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terça-feira, 26 de novembro de 2013
VELHO SIM, OBSOLETO, NUNCA!
Não sei quem é o autor da frase, mas procurei saber (sem alusão
aos velhos de hoje que tentam guardar para si as biografias de suas
juventudes). Mas o que vem a ser obsoleto? Segundo o Houaiss, a palavra vem do
latim ‘obsolĕtus’, ‘deteriorado’, ‘estragado com o tempo’. Durante o ano em que
estudei desenho industrial, antes de me mudar de vez para a música, aprendi uma
expressão que me causou certo estupor, típica de uma sociedade que produz para vasto
consumo, enriquecendo muito poucos: a ‘obsolescência calculada’. Trocando em
miúdos, você fabrica um produto, e pode fazê-lo durar por muito tempo - mas por
que é que eu vou vender uma lâmpada que pode durar 10 anos, se posso criar outra,
que não dura 2?
Agora, o que tem isso a ver com a velhice? No Estadão de
segunda-feira, 25/11 (pág. B1), um sorridente Ueze Zhran, poderoso dono da
Copagaz, decreta, do alto de seus 89 anos: “Eu não tenho tempo para morrer
agora”. A artista plástica japonesa naturalizada brasileira Tomie Ohtake acaba
de completar 100 anos de idade, e é uma figura simpática de grande notoriedade.
Oscar Niemeyer (1907-2012), morreu aos 105 anos, sempre trabalhando, submetendo-se
à sua própria visão da arquitetura, do universo e da ciência, poetando: “Não é
o ângulo reto o que me atrai, nem a linha reta (...) criada pelo homem. O que
me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu
país, no curso sinuoso de seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher
preferida. De curvas é feito o universo”.
Chaplin e Ghandi
Charlie Chaplin (1889-1977), ícone do cinema
universal, faleceu aos 88, ainda sob os aplausos de público e crítica, que o
considerava o maior cineasta de todos os tempos. Deixou para trás a perseguição
ao povo judeu e ainda foi tido como comunista durante o macarthismo americano -
apesar de o artista ter sido apenas um esquerdista crítico do capitalismo
americano, e longe de fazer mal a quem quer que seja. Sofreu, foi homem de
vários casamentos e relacionamentos (geralmente com mulheres bem mais jovens) e
teve onze filhos, base de sua resistência.
Suas ideias foram sempre inovadoras, e à frente de seu tempo. Tornar-se
obsoleto o teria feito sucumbir à morte mais cedo.
Dave Brubeck
O grande Dave Brubeck (1920-2012), um dos maiores
pianistas de jazz americanos, completou seus 90 anos tocando por longa hora e
meia no Blue Note, um espaço sagrado entre os músicos americanos. Criou o
superhit ‘Take Five’ em compasso “quebrado” de cinco tempos, entre outras obras-primas.
Charles Aznavour (nome artístico), francês de origem armênia, compôs mais de
850 canções e participou de 60 filmes. Seu vozeirão ‘de peito’ arrancava
suspiros das mulheres e tornava qualquer jantar a dois nas melhores casas de
shows de Paris um grande acontecimento. Deixou marcada sua “Que C’est Triste
Venice” (Como é Triste Veneza) por gerações de apaixonados.
Pierre Boulez, em plena forma
Pierre Boulez (1925), vanguardista francês, ainda
atua em diversas áreas, na bagagem uma extensa lista de composições de técnicas
moderníssimas e passagem como regente titular de orquestras como a Filarmônica
de Nova Iorque e a BBC de Londres. Também fundou um grupo chamado ‘Ensemble
Intercontemporaine’ - que tive a honra de receber em São Paulo, – tão irreverente
quanto a música que fazia. Sir Georg Solti (1912, Hungria, 1997, Inglaterra)
era um cidadão do mundo. Fugiu de Budapeste (1939) depois da anexação da
Hungria pela Áustria, e foi regente da Orquestra de Paris e da Filarmônica de
Londres, além de uma brilhante estada na Sinfônica de Chicago, cujo som moldou a
seu gosto: volume de sopros inimitável e as cordas brilhantes, criando a
identidade do grupo entre os mais importantes do mundo. A milésima performance
de Solti à frente da CSO foi programada para seus 85 anos. Morreu de infarto
fulminante, talvez da forma que queria, sem nunca se aposentar. Tanto confiava
em sua longevidade que, ao ser chamado para renovar contrato com sinfônica, aos
80, negou-se a fazê-lo por apenas 10 anos, exigindo o prazo de 20 anos. (Abaixo,
veja e ouça uma aula e ensaio de Sir Georg Solti sobre “Quadros em uma
Exposição”, de Mussorgsky, um depoimento brilhante aos 80 anos, em extrema
lucidez e energia).
Magda Tagliaferro
A grande diva do piano brasileiro Magdalena Tagliaferro
(1893-1986), que aos treze anos de idade apenas encantou Debussy e o
Conservatório de Paris logo em sua chegada à França, recebeu, aos 80 anos, um
apartamento do governo francês, para que morasse em comodato por 20 anos.
Chorou copiosamente: “como é que eu vou fazer depois, meu Deus”?
Juventude Nazista
Ficar velho desfrutando da sabedoria é um dom que esses
grandes nomes souberam e sabem aproveitar. O pior é andar na contramão, involuindo,
ao invés de evoluir. Existem os que tentam reescrever a história da juventude
nazista, como os skinheads, e os proto-niilistas-anarquistas, que inflam de vazios
as cabeças dos blackblocs - exemplos perfeitos de involução histórica.
Bastidores: o que não se vê
Os mecanismos de controle da sociedade têm que
avançar junto com o aperfeiçoamento da organização do estado. Os vícios públicos
brasileiros levaram há dias uma autoridade com sólida formação intelectual a declarar
que “o culpado pela corrupção é o sistema eleitoral” (sic). ‘Culpa do sistema
eleitoral’ é anedota, mas talvez seja ele que abre as portas para os desvios de
dinheiros públicos, juntamente com o sistema tributário, o sistema financeiro, a
burocracia estatal... É esse o tipo de homem obsoleto que se curva ao ‘sistema’ também obsoleto que ele culpa mas venera, pois que é a cortina que obstrui do país a visão da cena
e dos atores, é o pano de boca que separa palco e plateia, burocracia
infernal por trás de cujos bastidores os obsoletos se dão as mãos em uma bacanal
particular, por trás de belas cortinas fechadas.
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