Do latim ‘solítas’,
saudade é uma daquelas palavras que expressam sentimento, por isso meras lembranças:
como dor e angústia, ela somente é sentida em sua plenitude no momento em que está
acontecendo. Saudade é assunto teimoso em músicas de diversos gêneros, e como todo
tema simples, oferece ao artista um vasto mundo, abre a moldura de um quadro infinito.
E é um sentimento tão forte que abre a porta sem mesmo sem bater: a pessoa
querida que se despede levando seus pertences na bagagem e deixando-nos outra, de
imagens e lembranças: “a tua lembrança
me dói tanto / eu canto pra ver / se espanto esse mal... / mas eu só sei dizer
/ um verso banal...” (Chico, em “Desencontro” - abaixo).
Há alguns mitos, no
Brasil, e saudade é um deles. Termo cunhado a partir do latim, é claro que a
palavra existe também em outros idiomas latinos como o espanhol (‘soledad’),
francês (‘manque’) e italiano (‘rimpianto’), por exemplo. Em português, é
palavra genérica, podendo referir-se a uma pessoa (‘saudade de você’) ou um
local (“Ai, mas que saudade eu tenho da Bahia / ai, se eu escutasse o que mamãe
dizia...”, do saudoso Caymmi). Em inglês, temos ‘homesickness’ (saudade de casa),
ou ‘longing’, ‘yearning’, quando nos referimos a uma pessoa; em alemão, diz-se ‘Sehnsucht’.
O mito de que o português é a única língua em que existe a palavra ‘saudade’ é
invenção sabe-se lá de quem, e já é transmitido geneticamente. Pois seria então o
inglês o único idioma em que existiria o verbo “saudadar” (‘to miss’), ausente
de nosso vernáculo?
Novaiorquinas |
Existe um forte sentimento
por nossa pátria, povo ufano, mas é preciso colocar os pingos nos ‘ii’ para que
nossas emoções não sufoquem a razão. “Mulher brasileira em primeiro lugar”,
cantou Benito de Paula – coisa compreensível, resquício das gloriosas copas do
mundo das ditaduras, daquele ‘ame-o ou deixe-o’. É verdade que uma das maiores
concentrações de mulheres bonitas no Brasil se encontra em uma faixa da zona sul carioca que vai do Leblon e Ipanema a Copacabana, e a beleza ali já é herança genética. Mas
não nos esqueçamos das lindas praias da Califórnia. Manhattan parece um desfile
da Vogue, mas... falando em desfile, e as russas? Uma enquete internacional sobre
os países do mundo levantou onde se encontram as mulheres mais lindas do mundo.
Entre elas e as brasileiras, claro, sorriem as eslovenas, venezuelanas, colombianas,
ucranianas, libianas, angolanas e norte-americanas.
Entre as megalópoles,
no item hospitalidade e cordialidade, segundo pesquisa entre viajantes internacionais
frequentes sai na ‘pole’ a “Big Apple”, Nova Iorque. Entre Rio, São Paulo e
outras cidades, inclusive americanas, tenho de concordar. NY é uma grande metrópole
que se torna pequena, interiorana, e isso constatei muitas vezes. Entrar no
elevador do hotel pela manhã e ser recebido com um “o senhor teve uma boa
noite?”, “tenha um muito bom dia”, e ao voltar, “tenha uma boa noite de sono”: são
coisas cotidianas.
Os apertos de mão são
efusivos, em uma reunião você é uma pessoa importante para todos, e isso é mútuo.
Caronas, pedidos de companhia para um almoço ou jantar, convites seguem
qualquer compromisso. “Nós ficamos muito honrados com sua participação” (e tome souvenirs), é o
mínimo que dizem na saída de uma conferência. Nas lojas, nos restaurantes, o
atendimento é impecável. E no Natal, ah, nem se fala: deseja-se “Merry
Christmas” até para poste, como se diz. É o espírito de Natal, deixam escapar sorrindo
cristãos brancos e negros, judeus ou muçulmanos.
(Abaixo, uma mensagem de Natal de um novaiorquino por adoção, John Lennon, comemorando o fim das guerras, cheio de esperança)
Vinicius de Morais |
Meia volta e de volta à saudade, alimento de poetas como Vinicius de Morais: “O meu amor sozinho / é
assim como um jardim sem flor / (...) / como é triste se sentir / saudade /
(...) Estrela, eu lhe diria / desce à terra, o amor existe / e a poesia só
espera ver / nascer a primavera / para não morrer”. Mas Chico, outro mestre do
pincel dos versos, tinge a saudade na ponta de faca cortante: “oh, pedaço de
mim / oh, metade afastada de mim / leva o teu olhar / que a saudade é o pior
tormento / é pior do que o esquecimento / é pior do que se entrevar / (...) Oh,
pedaço de mim / oh metade exilada de mim / leva os teus sinais / que a saudade
dói como um barco / que aos poucos descreve um arco / e evita atracar no cais”
(em “Pedaço de mim”, sem comentários - veja e ouça abaixo).
João de Barros |
Se Chico é cruel, sofredor
é o grande João de Barro: “a sôdade é dor pungente, morena / a sôdade mata a
gente”: é alguma coisa do mal, tanto que é preciso “matá-la”, antes que ela
mate a gente. O carnavalesco Zé Keti matou a saudade de uma breve noite um carnaval
passado: “a mesma máscara negra / que esconde teu rosto / eu quero matar a
saudade / vou beijar-te agora, não me leve a mal / hoje é carnaval...”
Noel Rosa |
Cartola e dona Zica |
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