Daniel, criança |
Tudo começou em
um hotel em Londres, em 1990. Ara Guzelimian, armênia (já introduzindo a pitada
multirracial a esta conversa) fez questão de apresentar dois renomados e
importantes hóspedes: o maestro Daniel Barenboim e o crítico, ensaísta e
ativista Edward Said (1935-2003). A família de Daniel, judia russa, emigrou
para Buenos Aires, onde ele nasceu e iniciou sua formação musical. Com a
criação do estado de Israel, para lá se mudou com sua família, mas em virtude
da carreira de músico teve de viver em Londres, Paris, Jerusalém, Chicago e
Berlim. Já Edward nasceu no lado ocidental da Palestina, mas foi criado no
Cairo, Egito.
Paralelos e Paradoxos (SP: Cia. das Letras - Parallels and paradoxes – London:
Bloomsbury, 2002) é o título de uma coletânea de transcrições de debates públicos
onde o aspecto mais sutil seria a grande intelectualidade: falavam sobre
política, sociologia, guerras, Oriente Médio e as causas judaicas e palestinas. O prefácio é da mesma Ara Guzelimian.
Said e sua irmã |
Daniel e Said fizeram entre si paralelos, ambos vindos de famílias de estados
em conflito, e paradoxos, saborosas discussões em que incluem música, política,
religião e sociologia, tudo costurado por um fio musical recorrente, uma
espécie do que na música chamamos “idée-fixe” (ideia fixa). Principalmente
Beethoven, Wagner e o pensador Adorno.
Richard Wagner |
Daniel foi o primeiro nome de vulto a reger no lado
ocidental da Palestina (o “West Bank”). É dos mais frequentes regentes de
Wagner (1813-1883) de sua geração, fazendo profissão de fé apresentar óperas do
compositor em Israel, terra do povo judeu, na Alemanha atacado por Wagner em panfletos como
“O Judaísmo na Música (“Das Judentum in der Musik”, 1850). O grande gênio
alemão execrou Mendelssohn, nascido judeu, mesmo depois de convertido e adquirido
um sobrenome cristão (Bartoldy). Wagner achava que todos deveriam abandonar o
judaísmo e defender o estado germânico palavras que, no futuro. Ideias viriam a seduzir
profundamente Adolf Hitler, que via em monstros sagrados do passado, como
Wagner e o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900) a arte saída do mais puro
sangue gerado em terra germânica.
Goethe |
Em 1999, Said e Daniel organizaram um concerto em Weimar, na
Alemanha, como parte dos 250 anos de nascimento do grande escritor e pensador alemão
Wolfgang von Goethe (1749-1832). A orquestra era composta por músicos árabes, judeus
e alguns alemães. Goethe havia sido seduzido pela cultura islâmica, e conseguiu
descobrir a riqueza da poesia persa, que lhe inspirou “Westöstlicher Diwan”
(“West-Eastern Divan”, em inglês). Este título deu origem ao nome “West-Eastern
Divan Orchestra”, a sinfônica formada e apadrinhada por Daniel, integralmente composta
por jovens palestinos e judeus. Pois não é que, antes das inúmeras guerras e
divisões, ambos povos nômades viram um menino nascer judeu e palestino, trazendo
como missão dada pelo Pai crescer para salvar o mundo? Veja e ouça, abaixo, um
concerto histórico de Barenboim, à frente de sua orquestra, jovens palestinos e
judeus.
Guerra nas Bálcãs |
Aqui no Brasil, no mesmo ano de 1999 em que Daniel quebrou
preconceitos com um concerto em homenagem Goethe, em Mannheim, curiosamente
lancei um pequeno livro (“Pequena Estória da Música”, Ed. Vitale, 1998)
dividindo a festa com o colega da USP Osvaldo Coggiola, historiador, pensador,
especialista em guerras e, muito mais, nos conflitos dos Bálcãs. Osvaldo
lançava “Imperialismo e Guerra na Iugoslávia – Radiografia do Conflito nos
Bálcãs” (SP: Xamã, 1999). Os fatos políticos da música, a sua relação com o poder
desde sempre, levaram-me a fazer uma digressão sobre alguns momentos históricos
relacionados à minha arte – claro, dentro de minhas limitações diante de
Coggiola, que, em sua fala, surpreendeu-nos com uma sólida erudição histórica. Como
havia poucos músicos, e o momento político era de efervescência nos Bálcãs –
aliás, penso eu, será que em alguma época deixou de ser? -, foi uma conversa
saborosa, mas com o gosto amargo de falar sobre qualquer massacre, qualquer
guerra, qualquer destruição do homem pelo homem.
Milovic na ONU |
Em 148 a.C, a Iugoslávia se desagrega do Império da
Macedônia. Em 1091 a Croácia é conquistada pelos húngaros, em 1180 acontece a
libertação da Sérvia, em 1200 é fundado o Reino de Bósnia-Herzegovina, em 1389
os sérvios são derrotados pelos turcos em Kosovo, depois a queda de Constantinopla,
e são séculos de guerras, divisões, conquistas, até este preciso 1999, quando
Milosevic finalmente jogou a toalha, aceitando o plano de paz proposto pela
OTAN-ONU. Desde 148 a.C., foram mais de dois milênios de conflitos.
Bálcãs é palavra que vem do turco, e quer dizer
montanha. É uma vasta região, palco de conflitos enormes e alguns de grande
duração. Mas o que teriam em comum a região
das Bálcãs e a disputa Israel-Palestina, um ódio cujo fim o trabalho de Daniel
Barenboim e Edward Said tenta promover ensinando a todos os jovens o sonho da
convivência por meio da música? (Seria apenas uma semente, mas sem plantio não
se colhe). Os Bálcãs são uma região absolutamente estratégico para o óleo da OPEP, cercando toda a área petrolífera.
Nasser |
Pois que todas os últimos conflitos - falando de forma
genérica – desde a 1ª Grande Guerra, e a maior parte das guerras pelo mundo não
tiveram como pano de fundo o precioso óleo? Desde antes do bloqueio do Canal
de Suez por Nasser (1956), envolvendo interesses de todos os cantos do mundo, isolando
o porto israelense de Eilat, impedindo o acesso do país ao Mar Vermelho. Foram criadas
as Forças Internacionais de Paz da Onu (Peace Forces), que com orgulho inclui o
Brasil (o chamado Batalhão Suez) e outros países. No futuro, com outras fontes seguras
e renováveis de energia, quem sabe, o homem terá mais esperança de paz e um mundo menos poluído? Feliz
2014!
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