'Caça à Raposa', óleo de Charles Bentley |
Turfe: moda para todos os gostos |
Não entendo de turfe, apenas o óbvio: o objetivo é ver o
animal em que você aposta chegar em primeiro, em placê (segundo lugar) ou em
combinações. Minha única experiência em turfe foi há longos anos: um primo levou-me ao Jockey Club do Rio de
Janeiro, na Gávea, onde há uma bela pista, plateia onde as grã-finas desfilam seus
lindos chapéus, luvas, vestidos de grife, joias e binóculos. Em uma rodada fiz um
placê, que me levou a continuar apostando até perder tudo – como, aliás, acontece em qualquer
jogo a dinheiro.
Treinador e Jockey (foto Jockey Club de SP) |
O criador de animais desse esporte tem de ser milionário, haja vista o tratamento
de beleza de socialite para o cavalo, veterinário, vitaminas, aluguel de
haras, treinos diários, salários e bônus para jóqueis bem escolhidos, que não devem pesar
muito além de 50 quilos. O turfe chegou ao Brasil em meados do século 19, mas
sua tradição ainda tem aquele molho inglês, tempero cujo gosto transparece nas competições.
Vencendo 'por um nariz' em fotografia do turfe |
Não consegui precisar quando foi que, para evitar confusões,
alguém inventou um sistema que amarrava uma cordinha ao disparador de uma
câmera fotográfica (a antiga ‘lambe-lambe’), bem na linha de chegada, cuja
travessia consagrava o animal vencedor. Ao romper a cordinha, o disparador era
acionado e uma foto registrada. Havendo dúvida, a chapa era revelada – e, com
ela, o vencedor da disputa. Daí o dito ‘venceu por um nariz’, ou seja, o campeão
chegou poucos centímetros à frente do segundo colocado.
Pierluigi Collina, um dos maiores árbitros |
Voltando a outro assunto, em ‘contratema’ musical, há alguns
anos reflito sobre aquele outro esporte bretão, o futebol, jogo em que transbordam dúvidas
sobre a honestidade do árbitro, dos bandeirinhas, e frequentemente enseja
vaias, gritarias e ofensas (extensivas até às mães dos profissionais). Claro
que, em um esporte de apaixonados, um certo teatrinho faz parte, como o ‘deixar-se
cair’ após um esbarrão, fingir um pênalti ‘sem querer, querendo’ e outras artimanhas.
E, claro, se foi jogador do meu time, foi bola na mão, e não mão na bola! (E, claro, o contrário
se aconteceu com jogador do outro lado). Falta do meu time? Não senhor, pois o outro ‘levou
vantagem!' São todas expressões que, na boca de milhões de torcedores-técnicos,
apontam deslizes dos árbitros e insinuam até propinas e outras práticas nada
castiças.
O polêmico pênalti |
Na mesma panela, joga-se FIFA, cartolas,
bandeirinhas e até países interessados nessa ou naquela vitória ou derrota. No
jogo de estreia Brasil x Croácia, nesta Copa de 2014, houve um pênalti que
dividiu juiz, bandeirinha e estádio. “O juiz viu, eu vi”, disse o técnico
Felipão, levantando sua toga imaginária de magistrado.
Pacheco, o polêmico defensor de Genoíno |
Muitos questionam a ausência de dupla
jurisdição, reivindicada a torto e a direito no caso ‘mensalão’, fora recursos
e embargos de diversas naturezas, como os infringentes, tudo de que o exército de
advogados dos réus, no STF, usou e abusou como água benta. Mas espere! O apito do árbitro
do futebol é uma decisão ‘monocrática’ (de um só juiz), e pela lógica não seria
passível de recurso? Parece que sim, mas não é. Pois lavre-se o PRIC ! (“Publique-se, Registre-se,
Intime-se e Cumpra-se”). O inacessível recurso à vontade absoluta do árbitro
joga toda a responsabilidade e mesmo o resultado de um jogo ou campeonato nas
mãos de um só, e as ilações sobre erros ou suspeitas de suborno viram preocupação
de técnicos e autoridades, sem falar nos aperitivos dos “técnicos” de botequins.
Linha virtual por computador na Copa de Melbourne |
Um artifício simples como a velha câmera fotográfica
das corridas de cavalos, hoje devidamente substituída por meios eletrônicos, filmes,
congelamentos de imagem e medições computadorizadas, praticamente zerou quaisquer dúvidas. Mais uma vez de volta o futebol, e a dupla jurisdição, muito questionada
pelos doutos defensores dos réus do STF, com a bola já correndo em campo, desculpe, o rito já correndo em plenário, transbordando em incontáveis petições, agravos, recursos, embargos e sustentações
orais.
Perdão, mas preciso voltar ao futebol sem o risco de cair mais uma vez na área jurídica, se me for possível. E se cada partida fosse
filmada com várias câmeras, e, uma vez impetrado recurso por uma das partes,
fosse suspenso o jogo para uma segunda instância com três árbitros superiores,
que decidiriam sobre o dubio, a dúvida? (Não deu para evitar a intrusão de leigo na matéria da magistratura, mais uma vez). O filme, o retrato, a foto, nesse tribunal
instantâneo, ajudariam a julgar o recurso em pouquíssimos minutos, duela a
quien duela, como disse um certo ex-presidente. (Drummond escreveu: “Itabira é
apenas um retrato na parede, mas como dói”).
Claro, leitor, as decisões dessa segunda corte deveriam ser tomadas por voto
unânime (‘V. U.’, no jargão forense, como no acórdão da ilustração acima). Mas, e se não houver unanimidade? E se
acontecer, na decisão, um voto destoante? Caberia ser interposto, então, um
embargo infringente, pois que a maioria se deu por um voto apenas?
O vocabulário do football e suas regras são tão
antigas quanto o esporte: penalty, goal, corner, foul, kick, score, todas palavras
já abrasileiradas do velho inglês.
Novas regras teriam de ser aceitas por todos os
países da FIFA, enfiando a hegemonia inglesa ‘goela abaixo’ para que essa nova
‘constituição’ já não comece, ela própria, como na brigalhada da discussão sobre as
regras de uma simples pelada de meia na várzea: uma Babel generalizada. Venceriam
as normas do prolixo direito greco-romano ou a concisão do anglo-saxônico, em minoria na FIFA?
Corte Romana |