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domingo, 6 de outubro de 2013

DEIXAI VIR A MIM AS CRIANCINHAS !



Em linguagem plena de simbolismo, várias passagens do Novo Testamento repetem, de uma forma ou de outra, a mesma frase dita pelo Salvador: “traziam-lhe até mesmo criancinhas para que as tocasse; vendo aquilo, os discípulos as repreendiam. Jesus, no entanto, chamou-as (N. do A.: as crianças) dizendo a todos: ‘deixai virem a mim as criancinhas e não as impeçais, pois é delas o Reino de Deus. Em verdade vos digo, aquele que não conhecer o Reino de Deus como uma criancinha, não entrará nele (Lucas 18, 15-17). Textos semelhantes de outros evangelistas, Marcos 10, 13-16 e Mateus 19, 13-15 também relatam o episódio.

A passagem estampa as palavras de Cristo e sua intenção de receber as crianças livremente, e os versículos citados podem ser interpretados como o desejo de Jesus de que as crianças viessem, com ele, a se encontrar o Pai, Deus, que lhes era desconhecido. Os Evangelhos demonstram a imagem da pureza inocente das crianças, e diz mais: que para merecer o reino de Deus cada um deve sentir-se como um dos pequenos.

Sodoma
Já o Antigo Testamento traz uma visão diferente, em muitas passagens, como em Gênesis, 19: nenhuma criança salvou-se de Sodoma e Gomorra, provavelmente significando que os pequenos foram contaminados pelo mal que soçobrava naquelas cidades sobre as quais a Bíblia judaica diz ter Deus despejado sua ira, destruindo a tudo e todos com fogo e enxofre. No Salmo 58.3, lemos que “os ímpios (impuros, incrédulos) se desviam desde o nascimento”. Entre os judeus de antes de Cristo, a visão sobre as crianças não é tão sublime quanto a de Cristo contada pelos evangelistas: “Alienam-se os ímpios desde o nascimento; andam errados desde que nasceram falando mentiras”, diz o mesmo Salmo.

"Jesus, rei dos judeus"
A pureza da criança está presente já mesmo no nascimento do Filho de Deus, o Menino Jesus, aquela criança que traria medo ao Império como o Rei dos Judeus, o que na visão do governo da Judéia representaria uma liderança ameaçadora ao poder. E o Menino era criança, de criar, de cria mesmo - como entre os animais, tudo da mesma raiz, essa a imagem que todos nós gostamos de ver e cultivar, tão ameaçadora para os poderosos, os tiranos e os inimigos do povo. O Pai é quem cria, é o Criador, dizem as escrituras.


Verdade é que no fundo, no fundinho mesmo, ficamos apreensivos quando nossos filhos entram na puberdade rumo ao mundo adulto. Todo aquele frescor, aquela beleza, do sorriso de poucos dentes, as gracinhas, as birras, as pirraças, a baguncinha que nos fazem fingir de irritados. Só fingir. Tudo isso torna-se assunto para piadas sobre os nossos próprios filhos, que contamos com prazer para nossos amigos e amigas, anedotas reais narradas com orgulho e um sorriso nos lábios – nos dias de hoje, são gracinhas divididas e multiplicadas até mesmo nas redes sociais. E não é que também fomos todos crianças, um dia, assim como o foram nossos pais, e o serão nossos netos?

O ciclo da natureza diz que nascemos, crescemos, nos reproduzimos e... morremos. Porém, não é o caso de se evocar aqui nada triste, pois o mais triste mesmo acontece em vida, esse curto espaço de tempo entre o início e o fim do ciclo de cada um, vida cujo lado mais belo é vê-la reproduzir-se no nascimento e esplendor de mais uma criança, um a mais a colaborar em nossa missão de povoar este imenso mundo.

Criado, criatura, tudo surgido do latim, de onde também veio crisma - de “chrisma”-, que significa unção, a confirmação do batismo (no rito católico). Chico Buarque, com a fina veia poética de sempre, cantou em Minha História (versão da música e letra de ‘Gesù Bambino’ dos italianos Lucio Dalla e Palotino): “quando enfim eu nasci minha mãe / enrolou-me num manto / me vestiu como se eu fosse assim / uma espécie de santo / (...) e não sei bem se por ironia ou se por amor / resolveu me chamar com o nome do Nosso Senhor”.

O poeta mostra um menino mais mundano, atual, marginal até, mas que guarda em si a pureza infantil do Menino Jesus, pleno das qualidades que desde cedo lhe valeram o santo apelido. Se o mundo que o personagem buarqueano encontrou é cheio de vícios, “ladrões e amantes, colegas de copo e de cruz”, por outro lado ele se sente ainda criança em meio à podridão das nações contaminadas pela injustiça social e desigualdades – como as que o Jesus real, pobre e vítima, o condenaram desde que nasceu, rebento do ventre de Maria. Em contraponto, finaliza o personagem da canção, todos de seu mundo hostil e sujo “me conhecem só pelo meu nome de Menino Jesus”: uma boa criança, um bom garoto. (Abaixo, gravação histórica para a TV italiana, com Chico, Lucio Dalla e Toquinho)



Maestro Camargo Guarnieri
Mas o que é mesmo uma criança? Seria a fase entre o bebê e a puberdade, como querem alguns especialistas, ou seria algo mais flexível, um estado de espírito? Quem nunca ouviu falar de Baby Pignatari, Baby do Brasil, Baby Doc? Quem não chama seus filhos, às vezes já pais de seus netos, de crianças? Não consigo deixar de dizer “vou buscar as crianças” (o menor de meus quatro tem 16 anos). E quando meu filho Lucas - aliás, Baby Lucas, hoje morando em Seattle, EUA -, se juntava com Baby Fernando, filho do flautista da Osesp José Ananias, e Baby Alexandre, filho do violoncelista Bob Suetholtz, e iam brincar no parquinho do Clube Paulistano enquanto o avô de Baby Alexandre, o ilustríssimo maestro Camargo Guarnieri, nos permitia absorver suas palavras inteligentíssimas sobre música, história e vida? Pois serão todos “babies” para sempre!
Baby Alexandre Camargo Guarnieri Suetholtz
Baby Lucas Dourado



Platão
Platão nos ensinou uma pérola: “podemos perdoar uma criança que tem medo da escuridão, pois a tragédia reside nos homens que temem a luz”. A elas (crianças) nos é facultado perdoar, pois que é da natureza delas ver o mundo de forma sincrética (de visão global, generalizada, mista) e não como nós, que o vemos sob a impiedosa ótica analítica, armados diante do medo ao desconhecido, cegos à luz. Segundo o psicólogo e pensador suíço Jean Piaget, talvez por volta dos sete anos essa metamorfose tem início, com essa idade a criança igualmente inicia suas descobertas do mundo adulto, mundo que em breve irá adentrar e desbravar, livre como um pássaro em seu primeiro voo, dono de si mas abandonando no ninho a casta pureza infantil.

Esse “pé nas nuvens” da infância seduzia o gênio Albert Einstein (curiosamente, um judeu meio distante de sua crença, e também distante da criança que David vê em seu Salmo 58). Einstein achava que a verdade e a beleza são os fatores que nos permitiriam permanecer crianças, mesmo adultos, até o resto de nossas vidas. (Pois não foi ele mesmo um dos grandes exemplos de criança? A língua de fora, as excentricidades, os cabelos desgrenhados, as brincadeiras, as piadas e caretas...). 

Jean-Paul Sartre
O existencialista Jean-Paul Sartre, aquele que foi “para não deixar de ser”, dizia que foi uma criança, “daquelas que os adultos moldam de acordo com suas mágoas e frustrações”. Porém, esse azedume em forma de pensamento se explica pelas leituras que fazia com frequência dos textos da linha do pessimismo (Schoppenhauer), e da negação (niilismo, do latim “nihil”: nada),  que contaminara até Nietzsche, filósofo alemão do séc. 19).

Hemingway e os peixes
Com outro espírito, Ernst Heminguay, sempre romântico e amante da liberdade, autor da obra prima “O Velho e o Mar”, belíssima ficção sobre uma longa, inglória e solitária luta entre um pescador e seu peixe, jornada que era sua labuta, o alimento salvador.  Heminguay achava que as crianças são o presente mais doce que a natureza dá para a humanidade (talvez tal qual os peixes, deve ter pensado ele, vivenciando em si seu pescador). Sobre crianças e peixes também canta Milton Nascimento: “eu vejo esses peixes e vou de coração / eu vejo essas matas e vou de coração à natureza”. E segue, em seu Milagre dos Peixes: “telas falam colorindo de crianças coloridas...” Mas há o mal que espreita e ameaça essa meninada, há o mundo repressor que as envolve (a canção é dos tempos da ditadura): “eles não falam do mar e dos peixes / nem deixam ver a moça, a pura canção / nem ver nascer o sol... / eu apenas sou um a mais, um a mais / a falar dessa dor, a nossa dor”. Tornando-se criança, Milton se agacha entre os pequenos, protegendo-os, e se mostra apenas um a mais a falar dessa dor, o sofrimento de todos nós, mulheres e homens! (Abaixo, Milton se supera em “Milagre dos Peixes”, no Festival de Montreaux, em 1999).

 


Todos os dias são das crianças. Ao levantar, ao ir para a creche ou para a escola, na hora da pizza ou do sorvete, do game ou da bola de meia. Mas para que serviria então um dia dedicado a eles? Para lhes demonstrar toda a nossa atenção e pensamentos, nossos desejos e paixões, de vê-los crescer felizes e crianças por toda, toda a vida.
Isabela e Pedro, filhos, alguns anos atrás

Blog dedicado aos meus filhos e ao neto que vai nascer inglês em 2014. Filho de Marta, que como Maria também "escolheu a parte certa". E a todas as crianças de todas as idades do mundo.

Marta Autran Dourado, future maman

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