Bob Dylan |
Semana passada, fui procurado por uma repórter de
um jornal de Brasília para falar sobre um certo novo folk brasileiro. Aproveito para estender mais o assunto e
repassar ao leitor meus pensamentos. O folk
americano tem letras típicas de canções de protesto, como Blowin’ in the Wind, de Bob Dylan, ou histórias de fatos ou
personagens, como ‘Joe Hill’, de Joan Baez. São simples melodias e harmonias, seguidos
por instrumentos como violão de 6 ou 12 cordas e gaita de boca,
principalmente. Folk music refere-se à música folclórica norte-americana, e, assim
como nos EUA, em cada lugar e época a seu modo, o gênero está presente na
cultura de todos os povos, como parte de seu folclore (de Folk Lore: ‘sabedoria do povo’, em tradução livre), e abrange toda uma cultura em seu
sentido mais amplo: tradições culinárias, artesanato, arte, causos e estórias,
lendas, mitos e superstições. (Abaixo, veja e ouça Bob Dylan, ao vivo, em 1963: Blowin' in the Wind)
Bela Bártok recolhendo ao gramofone músicas folclóricas |
Villa-Lobos pesquisou a música folclórica
brasileira (exemplo é seu ‘Guia Prático’, canções por ele coletadas), e assim
como ele, o húngaro Bela Bártok (1881-1945), recolhia músicas de camponeses
para inspirar suas criações clássicas. Já esse folk norte-americano de que se fala foi um ressurgimento, em pleno
século 20, de práticas do passado, executadas com voz, kazoo (instrumento rudimentar de sopro), tábua de lavar (washboard ), harmônica de boca, banjo e
violões de 6 ou 12 cordas. Esse renascer da música folk dos anos 1960 é conhecido como ‘segunda onda’, e representado
por Bob Dylan, Joan Baez, Arlo Guthrie (filho de Woody Guthrie, vovô folk dos anos 1920). Essa ‘segunda onda’
tinha um pé dentro do pop e do rock’n’roll, tendo conquistado grande projeção
pela repercussão mundial do histórico festival pop de Woodstock (1969). (Abaixo, veja e ouça Joan Baez no histórico Joe Hill, pela libertação de companheiro preso pela recusa em servir no Vietnã. Woodstock, 1969)
Há até quem procure alguma possível influência
desse novo folk-rock sobre nosso ‘sertanejo’.
De início, é preciso fazer uma distinção básica sobre de qual sertanejo
falamos: seria o sertanejo de raiz ou o ‘sertanejo’ urbano, gestado a partir
das construções paulistas, principalmente, e que é uma mistura de influências
caipiras, nordestinas e da Jovem Guarda, com direito a ‘banho de loja’
norte-americana: cinto de fivelão, bota decorada, jeans de grife e chapéu de
caubói do Texas. Se no sertanejo caipira não há nada, no ‘sertanejo da TV’, há pouco
a ver com o folk americano.
Com Almir Sater, no encerramento do Torneio de Cururu de 2009, do Conservatório de Tatuí, na Concha Acústica Spartaco Rossi (Foto Xpres) |
Conheci Almir Sater e sou dele grande admirador.
É uma pessoa culta, chegou a estudar direito, não é um primitivista (naïf ): faz uma música suave, bem feita,
canta bem, traz na bagagem o folclore brasileiro e mesmo latino, como quando
canta guarânias (como ‘Chalana’), gênero do vizinho Paraguai, perto de seu Mato
Grosso do Sul. Usa uma ‘pitada’ da cultura musical americana cá e lá, não muito
mais do que isso.
Tinoco, também no encerramento do Torneio de Cururu de 2009 do Conservatório de Tatui, na Concha Acústica Spartaco Rossi. (Foto Xpres) |
Tinoco conheci também aqui em Tatuí, em 2011, e
era uma pessoa agradabilíssima que ainda fazia shows, apesar da idade avançada.
Quando a dupla Tonico e Tinoco era viva, duvido que tivessem sequer ouvido
falar em Joan Baez, Bob Dylan e trupe. A dupla sempre foi castiça, mais ligada
ao chão de barro, à porteira da fazenda e à moda de viola paulista. Trabalharam
juntos por mais de 60 anos - muito antes, portanto, desse new folk norte-americano.
Roy Rogers, cantor, cowboy e ídolo da criançada na TV |
O ‘sertanejo universitário’ é um gênero
tipicamente urbano e de classe média, e sofre influência direta da chamada country music, porém muito pouco do que
podemos entender como folk. O ‘universitário’
tem apenas alguns ingredientes folclóricos das tradições de certas regiões
sulinas dos EUA (na Georgia de origem, Texas e Louisiana, entre outros). O country empregava fiddles (violinos rudimentares, como rabecas) e, mais tarde,
violinos modernos, gaitas de boca e o slapping
bass (contrabaixo acústico tocado com o músico percutindo a mão direita
sobre as cordas). O gênero vem desde Jimmy Rodgers (anos 1920), Roy Acuff e o
lendário ator Roy Rogers, caubói cantador, surgidos um pouco antes dos anos
1940 – portanto, mais uma vez, muito antes do ‘folk’ dos tempos de Woodstock. A
influência da ‘country music’ sobre o sertanejo universitário é óbvia,
principalmente a terceira geração do ‘country’, que veio na esteira do cantor e
apresentador de TV Johnny Cash.
Sá, Rodrix e Guarabyra (foto: mpb.net) |
No Brasil, Sá, Rodrix e Guarabira (depois a dupla Sá e Guarabira)
tinham algo a ver com a folk music de
raiz, aquela coisa campesina, a singeleza, melodias simples e lindas como ‘Casa
no Campo’, imortalizada por Elis Regina. Apesar disso, acredito que era apenas
por inspiração, sem vínculo maior com o folk
americano. Talvez a novíssima Paula Fernandes seja mais folk, aliada ao melhor brega
americano, como o excelente The Carpenters, e faz com que a imagem da lendária
Karen Carpenter surja em sua voz simples, suave e sedutora. Até os cenários de
Paula lembram Karen, como quando canta sentada em um balanço sustentado por
cordas ornadas com flores. (Veja e ouça abaixo Karen Carpenter)
Doutor Jupter, de Ribeirão Preto (foto: doutorjupter.blog.br) |
(Elis Regina, abaixo, magistral em Casa no Campo)
Excelente texto.
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