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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A OUTRA CRISE DA USP

Evolução de gastos nas três universidades públicas de São Paulo (FSP)
Matéria recorrente na imprensa, o gasto com a folha de salários da Usp chega a mais de 105% do orçamento, ou seja, há 5% negativos para manutenção e investimentos. É o sinal vermelho. Mesmo o reajuste salarial de 2,57%, neste segundo semestre, resultou em muito pouco alívio para os professores, mesmo com nova sangria nos cofres uspianos. Como agravante, é óbvia a previsível queda na arrecadação do ICMS em São Paulo em 2015 devido à crise econômica (as três públicas estaduais sobrevivem com 9,5% da arrecadação do Imposto sobre Consumo de Mercadorias e Serviços).

Pior: em 2013 as contas da Usp só foram ‘fechadas’ (sic) com créditos suplementares via decretos do governo: R$ 300 mi no primeiro semestre e 180 mi no segundo. São números impressionantes, mas é ainda muito pouco diante do orçamento de mais de 5 bi anuais e do enorme e crescente déficit. Resta acompanharmos atentos os que têm o conhecimento crítico e técnico e os que têm o controle da máquina, na busca de rumos para o futuro.

Os 'Bixos'
Isto dito e sabido, pretendo agora voltar-me a outra crise preocupante, o papel da Usp na sociedade. A Folha de São Paulo publicou, há poucos dias, duas matérias reveladoras: 50% dos calouros da Usp estão entre os 20% mais ricos do país (dados: Usp), o que significa que a universidade tem sido ocupada cada vez mais pelos mais ricos, deixando os demais, cidadãos comuns e os mais pobres, com espaço mais encolhido ao sol da formação de excelência.

Prouni:divulgação oficial
Essas cifras formam uma curva que vem se acentuando nos últimos anos de maneira perceptível. Mas qual o porquê dessa maior concentração de ricos? Guardem a bola de cristal e atentem para duas siglas: primeiro, o Prouni (Programa Universidade para Todos), criado em 2005, que concede bolsas integrais ou parciais para alunos de origem mais modesta no ensino superior privado, que recepciona 74% dos alunos de faculdades e universidades de todo o país. Por meio dele, é possível aos felizes contemplados (quase 10% dos alunos ingressantes) fazer um curso superior sem a maratona vestibular das chamadas ‘públicas’, facultando-os ainda estudar à noite para poder trabalhar de dia (pobre que é pobre, frise-se, tem que cavar seu sustento, papai não pode mantê-lo com seu parco salário). Esse programa tem se tornado um golpe na supremacia hegemônica das chamadas públicas – e, para que se faça justiça, informo que o Prouni foi criação, em 2005, do ex-ministro da educação Tarso Genro, no primeiro governo Lula (quem acha que 100% de tudo foi certo ou errado em um ou outro governo ou é cego ou, como diria o Mário de Andrade, “uma reverendíssima besta”).

Enem: divulgação oficial
Novo fator a se agregar a essa crescente elitização da universidade ‘pública e gratuita’ (mote da comunidade uspiana desde sempre) também foi revelado pela mesma Folha nesta segunda semana de outubro: em 2014 houve uma queda de 37,5% (dados oficiais) nas inscrições para o Fuvest (que realiza o exame vestibular) entre os alunos egressos de escolas públicas – em geral, vindos de classes menos favorecidas, que não podem pagar pelas caríssimas escolas particulares e cursinhos para ingressar nas pública estaduais. Mas haveria ainda outra razão desse ‘tombo’ de quase 40%? Vamos a outra sigla: o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), programa de avaliação que somente fica atrás do sistema chinês – comunista, aliás, mas cujo ensino não é gratuito, diga-se de passagem. Ainda outra vez, por justiça, o que é de César: o Enem foi gestado a partir de 1998, pelo então ministro Paulo Renato de Souza, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Fies: divulgação oficial
Com o avanço do Enem, 53% (tendência crescente) das universidades públicas federais em 2014 já empregam o exame para seleção de candidatos, boa parte deles em vias de concluir o curso médio em escolas públicas. Prouni e Enem, juntos, já trazem algumas luzes sobre o visível escoamento de candidatos pobres e clara elitização da universidade pública (no caso aqui, a maior do país, a Usp). Mas não é tudo: o Fies (programa do MEC) financia cursos a simpáticos juros de 3,4% ao ano, para que o aluno possa pagar com menor sacrifício seu estudo em uma particular; ironicamente, em prejuízo das públicas cada vez mais elitizadas e engordando cofres privados. Agora pela última vez, cabe a César o que lhe é de direito: o Fies foi criado em 1999, no mesmo governo Fernando Henrique, pelas mãos do ex-ministro Paulo Renato de Souza. O modelo do Fies guarda muitas semelhanças com o crédito universitário americano, da mesma forma que entre o Enem brasileiro e o SAT (Scholastic Aptitude Test), criado em 1926.

Aluno de ensino médio em prova de SAT nos EUA
Com o resultado do SAT em mãos, o aluno norte-americano tenta ingressar na universidade de sua escolha. Porém, para estudar em certa universidade média no ranking, a nota mínima exigida é, vamos supor, 7, mas com essa pontuação, independentemente de poder pagar a anuidade ou não, o aluno não pode sonhar com uma cadeira na Harvard, só para citar uma das maiores.

Concluindo, a universidade brasileira, mesmo pública e gratuita, aparenta ser cada vez um nicho da mais elevada elite social, e esses 20% dos brasileiros mais ricos que hoje ocupam metade dos bancos escolares uspianos, nessa progressão, em breve ocuparão algo como 60% dos assentos universitários. Os mais pobres ou menos favorecidos custeiam com seus impostos o estudo gratuito dos mais ricos. Agora, peço atenção para os mais apressados: nem de longe entrei aqui no mérito da discussão-tabu, ‘a universidade paga’, e sim à 'outra crise', a que me refiro e que precisa ser pensada sem bandeiras de quaisquer cores: a Usp é de todos nós, docentes, alunos e da comunidade paulista, que a sustenta.


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