Nem tudo são sons e flores na vida dos músicos. Pelo
contrário, a colheita se dá sempre após muito exercício, muita labuta diária
que o público não vê e sequer imagina. Os que movimentam os braços, como
marceneiros com seus serrotes, e atletas como remadores, e todos os que precisam
do corpo para seu trabalho, são vítimas em potencial de lesões, notadamente a
LER (Lesão por Esforço Repetitivo, ou síndrome do túnel do carpo), tendinites,
tenossinovites, mialgias (dores musculares), bursites e outras cuja simples menção traz calafrios
aos artistas que já conviveram com uma delas.
Paganini, Capricho 24, "O Canhão" |
O músico costuma tentar superar suas condições atuais de domínio
de seu instrumento. Servem como exemplo certos ‘golpes’ de arco que podem
exigir alta velocidade de articulação de dedos, mão, antebraço e braço, e ele o
faz com velocidade cada vez maior, exigindo de seu corpo mais do que pode oferecer
naquele momento. E ele o faz durante períodos cada vez longos, até que... a corda
se rompe.
Bursite |
Surge uma dor lancinante, que parece não querer ir embora. Finge
se esconder quando tocamos, uma espécie de anestésico psicológico pela dor do esforço
sobre a própria dor. Para o músico autônomo, é a espada de Dâmocles sobre a
cabeça, a lhe ameaçar o próprio sustento e de sua família. Para o solista, a
condenação. E para o músico empregado, o conforto da licença médica, ao menos
no início do processo. Depois, a inevitável queda nos rendimentos. E a dor.
De médico em médico e de clínica em clínica, os portadores
dessas doenças buscam a via tradicional (alopatia) ou uma solução não-ortodoxa,
alternativa. Na angústia de resolver o problema, ele toma vários medicamentos, submerge
o braço alternadamente entre água gelada e quente, toma ultrassom, luz infravermelha,
choque elétrico, faz fisioterapia - para simplesmente ver o esforço ruir e a
dor voltar. E o efeito psicológico é devastador: além do salário, o músico vê
comprometida sua satisfação de tocar, seu progresso nos estudos e seu humor.
Escada de entrada: foto 2009 |
Buscando técnica e velocidade, sem o devido cuidado com uma regra
mágica - pausas no estudo -, tive a primeira tendinite após um grande esforço
nos exercícios. Pior: eu o fiz mesmo com o braço lesionado por um escorregão na
pequena escada de pedra coberta de gelo, à frente do prédio onde eu vivia, em
Boston. Mas tinha o recital mais importante pela frente, não podia desmarcar. E
o fiz sob analgésico forte (os “painkillers”) e aqueles adesivos de bálsamo para
suportar a dor, o cheiro de cânfora narcotizando todo o auditório. Era
esquecê-la e tocar.
Em uma viagem ao Brasil, tratei-me com reumatologistas, fui a
médicos especializados em medicina para atletas e tentei anti-inflamatórios
muito eficientes para dores na coluna – e apenas elas. Ao voltar aos EUA, com
toda a esperança depois de uma pequena temporada de praia no Rio de Janeiro,
minha amiga ‘Sinhá Tendinite’ reaparece junto com a retomada de meus estudos.
Eugene Fodor |
Pois foi em um ambulatório que descobri um médico que tratou
diversos músicos da Sinfônica de Boston, além do então jovem e grande
violinista russo Eugene Fodor, falecido em 2011. Fodor ia solar o Concerto de
Brahms em Washington, mas teve a triste ideia de disputar uma partida de ‘squash’
(um jogo de raquetes parecido com o frescobol) pela manhã, quando seu tendão
foi ‘fisgado’. Terminou sendo substituído no concerto por um ótimo solista, mas
que não estava à sua altura nem tinha seu carisma, o que frustrou o público.
O saudoso Aírton Pinto |
Em São Paulo, nosso antigo e saudoso ‘spalla’ da OSESP, o
amigo Aírton Pinto, chegou a fazer cirurgias com um ortopedista dedicado a
essas doenças, em procedimentos cujos caminhos do bisturi gostava de desenhar antes
no papel. Também pedia para ver o músico tocar, para estudar-lhe os movimentos.
Da cura de Aírton emergiram diversos músicos com o mesmo problema, atrás do
mesmo cirurgião. Hoje há um alerta mundial: no caso dessas doenças, em músicos,
cirurgia só no último dos últimos casos.
Uma bala só |
Voltando a Boston e aquele médico de ambulatório, ele mesmo
um violinista amador, saí com a receita de um tiro certo (caso o cidadão, como
eu, busque a alopatia, com todo o respeito aos alternativos). No meu caso – não
posso mencionar o nome de qualquer medicação, cada um procure seu médico -, uma
droga com certo anti-inflamatório específico, potente relaxante muscular e
analgésico começou a produzir efeitos em poucos dias. Estava acabando um
martírio que foi e voltou durante seis anos, até que venci. (Se você é portador
de uma das doenças citadas no começo deste artigo, seu médico lhe dará a segurança
de tomar a droga certa. O uso não prescrito por médico de qualquer medicação,
como se sabe, pode causar graves problemas, alguns piores do que a doença em si).
Um atleta olímpico supera sua marca às vezes um milímetro
por dia, mantendo durante um tempo cada nova conquista, e só avança quando se
sente confortável, sempre sob a supervisão de seu técnico. Não deve ser
diferente com o aluno ou profissional de música. Se o caminho é longo, é bom
trilhá-lo com segurança sabendo que o ritmo certo de estudo e a constância,
sempre alternando intervalos, são a maneira mais segura para vencer obstáculos.
Arthur Grumiaux |
Aquecimentos, preparações e alongamentos devem fazer parte
da rotina diária de estudos. Se essas doenças não pouparam inúmeros virtuoses,
a exemplo de Arthur Grumiaux (1921-1986), além dos já citados, isso é porque somos
todos vulneráveis, e todo cuidado é pouco para evitá-las.
Em música, não há
atalhos, apenas muito suor e recompensas.
Muito bom a matéria, como poderia entrar em contato?
ResponderExcluirObrigado.
Thiago Musetti
Entre no Facebook com meu nome completo: Henrique Autran Dourado. Obrigado!
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirConsolador. Estou querendo morrer para reencarnar e voltar a tocar haha Acabei de pegar tendinite e já estou com o braço ridiculamente fraco e tremulo. Estou tentando arrumar tratamento ainda... Então há a possibilidade de eu prosseguir meus estudos? meus trabalhos...? Li que se tem a necessidade de parar de utilizar o membro em questão ao contrair tendinite :/ Sou violonista/compositor. Era artista de rua, tocava o dia todo finais de semana nas calçadas...
ResponderExcluirConsolador. Estou querendo morrer para reencarnar e voltar a tocar haha Acabei de pegar tendinite e já estou com o braço ridiculamente fraco e tremulo. Estou tentando arrumar tratamento ainda... Então há a possibilidade de eu prosseguir meus estudos? meus trabalhos...? Li que se tem a necessidade de parar de utilizar o membro em questão ao contrair tendinite :/ Sou violonista/compositor. Era artista de rua, tocava o dia todo finais de semana nas calçadas...
ResponderExcluirSou acordeonista, e fui acometido há três anos por dores no braço direito que até hoje nenhum médico conseguiu descobrir. Fiz ressonância , eletroneuromiografia e nada... Só sei o local da dor... Músculo flexor . Será que existe um anjo no RJ que descubra o mistério dessas dores??
ResponderExcluirSou acordeonista, e fui acometido há três anos por dores no braço direito que até hoje nenhum médico conseguiu descobrir. Fiz ressonância , eletroneuromiografia e nada... Só sei o local da dor... Músculo flexor . Será que existe um anjo no RJ que descubra o mistério dessas dores??
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