Wando |
Com a morte do cantor Wando (1945-2012), no ano passado, a
breguice voltou a ser assunto. Rei dos shows em subúrbios e cidades de todos os
estados do país, foi orgulhoso possuidor de quase 20 mil calcinhas, jogadas no
palco por suas exageradas fãs. Compunha música de dor de cotovelo, paixões
enlouquecidas (“Vulgar e comum é não morrer de amor”), pitadas eróticas
(“Obsceno” e “Tenda dos prazeres”). Era o brega-pop, com um pouco de cada
gênero, da jovem-guarda a Nelson Gonçalves, da balada americana a Cauby
Peixoto.
Francisco Petrônio |
Esses astros do vozeirão eram imbatíveis mesmo para os
ídolos da MPB. Tanto é que Caetano, ao gravar com Nelson Gonçalves, pediu para
o menestrel que subisse um pouco o tom, já que para ele, Caetano, estava um
pouco baixo (grave) demais. Respondeu Nelson: “vai falando, como faz o João
Gilberto...” Desses vozeirões lembro-me bem do Carlos Galhardo, dos versos deslumbrantes:
“num salão grená / paira pelo ar / nota esmaecida / o perfume teu / resto da
canção / que foi minha vida” (essa foi trilha de uma peça de teatro, no Rio, em
que atuei como músico). E tinha Francisco Petrônio (1923-2007). 25 LPs de
baladas, boleros, canções, deixando sua voz de peito junto às vitrolas dos
saudosistas (que ainda guardam essas engenhocas giradoras).
Mas o que vem, exatamente, a ser brega? Diz o Houaiss: “que
ou quem não tem finura de maneiras; cafona”. Os mais finos podem usar a palavra
Kitsch, que em alemão designa “objeto inútil”, muito em voga na Bauhaus (escola
e tendência de arquitetura e design da primeira metade do século 20), mas que
também queria dizer o que chamamos cafona. O símbolo do Kitsch seria o pinguim
de geladeira – mas o bichinho, a depender do ambiente, pode ser até chique,
como em uma casa modernamente decorada de uma dama da alta sociedade. E pode virar, diria a socialite, "conversation piece", puxador de assunto: "querida, que ideia genial! Esse pinguim ficou ultra-pop em cima do teu piano. Chique!" Pois
então, o brega dependeria do ambiente em que está e de quem usa ou canta? Afirmo que sim.
Pois a Jovem Guarda era brega, malvista pelos conservadores
da bossa/MPB por incluir guitarras elétricas em seu instrumental, mas foi
guindada a cult pela mescla de influências de todos os lados, com Gil e Caetano,
Mutantes, guitarras e plumagem pop. Então Roberto subiu ao trono. Pelas mãos
dos tropicalistas, também transformaram em “cult” um dos suprassumos do brega, o
Chacrinha.
Disco de telefone na barriga saliente, buzina para calouros,
calças listradas. E com seu discurso único e sua vestimenta brega foi louvado pela
‘baianidad’. Cantou Gilberto Gil: “Chacrinha continua balançando a pança / e
buzinando a moça e comandando a massa / e continua dando as ordens no terreiro
/ alô, alô, seu Chacrinha / velho guerreiro”.
Milhões cultuaram a cafonice americana, desde Elvis Presley (de
vozeirão sedutor) até Madonna, de poucos dotes, além de alguns novos pequenos tipos,
como Justin Bieber e Miley Cyrus. A riqueza se confundiu com a breguice nos
estados americanos mais ricos, nos quais picapes superluxo com chifres de
touro no teto e rifle pendurado atrás são o luxo e a beleza artificial aliados ao poder comprá-la e exibi-la. Ser
brega nunca foi pecado nos EUA, é luxo.
Cauby Peixoto: insuperável |
Quem não se lembra do Cauby Peixoto (1931) de “Conceição”?
Pois há muitos, muitos anos, precisando de uns trocos, surgiu-me um convite
para tocar no Tijuca Tênis Club (se não me engano). Seria um grande show, paga
boa. Mulheres à beira de um ataque de nervos, balzaquianas e pós-balzaquianas,
o canhão de luz rodando em busca do Cauby, até que uma voz de locutor levanta
os aplausos: “senhoras e senhores, Cauby Peixoto”. Muito simpático, beijou (sem
tocá-las, como manda a etiqueta) as mãos de todas as madames desesperadas da
primeira fila e outras mais atiradonas. Blazer bordado em flores, cabelo
“afro”, sombrancelha feita, pancake, recebeu pedidos escritos em papeizinhos que eram colocados em uma
cesta. Ia de Beatles a Aznavour, árias de ópera a Nico Fidenco, Ataulfo Alves a
Jobim. Ouvido absoluto, dramático de arrebatar lágrimas, uma memória gigante...
e está por aí, para quem quiser vê-lo, ouvir e aproveitar.
Há alguns dias, faleceu Nelson Ned, mineiro de Ubá (1947-2014), cantor e compositor, autor de “Tudo Passará”, talvez o maior
sucesso de sua carreira – canção que mereceu 40 regravações na voz de outros
cantores. Era portador de deficiência (nanismo), distúrbios neurológicos que
foram se agravando com o tempo, até o início do mal de Alzheimer e a paraplegia. Superou de verdade, o resto dos que vendem falso sofrimento são puro marketing. Sofreu,
amargou tantas doenças, abria o jogo sobre sua vida particular sem precisar de
biografia: tormentos pelo vício em drogas, alcoolismo, depressão profunda,
infidelidade... nada ele escondia, tudo era parte de sua imagem. Só não se
conformava em ter muito dinheiro e se achar no fundo do poço. Vendeu 48 milhões
de discos, a maior parte no mercado latino do exterior.
Em Boston, aliás na vasta região da New England (e, com
certeza, na Flórida e Califórnia), o nome de Ned era muito conhecido. Basta
dizer que em qualquer mercadinho de produtos latinos comprava-se feijão preto,
Ypioca, Goiabada Cica, torresmo, carne seca, guaraná, comida e pimenta mexicana (jalapeños) e malagueta – na saída, junto ao caixa, um estande de discos: Roberto Carlos e
Nelson Ned. E Ned vendia.
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