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Candido Portinari: autorretrato, 1957 |
Inúmeras cidades pequenas, vilas ou vilarejos, guardam
para si alguns ícones, marcas únicas que lhe dão identidade própria. Uma coisa de coração, quase um símbolo a se
agregar aos seus brasões e bandeiras. Itabira tem Drummond, e Heiligenstadt é
uma pequena cidade alemã onde Beethoven escreveu seu testamento, talvez o mais
importante da história; se Brodowski (SP) teve Portinari, Gruut Zundert (Países
Baixos) trouxe Van Gogh; Málaga, na Andaluzia, nos deu Picasso, Hertogenbosch
(Holanda) Bosch; em Diamantina nasceu JK, e na pequena Brookline (MA, EUA) John
Kennedy, São José do Rio Pardo deixou Euclides da Cunha, e Lübeck (Alemanha) o também escritor Thomas Mann, e
daí por diante. Locais pequenos em tamanho cujos grandes homens, nascidos ou adotados,
viveram de modo diferente e criaram um elo entre sua terra e a cultura universal.
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Paulo Setúbal, intelectual e galã tatuiano |
Tatuí teve Paulo Setúbal (1893-1937), escritor e poeta de
múltiplos talentos, e músicos que fizeram sua história, como Nacif Farah e Del
Fiol, e hoje, sob luzes, o Bimbo. Foram eles (e antes deles, alemães e suecos
trazidos pela Real Fundição Ipanema) que começaram a pavimentar em Tatuí o
caminho para o erguimento da Capital de Música, título somente em 2007
oficializado por lei.
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Eulico Mascarenhas |
Aqui foi semeado o campo onde, em 1951, de direito, e em 1954,
de fato, o Conservatório foi oficializado, brotando com toda pompa e
circunstância, ainda jovem aos 60 anos de idade, comemorados este ano. (Na foto ao lado, Eulico Mascarenhas, antigo redator do Teatro Municipal de São Paulo, primeiro diretor do Conservatório de Tatuí).
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Praça da Matriz, 1911. |
Ao falar desses personagens, fala-se também
de certo apego, em tom de emoção. Por isso, mais do que números e fatos, que
deixo aos que preferem escrever a história (e a quem peço licença neste pequeno
espaço), abro mão de um certo rigor acadêmico para dar lugar ao que tanto ouço falar
deste grande tatuiano, a quem endereço este título: Octávio, aliás, Bimbo Azevedo
(1888-1971), operário da música, artesão que se envolvia de corpo e alma, sem esperar
ser retribuído em ouro pelo talento e obstinação em tudo que fazia. Era o escultor
de violinos, do carapinar as varetas dos arcos com tal paixão que só os que
viram parecem saber. A luteria era o passatempo do tocar, e vice-versa.
Engajava-se com devoção ao talento de sua vida, a música - e tudo o mais que a
envolve. Tocava, fazia serestas em sua casa na Rua Coronel Aureliano de
Camargo, esquina da Praça da Matriz, promovia saraus em que todos, amadores no
sentido mais sublime da palavra – aqueles que amam sua arte! - se congraçavam.
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Antonio Stradivari |
Bimbo também compunha, arranjava e tudo o que tinha direito
como cidadão musical de raro talento: com um ‘pé vermeio’, como se diz no
interior, e o outro no mundo. (Cabe aqui lembrar uma bela crônica – ‘O
Stradivarius de Tatuí’ - do dia 8 de junho, na pena de um ótimo contador
de causos do jornal O Progresso, Fran Campos, em que ele, testemunha ocular, conta que,
vizinho de parede que era do mestre Bimbo, ‘fazia arte’ (coisa de menino
curioso e curió), subia em um caixote para espiar o ‘seo’ Bimbo serrando
madeira para uma de suas artes, a de construir instrumentos. Ali mesmo, onde
Bimbo maquinava suas músicas e seus violinos, surgiu semana passada, no dia 7
de junho, a ‘Casa do Bimbo’, morada imortal do ilustre músico, no mesmo local
onde ele morou em vida. Participou do evento o Coral da Cidade Prof. José dos
Santos, sob a direção da maestrina do Conservatório Cibele Sabione.
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Erik Heimann: autor |
Uma publicação organizada pelo nosso assessor Erik Heimann Pais dedica
espaço, entre diversas músicas, para a emblemática valsa “Dirce”, um poema de
amor embalado por uma melodia suave, comovente: “Era um anjo / era um anjo a
mulher que eu amei / um altar lhe dei...”, coisa capaz de, naqueles tempos,
arrancar suspiros das moçoilas e fazerem casais se entreolharem, enamorando-se.
De todas as criações do Bimbo, prefiro as mais envolventes, como “Vestido
Vermelho” e “Nostalgia”, além, claro, da “Dirce”, uma pérola à parte, e a linda valsa "Regina" dedicada à então menina e grande talento (jovem, já tocava na Igreja da Matriz!), nossa professora Regina Orsi.
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O Rio Danúbio, em foto trabalhada |
A valsa vienense vem do Ländler, dança alpina da Áustria do
século 19. Alastrou-se pelo mundo, deixando à história o célebre Johann Strauss
(1825-1899), autor de mais de 150 delas, entre tantas “O Danúbio Azul” e “O
Morcego”. Quem já levou a filha a sua festa de debutantes sabe – convém lições básicas
de dança antes! – que essas valsas são levadas em andamento movido, compasso
ternário (conta-se: UM, dois, três), com um giro de corpo a cada grupo de três tempos.
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Valsa-Choro, de Villa-Lobos |
No Brasil, por influência da Corte e dos austríacos, o gênero
adaptou-se popularizada de maneira especial: valsa-choro, valsa de dois passos
(influência da mazurca), valseado, valsa puladinha e outros. Ah, há a
valsa-seresta, quase sempre doce e romântica, que parece ter seduzido mestre Bimbo,
no lenço um leve perfume caipira de guarânia, da que “navega pelas águas do rio
Paraguai”. É uma mistura genuinamente brasileira!
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O ator Rogério Vianna, representando Bimbo
no palco do Conservatório de Tatuí |
No dia 11 de agosto, segunda-feira (aniversário de Tatuí), o
Conservatório homenageia Bimbo, artista bem estudado em São Paulo e que teve a
melhor ‘escola’ daqueles tempos: ao vivo de rádios como a Record, que também nos
trouxe Villani-Côrtes e Chiquinho de Moraes. A homenagem acontecerá no Teatro
Procópio Ferreira, às 20h30, com a Camerata Corelli, sob a batuta do maestro Giovani
Briguente, e o Coral da Cidade, regido pela maestrina e professora Cibele
Sabione. No repertório, “Dirce”, uma declaração de amor que vale a pena ouvir e
ouvir e ouvir de novo, mais outras três peças. Bimbo, o mundo da música não tem
medo de lhe agradecer! (Peguei emprestado o “Quem tem medo de Virginia Wolf?”
de Edward Albee – 1962 -, sem ligação com este artigo, só para fazer do título a
rima e o pretexto).
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BIMBO AZEVEDO |
Ótimo texto e acrescento que gosto da música e letra "Pessegueiro" de Bimbo e Paulo Setúbal!
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