“Sei
que vou morrer, não sei o dia / levarei saudades da Maria / sei que vou morrer,
não sei a hora / levarei saudades da Aurora... / Quero morrer numa batucada de
bamba / na cadência bonita do samba”, do lindo samba composto pelo ilustre
Ataulfo Alves (e Paulo Gesta) em 1962. Bom para dançar, para cantar, é samba de
terreiro, de quintal, de pagode (o de verdade, das tendas de lona – chamadas
pagodes, à moda dos telhados chineses - improvisadas nos subúrbios do Rio de
Janeiro). A letra menciona uma palavra muito comum no samba: a cadência. Ela aqui
tem o sentido de movimento rítmico, ginga, o requebro da cabrocha, o suingue do
brasileiro. A “Cadência” do Ataulfo já foi gravada pelo próprio e de Elizete
Cardoso a Cássia Eller. É uma pérola do repertório do samba. (Veja e ouça abaixo com Ataulfo e uma ótima big-band)
A famosa cadência de Joachim para o concerto para violino de Brahms |
Cadência autêntica: movimento/repouso |
Já
falamos da cadência autêntica, que encontramos em grande parte do repertório
popular e clássico, que sai do acorde de tensão (dominante) para o de repouso
(tônica). A cadência dita completa vem de uma sequência mais longa, mas pode
terminar como a autêntica. Já a cadência plagal (ou “clausula”, por ter sido
comum na música religiosa do passado) vem do movimento (subdominante) para
afinal resolver no repouso (tônica). A chamada imperfeita deixa o ouvinte em
suspenso, pois termina com um acorde de tensão (dominante) no ar, sem
resolvê-lo no repouso (tônica). Por fim, entre algumas outras, temos uma
cadência chamada deceptiva, por frustrar o ouvinte, que aguarda o repouso, e o lança
sobre um acorde inesperado, que substitui o acorde de tônica.
O
Brasil assistiu durante longos meses ao maior e mais longo julgamento de uma
ação penal (AP 470) de sua história. Nunca, nunca tanto se discutiu, se falou e
se comentou sobre um julgamento pleno de citações, doutrinas, jurisprudências, hermenêutica,
súmulas, direito greco-romano ou anglo-saxônico, tratados como os da Costa
Rica, Declaração dos Direitos Humanos e tudo o mais com que a “tropa de elite”
dos melhores criminalistas do país tentam driblar os julgadores. “O que será
que será / que andam suspirando pelas alcovas / que andam sussurrando em versos
e trovas / que andam combinando no breu das tocas / que anda nas cabeças, anda
nas bocas / que andam acendendo velas nos becos / que estão falando alto pelos
botecos...”, diz a linda música de Chico Buarque.
O país, dizem, tem 200 milhões de técnicos de futebol, e hoje alguns milhões de magistrados formados na escola da vida, a maioria em tempos recentes. Expressões antes desconhecidas do grande público passaram a adentrar lares, bares e clubes: acórdãos, embargos de declaração ou infringentes, revisão penal, data vênia, domínio do fato e tudo o mais que a lei oferece ao cidadão muito bem abastado que pode pagar honorários de sete ou oito dígitos para fundamentar sua brilhante defesa nos debates que câmaras e cortes julgarem mais corretas.
Umberto Eco: Obra Aberta |
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