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sábado, 7 de junho de 2014

AS FORÇAS DE PAZ NA ONU E O PAÍS DO FUTEBOL


Reunião para a criação das Forças de Paz da ONU
As Forças Internacionais de Paz (Peacekeepers) foram criadas pela ONU para atender países ou regiões vítimas de conflitos e grandes tragédias. A entidade tem assistido nações desde a Guerra Fria, passando por Nasser, no Egito, além de Moçambique, Timor Leste e Haiti, cuja missão está há dez anos sob a liderança brasileira. Foi após o bloqueio de Nasser a um porto israelense, no Canal do Suez, escorado pelo bloco árabe e a União Soviética, que o Brasil se associou às Forças, em 1957, ajudando desabrigados, desvalidos e feridos. Em 1988, o Comitê Nobel concede às Forças de Paz da ONU a Medalha da Paz, pelos serviços prestados. Em 2001,  as FIP recebem outro Nobel, dividido com o Secretário Geral da ONU Kofi Annan.

Embarque de batalhão do Rio Grande do Sul (FIP) para o Suez
O Batalhão Suez, composto por militares do Brasil, Canadá, Colômbia, Dinamarca, Suécia e outros, atuou primeiramente nos conflitos do Oriente Médio e na Faixa de Gaza. Desde 2004, o Brasil se agregou, com 1.200 homens, às Forças de Paz no Haiti, sendo o maior contingente militar brasileiro já enviado ao exterior desde a Segunda Grande Guerra. Desde o desembarque em um dos países mais flagelados do planeta assumimos a liderança da Força, destacando-nos não apenas pela atuação de proteção e salvamento quanto pelo tratamento humanitário. O Haiti foi massacrado por conflitos armados e, em 2010, por um terremoto de gigantescas proporções que praticamente devastou a nação e deixou um saldo de mais de 300 mil mortos.

Resgate de feridos pelo terremoto de 2010
Uma descontrolada epidemia de cólera, ao lado de tentativas infrutíferas de eleição de novo Parlamento pelo Haiti, coincidem com a intenção da ONU de retirar seu pessoal do país caribenho em 2016. Já passaram pelo Haiti, nesses 10 anos, 30 mil soldados brasileiros, com um saldo de 22 mortos, a grande maioria ironicamente vítima do terremoto, e não de batalha. O Brasil gastou, nesses dez anos, R$ 2,1 bilhões, tendo sido reembolsados pela ONU 35% desse valor um débito de pouco mais de R$ 1,5 bi, ou seja, algo como R$ 150 milhões ao ano, em dez anos.

Haitianos amontoados no Acre
Inúmeros os méritos da missão de paz dos nossos valorosos ‘boinas azuis’, e, em respeito a eles, cabe analisar comparativamente alguns números, objeto de matérias e opiniões recentes na imprensa, que questionam os ‘dividendos políticos’ (sic) desses gastos (como um hipotético assento no Conselho de Segurança da ONU). Esqueçamos nossa contribuição enorme de irmãos para com o Haiti, país, aliás, de onde têm imigrado para o Brasil milhares de refugiados por trilhas de fome e sujeira, humilhação e roubos, legião cuja 'adoção' agora é objeto de disputa política entre a capital de São Paulo e o Acre - estado cuja fronteira serve de ‘porteira de imigração’ ilegal, pois é passagem dos ‘coiotes’, traficantes de pessoas que nos despejam cidadãos haitianos como se fossem vítimas do holocausto.

Universidade de São Paulo
Sobre a aparentemente supérflua cifra de R$ 1,5 bi pagos em dez anos para o Brasil sustentar a missão, vale compará-la a alguns outros gastos, sem negar a esses outros maior ou menor importância. Esse é o caso dos 5 bi de orçamento recebidos pela USP apenas em 2013 - e isso em apenas em âmbito exclusivo estadual. Comparando, o gasto nacional com o Haiti chega a parecer razoavelmente conservador (reiterando que essa comparação é numérica, e não entra no mérito da importância monumental da universidade).

Por outro lado, se trouxermos à tona tão somente o   investimento oficial divulgado para a Copa 2014 no Brasil, vamos entender que, com óbvios dividendos de natureza eleitoral, abriremos a Copa com um número de estádios bastante inflado para a necessidade real. Com isso, chegamos a assombrosos 28 bilhões, com ‘aditivos contratuais’ de 1,5 bi sobre os R$ 26,5 bi inicialmente previstos (fonte: Ministério dos Esportes) - aquele plus contratual, tão comum no chamado ‘regime diferenciado’! (Para quem não sabe, este é o nome elegante para a ‘flexibilização’ da lei das licitações, que possibilitou um acréscimo de 1,5 bi ao custo previsto para a Copa deste ano. Um extra que equivale ao mesmo valor dos dez anos da ação humanitária brasileira no Haiti).

Saneamento (sic) em Cuiabá, próximo ao Estádio
O discurso oficial que diz “a Copa não é para o mundo, é para o Brasil”, é, claro, um slogan de efeito estudado não apenas como desculpa para o atraso de 50% das obras, mas também esforço para convencer o pobre torcedor platônico, que não vai participar da festa, de que tudo valeu a pena, que a modernidade das construções e a suntuosidade lhe são servidos como cota do ‘biscoito fino’. Como no carnaval, uma extravagância que contrasta com o dia a dia pobre em saúde, educação, saneamento, asfaltamento, transportes e segurança. Às favas ‘o que será, que será’ do pós-Copa, e a manutenção e uso de toda a infraestrutura criada após o último apito da final.

Medalha Cinquentenária: orgulho
O Brasil sustenta sua Força de Paz, soldados bem formados e preparados para o amparo às populações atingidas. É parte integrante da FIP-ONU, com seus valorosos membros que arriscam suas vidas pela paz e pelo fim dos conflitos, orgulhosos de suas ‘boinas azuis’ (green barrets) da ONU. Não houve imensa contrapartida financeira à importação de profissionais de outros países, nem perdões de dívidas enormes ou doações e empréstimos quase a fundo perdido do BNDES. É hora de compararmos o custo da valorosa missão brasileira aos da corrupção endêmica que sangra os cofres públicos em valores múltiplas vezes maiores, em proveito pessoal e de interesses escusos. Homenageado pela ABFIP-ONU com a medalha cinquentenária em 2013, sua maior distinção, senti-me na obrigação de comentar o que tenho lido e externar minha modesta opinião, em defesa da honrosa participação da FIP-ONU brasileira não apenas no Haiti, mas em todo e qualquer conflito ou tragédia, missão de paz que é paradigma de desprendimento,solidariedade e excelência.

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