dos povos germânicos. Lá ergueram uma grande fortificação, e a chamaram “Plune”, que quer dizer “água sem gelo”, moldando seu clima frio, porém menos agressivo. (Cabe agora explicar, para quem desconhece o alemão, que Plön deve ser pronunciada com “ö” entendido como contração de “o” e “e”, resultando em um som quase que entre as duas vogais. Tente!). 

II - VOU-ME EMBORA PARA PLÖN, LÁ VOU SER AMIGO DO REI

2.     A VIDA POLÍTICA E VIDA DO CIDADÃO DE PLÖN

Gravura da Fortificação
Plön - vista da torre
Entre 1633 e 1636 o Duque Joachim Ernst ergueu o Castelo da Princesa, e elevou Plön a capital do principado. Em 1761 a cidade caiu nas mãos dos dinamarqueses, e tinha então perto de 1.000 habitantes. Não demorou a voltar às mãos dos germânicos, e entre eles sobrevive – e bem – até hoje. 

O Conselho Municipal correspondente às nossas Câmaras de Vereadores, e conta hoje com 23 membros voluntários, ou seja, um representante não remunerado para cada 563 habitantes, o que faz com que todos os cidadãos conheçam e convivam com quem elegeram. A renda per capita na cidade é de R$ 68.400,00/ano, equivalente a R$ 5.700,00/mês. Conclusão: a renda média de uma família de quatro pessoas em Plön é de R$ 22.800,00 por mês. 

III - VOU-ME EMBORA PARA PLÖN, LÁ VOU SER AMIGO DO REI

3.   O TURISMO E A MÚSICA EM PLÖN

Castelo da Princesa
Os redutos turísticos são diversos: o Castelo de Plön, renascentista, a Torre de Parnass, a Torre de Água, de 1903, a “Caminhada do Planeta”, e museus como do de Plön District”, a Casa do Parque da Natureza, a Casa da Princesa e a Fundação Fritz-During. Plön é a sede do Teatro Kinglestein de Marionetes, que se apresenta por toda a Europa.

Paul Hindemith, compositor
Há um tradicional festival de jazz, e um de música clássica - “O dia da música em Plön” -, para o qual o grande compositor alemão Paul Hindemith (foto) escreveu obras como o “Plöner Musiktag”. Plön tem como um de seus mais nobres cidadãos do passado o escritor e musicólogo Liliecron, que em suas “Memórias de Infância” (1903) escreveu (trad. livre): “Quando, à noite de um belo dia de verão, a lua deixa escorrer seus reflexos sobre a sutis ondas das lâminas d’água, que belo ambiente para os românticos jogos de amor, corações sobre as varandas, sob as velhas árvores”.

Plön vista do outro lado do Grande Lago
Tudo isso comprova  que uma grande cidade não é medida por números astronômicos, como nas nossas grandes capitais, e sim pela qualidade de vida e cultura que pode proporcionar. Uma grande cidade não é feita de números absolutos, mas de conceitos relativos. 

IV - VOU-ME EMBORA PARA PLÖN, LÁ VOU SER AMIGO DO REI

4.     PLUNE, FREUD E PLÖN

Coro infantil masculino típico da região
Bom, o leitor deve ter se perguntado o porquê de eu falar de Plön, assim, sem mais. Vamos lá. Em uma madrugada recente, meu despertador tocou, enlouquecido como sempre, e eu saí (ou seria ‘caí’?) de um sonho, do qual a última coisa que me restou consciente foi uma palavra, em coro musical, quase um grito: “Plune!”.  Apreciador de “A interpretação dos sonhos”, de Freud, busquei no italiano, no inglês, no francês, no alemão... e nada. Onde teria eu visto ou ouvido algo sobre Plune? Algo que me ficasse armazenado em algum compartimento da memória sem que eu percebesse, e que viesse a aflorar em um sonho? Busquei uma boa enciclopédia inglesa, e descobri que Plön era chamada “Plune”, durante a ocupação eslava.

Freud: gravura/caricatura sobre o rosto de Freud
Daí veio o resto. Para Freud, muita coisa fica no subconsciente, e não aparece em nosso cotidiano racional, e às vezes nem mesmo em nossas fantasias. Mas pode ser liberada no sonho, de forma absolutamente espontânea. O que parece definitivo é que o cérebro não ‘inventa’ nada, ele guarda as informações em compartimentos razoavelmente isolados, cujas informações vêm a emergir apenas por meio de mecanismos autônomos apropriados, e nunca sob o comando de nossa vontade. 

V- VOU-ME EMBORA PARA PLÖN, LÁ VOU SER AMIGO DO REI

5.     COINCIDÊNCIA (OU NÃO?): MARTA E PLÖN

Torre da caixa d'água
Pois foi no dia seguinte ao episódio do sonho que  soube que minha filha Marta, que mora em Londres, estava em Hamburgo, norte da Alemanha, para o casamento de um primo dela. Ali, bem perto, a menos de 40 minutos, fica Plön. Coincidência? Freud diria que não. Teria sido um momento em que minha mente deixou escapar  alguma que ouvi, talvez recentemente (quem sabe algum um aviso dela de que viajaria de Londres para Hamburgo e ficou registrado - sem minha permissão consciente. Isso, associado ao fato de eu ter gravado, em algum momento dos últimos anos, alguma imagem de Plön em um mapa ou coisa afim. (Vale ler também os ensaios de Freud em “Psicopatologia da vida cotidiana”). Pois Marta foi a Plön, achou a coisa mais linda. Tirou fotos, comprou-me um livro... Conclusão? Sei lá, acho que nunca vou saber. Ficará tudo reduzido a um belo mistério, e assim deverá permanecer, bem como minha descoberta dessa cidadezinha alemã adorável. Que tudo isso me sirva para melhor valorizar minha vida em cidade do interior. (E que eu possa também entender tudo isso como um singelo e incomum convite para um roteiro de férias. Com direito a uma visita a Plön, é claro).