Lista de 10 famosos plagiadores |
Conversando com um amigo jornalista, Sergio Martins, da revista Veja, tratamos de uma questão
controversa, que não se restringe apenas à área musical, mas que é a primeira que
vem à cabeça quando ouvimos esta palavra: o plágio. Plágio, do grego plágios (por meio oblíquo, velhaco), seria a apropriação indébita ou reprodução
integral ou em parte de ideias, teorias, publicações e obras de arte, no caso em questão, a
música. Não é raro nas universidades, quando, constatada a quebra da ética, o
caso levar à demissão e ‘queima’ do nome na comunidade.
O ‘corte e cole’ do computador tornou-se mais frequente, dos
trabalhos escolares às teses acadêmicas: conheço casos de tradução parcial de
um livro em francês pouco conhecido. Porém, é preciso saber quando gritar
‘plágio!’, porque este é um problema técnico, não simples lembranças saltando
aos olhos e ouvidos do leigo.
A Mona Lisa de Duchamp |
A intervenção é uma forma bem aceita, como a que Marcel
Duchamp (1887-1968) na famosa Mona Lisa de Da Vinci: pintou bigodes na ‘Gioconda’
e legendou a obra com L.H.O.O.Q. (letras que soam, em francês, Elle a chaud ao
cul - ‘ela tem calor no...’. Ver ilustração).
T. S. Eliot, em cópias de si mesmo |
T. S. Eliot (1888-1965), poeta americano, e ele mesmo
considerado plagiador, foi irônico: “Poetas imaturos imitam; poetas maduros
roubam”. Já brinquei com uma frase de Lavoisier (1743-1794), o pai da química
moderna: “na música nada se perde, nada se cria, tudo se copia”. Não há
referência a plágio em nosso Código Penal, e nos EUA essa ‘apropriação
indébita’ não é crime. Cai sempre na área cível, lá fora com as devidas altas indenizações
e participações.
Chiquinha Gonzaga |
Quando é necessário citar a fonte, a depender do público,
faço-o entre aspas com o nome do autor entre parênteses. Para frases bem conhecidas
indico apenas as aspas para lembrar a autoria de outrem. Às vezes, nem aspas
coloco: no último texto publicado neste espaço, escrevi assim mesmo: abrem alas
para passar em sua sala de visitas sem lhe pedir licença. É óbvio que a frase
foi tirada da marcha carnavalesca (1901), da Chiquinha Gonzaga: “Ô abre alas,
que eu quero passar”.
Encenação artística de Mozart surpreendendo com seu 'miserere' de ouvido |
Mozart, ainda criança, ouviu na capela um certo ‘miserere’;
ao chegar em casa, repetiu-o ao fortepiano na íntegra. Trechos musicais
penetram (genialidade de Mozart à parte) sem querer nas mentes de compositores.
Já citações ou variações sobre músicas de outros autores são inúmeras (o
conceito de originalidade começou a surgir em meados do século 19).
Página autográfica de rascunho das Variações Diabelli, de Beethoven |
Variações eram comuns, haja vista as ‘Variações Diabelli’, de
Beethoven; ‘Sobre um tema de Moisés no Egito’, de Rossini, por Paganini; ou
‘Sobre um tema de Haydn’ de Brahms. Tchaikovsky, em sua Abertura 1812, cita
literal e musicalmente ‘A Marselhesa’. O compositor Jorge Antunes em sua ópera
‘Olga’ faz um intermezzo eletrônico sobre o Prelúdio de ‘Tristão e Isolda’,
de Wagner.
Essa conversa com Sergio Martins surgiu a propósito de um suposto plágio da
música ‘Cais’, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos (abaixo, link 1), pelo cantor David Bowie, em 'Sue' (idem, link 2). Ouvi ambas e
achei que, fora algumas poucas coincidências no curso da melodia na primeira
parte, nada mais consta. Maria Schneider, orquestradora da música, entrevistada
pelo jornalista, disse que Milton Nascimento é conhecido no mundo inteiro, mas
não houve intenção de citá-lo.
Inspiração talvez seja o caso do ‘Samba em Prelúdio’, de Jobim e Vinícius (abaixo, link 1), do tema e título do lindo ‘Prelúdio’ da Bachianas Brasileiras nº 4, de Villa-Lobos (abaixo, link 2, gravação TV Cultura do Youtube), que por sua vez tem algo do ‘Prelúdio’ da Suíte nº 2 para violoncelo solo, de Bach (abaixo, link 3). Meu amigo Antonio Ribeiro lembrou, com grande acerto, que o motivo e a frase iniciais da Bachianas nº 4 Bach bebeu direto no 'Musikalisches Opfer' ('Oferenda Musical', de Bach. Abaixo, no link 4). E sinto familiaridade por vivência estadunidense entre o coro final da 9ª Sinfonia de Beethoven, ‘Ode à Alegria’, e a segunda parte do ‘Star Spangled Banner’, hino nacional norte-americano. Mas são apenas associações vagas que passeiam por minha cabeça.
Vinicius: Samba em Prelúdio
Villa-Lobos: Bachanas Brasileiras nº 4: Prelúdio.
Ñelson Freire, em versão para piano
.
Bach: Suíte nº 2 para Violoncelo Solo. Prelúdio. Yo-Yo-Ma
Bach: Musikalisches Opfer. N. Harnoncourt
O amigo questionou se uma música de Cole Porter, Night and Day, também não guardaria grandes semelhanças com o ‘Samba de uma nota só’, de Jobim. Pelo fato de o ritmo da melodia da primeira parte de uma coincidir com o da segunda, e a sequência ser de uma só nota apenas - não podendo ser chamada melódica – também, não vejo fraude, apesar das influências do jazz na obra de Jobim.
Ella Fitzgerald canta Night and Day, de Cole Porter
Há uns quinze anos, fui perito em um processo movido por um compositor
contra uma emissora de TV, que teria utilizado uma música dele como vinheta
(tema que identifica um programa) de Copa do Mundo. Depois de ouvi-las e
anotá-las em partituras, concluí em parecer: uma era exatamente a outra, só
mudaram a letra.
Line e Loulou (assentos do centro) |
Caso semelhante aconteceu na
Califórnia, onde o paulista Maurício Alberto Kaisermann (1951), de nome
artístico Morris Albert, vendeu milhões de cópias de Feelings (abaixo, link 1) A Suprema Corte da Califórnia
o condenou pelo plágio de Pour Toi (1956), de Loulou Gasté (1888-1965),
composta para sua cantora e esposa Line Rénaud (abaixo, link 2). As melodias e mesmo as tonalidades são absolutamente
coincidentes, e a Corte, usando a sabedoria salomônica anglo-saxônica, deu 7/8
dos royalties para Gasté, pela música, e 1/8 para Maurice, por sua letra
original. Lembrança, inspiração, citação ou semelhança, são coisas comuns, em
arte. Somos todos vulneráveis em nossos ouvidos. Mas plágio é plágio. É fraude
premeditada mesmo, para ser mais preciso.
Morris Albert canta Feelings
Line Rénaud canta Pour Toi, de Loulou Gasté
Por fim, parece que um dos campeões no ramo é o grupo (acreditem os fãs, inclusive eu...) Led Zeppelin. No video abaixo, há comparações entre 10 músicas do conjunto que estão ou já foram alvo de processos judiciais e condenações. A lista parece ser grande. Umas mais, outras menos, há desde semelhanças a enormes coincidências, para se dizer o mínimo: